O escritor Stênio Gardel: A palavra que resta começou a nascer com a visão do escritor das pessoas analfabetas que ele atendia em um cartório, impotentes diante de um escrito CRÉDITO: RENATO PARADA_2024
Stênio Gardel conta a gênese de A palavra que resta
Escritor cearense foi o primeiro autor brasileiro a ganhar o National Book Award
| 21 out 2024_11h35
O livro A palavra que resta levou o seu autor, o cearense Stênio Gardel, duas vezes aos Estados Unidos em menos de um ano. Foram as suas primeiras viagens ao exterior. Em março de 2023, ele passou três dias em Nova York para apresentar o romance em uma livraria. Em novembro, voltou à cidade para a entrega do National Book Award, um dos principais prêmios literários dos Estados Unidos, do qual A palavra que resta era finalista, na categoria melhor livro de literatura traduzido. Nove obras concorreram com The words that remain, o título em inglês do livro de Gardel, traduzido pela potiguar Bruna Dantas Lobato, de 33 anos.
Gardel e Lobato foram os escolhidos pelo prestigioso prêmio americano. Eles são os primeiros brasileiros, e os primeiros nomes em língua portuguesa, a receber o National Book Award. “Nem nos meus sonhos mais intranquilos imaginei isso”, diz o escritor de 44 anos. Lançado em 2021 no Brasil, o livro conta a história de dois rapazes que vivem um amor intenso, mas breve. O desenlace da relação é uma carta entregue a Raimundo por Cícero, antes de sua partida. Raimundo guarda a carta, sem saber o que ela contém, pois não sabe ler. Apenas aos 71 anos ele decide se alfabetizar para poder finalmente conhecer o conteúdo da carta.
Na edição deste mês da piauí, o escritor conta a Matheus Lopes Quirino que o romance começou a nascer quando ele trabalhava no atendimento ao público de um cartório. Havia muita gente analfabeta, homens e mulheres, velhos e novos, que precisavam assinar os documentos com a digital. “Isso criava momentos de tensão, quando as pessoas ficavam como que em suspenso. Era fácil imaginar que elas estavam pensando naquilo a que não tiveram acesso: a educação, a possibilidade de escrever”, diz. Essa visão das pessoas analfabetas impotentes diante de um escrito ficou revirando na mente de Gardel por anos.
A primeira versão de A palavra que resta foi quase toda ela escrita em três semanas de maio de 2017, quando Gardel estava de férias do trabalho. Ele acordava às quatro da manhã e, em suas palavras, “ia até onde desse”. Escreveu um pouco mais do texto em julho – e o entregou no dia 1º de agosto à escritora Socorro Acioli, sua professora de escrita criativa. “Quando ele me apresentou A palavra Raimundo [o título inicial do livro] pela primeira vez, a sinopse veio inteira: era a história de um homem idoso que queria fazer um curso de alfabetização de adultos para ler a carta deixada por aquele que foi o grande amor de sua vida. E é desses dois pilares, a carta guardada e o desejo de lê-la, que o livro se constrói”, conta Acioli. “Depois disso, eu passei a usar essa sinopse da história do Stênio como exemplo de boa síntese.”
Antes mesmo de ser lançado no Brasil, A palavra que resta teve os direitos para o cinema comprados pela Pródigo Filmes. A direção ficará a cargo de Fernando Nogari. O diretor de teatro Daniel Herz também se interessou pelo livro e adquiriu os direitos em 2023. A estreia da peça estava prevista para este mês de outubro no Rio de Janeiro, com o ator Charles Fricks no papel de Raimundo. Traduções em países europeus também estão em curso. A edição italiana já foi lançada pela Mendel. Chama-se La parola che resta.
À piauí, Gardel contou que está escrevendo um novo romance. Já tem a história, mas ainda não encontrou o título.
Assinantes da revista podem ler a íntegra da reportagem neste link.
Leia Mais