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questões cinematográficas

“Trabalho interno” – caso de polícia

Um filme pode ser relevante, atual e péssimo ao mesmo tempo? Pode. Prova disso é “Trabalho interno”, estreia de hoje, concorrente ao Oscar de melhor documentário, produzido, escrito e dirigido por Charles Ferguson, diretor também de “Sem fim à vista”, filme sobre a guerra do Iraque que abriu, no Rio, o festival É Tudo Verdade de 2008.

| 18 fev 2011_11h36
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Um filme pode ser relevante, atual e péssimo ao mesmo tempo? Pode. Prova disso é “Trabalho interno”, estreia de hoje, concorrente ao Oscar de melhor documentário, produzido, escrito e dirigido por Charles Ferguson, diretor também de “Sem fim à vista”, filme sobre a guerra do Iraque que abriu, no Rio, o festival É Tudo Verdade de 2008.

Relevante – sem dúvida –, por tratar da crise financeira de 2008, cujas consequências afetaram milhões de pessoas. Atual – em termos –, pois só foi lançado nos Estados Unidos dois anos depois, em outubro de 2010. Péssimo – com certeza –, entre outras razões, por proclamar ser a reprodução da verdade, além de tratar seus entrevistados de forma aética.

No início, legenda branca sobre fundo preto anuncia: “Foi isso que aconteceu”. A afirmação categórica é um espanto que compromete o documentário como um todo logo de saída. Será preciso lembrar a dificuldade de reproduzir eventos fielmente e, mais que isso, os limites do cinema para representar o passado de maneira fidedigna?

Mas o diretor Charles Ferguson demonstra ser homem de convicções firmes. Não tendo dúvidas, confunde a função de documentarista com a de juíz a quem cabe passar sentenças. Ignora que história e cinema não são tribunais, e que a função do historiador e do cineasta, não é condenar ou absolver seus personagens. A força do cinema documental está, ao contrário, na disposição de tentar entender, não de fazer doutrinação.

Verdadeiro Michael Moore invisível, de quem só se ouve a voz, Charles Ferguson não hesita em constranger seus entrevistados, desconhecendo que banqueiros, criminosos de guerra ou homens comum merecem a mesma consideração por parte do documentarista. Munido de suas certezas moralizantes, Ferguson considera que os indivíduos são os únicos responsáveis pela crise financeira, sem questionar jamais o sistema econômico, nem os valores sociais e morais que condicionam o comportamento individual.

Para Ferguson, bastaria cortar algumas cabeças malévolas e tudo estaria resolvido.

“Trabalho interno” é um prato feito indigesto. Havendo necessidade, até pode ser consumido. No final, porém, a sensação que fica é de vazio e indignação – com o desperdício da oportunidade de investigar assunto de importância e com a prepotência do realizador.

Para coroar a empreitada, Ferguson sugere que se usem informações sobre hábitos sexuais e consumo de drogas para incriminar a elite financeira de Wall Street. Deixa, desse modo, o âmbito do cinema e entra no da delação.

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