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    Adoção à brasileira: nos últimos cinco anos, a Polícia Federal instaurou 120 inquéritos para apurar casos de tráfico de bebês em todo o país – um número baixo, segundo especialistas CRÉDITO: BETO NEJME_2024

anais do crime

Tráfico de bebês prospera no país

Desigualdade social e legislação frouxa facilitam a “adoção à brasileira”, que acontece com impulso das redes sociais

| 10 jul 2024_07h27
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Na manhã do dia 4 de dezembro, um casal de agentes da Polícia Federal à paisa­na postou-se na recepção da Santa Casa de Valinhos, no interior paulista, à espera do empresário português Márcio Mendes Rocha. Quan­do ele chegou por volta das 10 horas, os policiais anunciaram a sua prisão preven­tiva por suspeita de tráfico internacio­nal de pessoas para fins de adoção ilegal.

O empresário foi preso depois de um pediatra desconfiar do fato de que ele havia registrado como seus filhos dois bebês nascidos recentemente de mães diferentes – uma vinda de Marabá, no Pará; outra da cidade de São Paulo. As duas deixaram a Santa Casa logo depois de darem à luz seus filhos, conta Allan de Abreu na edição deste mês da piauí.

O primeiro bebê, uma menina, nasceu no dia 28 de outubro e logo teve alta. Com pouco mais de duas semanas, foi levada para Portugal. O segundo bebê, um menino, veio a luz 24 dias depois, mas permaneceu interna­do por causa de um problema cardíaco. Durante uma das visitas feitas por Rocha ao bebê no hospital, o pediatra decidiu abordá-lo. “Tenho vontade de ter filhos também, mas não estou conseguindo”, disse o médico. “Mas isso não é um problema no Brasil: é muito fácil con­seguir uma barriga de aluguel”, res­pondeu o pai de Evandro¹.

Márcio e Márcia chegam ao aeroporto de Guarulhos levando bebê para Lisboa

 

No país, é fácil encontrar no Facebook mulheres que ofere­cem o útero para uma gravidez terceirizada. É uma prática legal, mas, como o Brasil não regulamentou a chamada “cessão temporária de úte­ro”, criou-se aí um universo em que vale quase tudo. Existe apenas o veto ao comércio de embriões, proibindo as mulheres de receber pagamento pela cessão do útero – o que é legal em par­te da Europa, na Índia e alguns estados dos Estados Unidos.

O próprio Rocha participou de alguns gru­pos do Facebook. Em um deles, “Quero ser barriga de aluguel/solidária”, com 13,7 mil membros, mulheres informam que estão supostamente grávidas e ofe­recem seus filhos a terceiros. Uma das mensagens, de maio de 2023, chamou a atenção de Rocha. Dizia: “Eu estou grá­vida de 4 meses não quero ter mais fi­lho, se vc quiser me chama”, e encerrava com um número de celular de São Pau­lo. O português respondeu com outra mensagem na rede social: “Estou inte­ressado em ficar com a criança.”

Mesmo depois do nascimento das duas crianças, Rocha e Márcia de Godoy Honorio, que se apresentava como sua secretária, continuaram negociando com outras grávidas dispostas a entregar seus be­bês. Honorio era responsável por aliciar no Facebook grávidas em situação de extre­ma vulnerabilidade socioeconômica.

Nos últimos cinco anos, a PF ins­taurou 120 inquéritos para apurar ca­sos de tráfico de bebês em todo o país. É um número baixo, segundo especia­listas. Para Maria Lúcia Pinto Leal, coordena­dora do Grupo de Pesquisa sobre Vio­lência, Tráfico e Exploração Sexual de Crianças, Adolescentes e Mulheres, da Universidade de Brasília, a “adoção à brasileira” e a extrema vulnerabilidade social dos pais biológicos levam a uma forte subnoti­ficação. “É vital que o sistema de adoção legal no Brasil seja revisado para tornar o processo mais acessível e menos oneroso para as famílias que de­sejam adotar dentro dos parâmetros legais”, diz ela. “Simplificar os proce­dimentos judiciais e melhorar os siste­mas de supervisão são passos críticos para prevenir abusos.”

Assinantes da revista podem ler a íntegra da reportagem neste link.


¹ Para preservar a identidade das crianças, a reportagem recorreu a pseudônimos.

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