Adoção à brasileira: nos últimos cinco anos, a Polícia Federal instaurou 120 inquéritos para apurar casos de tráfico de bebês em todo o país – um número baixo, segundo especialistas CRÉDITO: BETO NEJME_2024
Tráfico de bebês prospera no país
Desigualdade social e legislação frouxa facilitam a “adoção à brasileira”, que acontece com impulso das redes sociais
Na manhã do dia 4 de dezembro, um casal de agentes da Polícia Federal à paisana postou-se na recepção da Santa Casa de Valinhos, no interior paulista, à espera do empresário português Márcio Mendes Rocha. Quando ele chegou por volta das 10 horas, os policiais anunciaram a sua prisão preventiva por suspeita de tráfico internacional de pessoas para fins de adoção ilegal.
O empresário foi preso depois de um pediatra desconfiar do fato de que ele havia registrado como seus filhos dois bebês nascidos recentemente de mães diferentes – uma vinda de Marabá, no Pará; outra da cidade de São Paulo. As duas deixaram a Santa Casa logo depois de darem à luz seus filhos, conta Allan de Abreu na edição deste mês da piauí.
O primeiro bebê, uma menina, nasceu no dia 28 de outubro e logo teve alta. Com pouco mais de duas semanas, foi levada para Portugal. O segundo bebê, um menino, veio a luz 24 dias depois, mas permaneceu internado por causa de um problema cardíaco. Durante uma das visitas feitas por Rocha ao bebê no hospital, o pediatra decidiu abordá-lo. “Tenho vontade de ter filhos também, mas não estou conseguindo”, disse o médico. “Mas isso não é um problema no Brasil: é muito fácil conseguir uma barriga de aluguel”, respondeu o pai de Evandro¹.
No país, é fácil encontrar no Facebook mulheres que oferecem o útero para uma gravidez terceirizada. É uma prática legal, mas, como o Brasil não regulamentou a chamada “cessão temporária de útero”, criou-se aí um universo em que vale quase tudo. Existe apenas o veto ao comércio de embriões, proibindo as mulheres de receber pagamento pela cessão do útero – o que é legal em parte da Europa, na Índia e alguns estados dos Estados Unidos.
O próprio Rocha participou de alguns grupos do Facebook. Em um deles, “Quero ser barriga de aluguel/solidária”, com 13,7 mil membros, mulheres informam que estão supostamente grávidas e oferecem seus filhos a terceiros. Uma das mensagens, de maio de 2023, chamou a atenção de Rocha. Dizia: “Eu estou grávida de 4 meses não quero ter mais filho, se vc quiser me chama”, e encerrava com um número de celular de São Paulo. O português respondeu com outra mensagem na rede social: “Estou interessado em ficar com a criança.”
Mesmo depois do nascimento das duas crianças, Rocha e Márcia de Godoy Honorio, que se apresentava como sua secretária, continuaram negociando com outras grávidas dispostas a entregar seus bebês. Honorio era responsável por aliciar no Facebook grávidas em situação de extrema vulnerabilidade socioeconômica.
Nos últimos cinco anos, a PF instaurou 120 inquéritos para apurar casos de tráfico de bebês em todo o país. É um número baixo, segundo especialistas. Para Maria Lúcia Pinto Leal, coordenadora do Grupo de Pesquisa sobre Violência, Tráfico e Exploração Sexual de Crianças, Adolescentes e Mulheres, da Universidade de Brasília, a “adoção à brasileira” e a extrema vulnerabilidade social dos pais biológicos levam a uma forte subnotificação. “É vital que o sistema de adoção legal no Brasil seja revisado para tornar o processo mais acessível e menos oneroso para as famílias que desejam adotar dentro dos parâmetros legais”, diz ela. “Simplificar os procedimentos judiciais e melhorar os sistemas de supervisão são passos críticos para prevenir abusos.”
Assinantes da revista podem ler a íntegra da reportagem neste link.
¹ Para preservar a identidade das crianças, a reportagem recorreu a pseudônimos.
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