A medida das coisas
Tacita Dean – o grão e o pixel
Tacita Dean se diz pintora. Ela define seu próprio trabalho como “pintura feita com película” – suporte em via de extinção, do qual se tornou defensora militante.
Na palestra de abertura da exposição A medida das coisas, no Instituto Moreira Salles, que reune trabalhos feitos de 1996 a 2013, Dean disse que faz “filmes mais próximos da pintura que do cinema”, distinção que para ela estaria em serem mais “pictóricos do que narrativos”.
Tacita Dean se diz pintora. Ela define seu próprio trabalho como “pintura feita com película” – suporte em via de extinção, do qual se tornou defensora militante.
Na palestra de abertura da exposição , no Instituto Moreira Salles, que reune trabalhos feitos de 1996 a 2013, Dean disse que faz “filmes mais próximos da pintura que do cinema”, distinção que para ela estaria em serem mais “pictóricos do que narrativos”.
Paradoxal foi ter dedicado grande parte da palestra justamente às circunstâncias que originaram cada trabalho e às condições em que as filmagens foram feitas – face narrativa excluída das obras, mas que as enriquecem e põem sob suspeita o predomínio do pictórico.
Embora resultem da observação direta, ela não vê seus trabalhos como documentários e sim documentos – registros de “um momento no tempo”. Sendo editados, reunindo fragmentos que não constituem um continuum, considera o tempo uma ficção nos seus filmes. Ao contrário da “ilusão de continuum resultante da edição – habilidade altamente desenvolvida –”, sua linguagem explicita a ação do tempo.
Além de intervir por meio da edição, Dean também recorre a máscaras para compor imagens por meio de dupla exposição. Incorpora defeitos nos quais encontra “algo mais do que na imagem perfeita”. E recorre a objetos encontrados como matéria prima, caso de cartões postais antigos encontrados à venda na feira aqui no Brasil.
Dean tem noção perfeita que sua obra está ligada ao evanescente – uma mídia que está desaparecendo, laboratórios e fábricas que fecham, pessoas que morrem, etc. “As coisas me atraem, e depois se vão,” ela diz. Voltada para o registro do efêmero, seu projeto procura captar a passagem do tempo, aquilo que deixando de existir não poderá mais ser testemunhado.
Defensores de espécies em extinção estão habituados a ouvirem a recomendação de “cair na real” e a serem acusados de “nostálgicos”. Tacita Dean não foge à regra e já ouviu muitas versões desse mantra, conforme contou emTacita Dean Film, editado por Nicholas Cullinan e lançado pela Tate Publishing, em 2011:
“Por alguma razão há uma cegueira cultural sobre a diferença entre filme e digital: uma cegueira com um propósito comercial camuflado em ver um substituído pelo outro de maneira que a diferença possa ser rapidamente esquecida. Filme e digital são imagens [pictures], talvez cópias um do outro, mas não são a mesma coisa – um é luz em emulsão, o outro é luz feita de pixel, e ambos são também concebidos, feitos e vistos de maneira diferente.[…] No momento, cinema digital é euforicamente cego quanto a tudo que pode alcançar e estúpido com relação ao tédio que isso pode criar. Está vencendo o cinema analógico enquanto ainda está na sua infância e nós estamos sendo enganados pela indústria, sendo levados a acreditar que não tem importância, mas tem. Ambos são importantes […].”
A missão de Tacita Dean é conseguir que filme “seja apreciado como filme, entendido e preservado como a mídia independente e insubstituível que é, e tem sido, e deixar claro a incalculável perda para nosso mundo cultural e social se o deixarmos, e seus equivalentes em fotografia, som e editoração, simplesmente desaparecer”. Para Dean, seu trabalho não é “sobre o passado mas sobre o futuro”.
Na palestra de abertura de sua exposição no IMS, Dean mencionou dois milagres – o da imagem analógica e o da imagem digital. E sublinhou as diferenças entre ambos. Enquanto o grão é orgânico e cada um é diferente do outro, todo pixel é igual. O que ela quer proteger e preservar é a experiência única do encontro do espectador com o objeto da sua observação.
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