Luciene Torres, de 60 anos, é presidente da ONG Mães Virtuosas: ela procura o paradeiro da filha há 13 anos Foto: Reprodução
Treze anos de ausência e silêncio
A luta de uma mãe em busca de notícias da filha que desapareceu ao sair para comprar pão
Luciane Torres da Silva tinha 9 anos quando se despediu da mãe dizendo que iria à padaria comprar pão. Nunca mais voltou. Há treze anos sua mãe, Luciene Torres, procura em vão por notícias da filha. Moradora do bairro Km 32, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, a então supervisora hospitalar fez buscas por conta própria para encontrar a filha, já que não encontrou respostas nem auxílio com a polícia. No Brasil, segundo dados compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, de 2007 a 2020, houve um milhão de registros de desaparecimentos – em média, 71,6 mil por ano. Pela legislação atual, esses casos não são considerados crimes. No estado do Rio de Janeiro, em dez anos, Baixada Fluminense e os municípios de Niterói e São Gonçalo, juntos, concentram cerca de 38% de pessoas desaparecidas e 46% dos casos da Região Metropolitana, é o que mostram os dados de uma pesquisa divulgada na quinta-feira (26) pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC). Mas o estado só tem uma delegacia especializada no assunto, a Delegacia de Descoberta de Paradeiros, na Zona Norte da capital – que acaba sem investigar mais de 55% dos casos de desaparecimento do estado, aponta o CESeC. Sem notícias da filha, Luciene Torres criou a ONG Mães Virtuosas do Brasil, que acolhe famílias e, diante do silêncio do poder público, busca respostas sobre o paradeiro dos desaparecidos.
(Em depoimento a Amanda Pinheiro)
Minha filha desapareceu no dia 30 de agosto de 2009. Era domingo de manhã. Ela não tinha o costume de acordar cedo para ir à padaria, mas nesse dia levantou porque estava eufórica com o nascimento do primeiro sobrinho, que estava lá em casa. Ela me contou que acordou porque ele havia puxado seu cabelo. Naquele dia, a gente conversou, eu disse que compraria pão, mas ela se ofereceu para ir. A padaria era muito próxima lá de casa. Ela foi, passou um tempinho e não chegou. Procuramos e vimos que ela não estava mais no bairro. A minha filha mais velha procurou, pedimos para anunciar na feirinha e, quando anunciamos, o vizinho disse que a viu sendo levada por um homem em uma bicicleta. Foi aí que começou nosso desespero.
Naquele dia, a gente achou que ia encontrar logo, porque mobilizamos todo mundo. Olha, lá perto, tem uma praça que eu nunca vi tão cheia de gente para ajudar. Mas não tínhamos experiência para dividir as pessoas. Lá no Km 32 tem saída para vários bairros e municípios. Não pensamos em fechar as saídas. Fui até a delegacia, fiz o boletim de ocorrência e, desde então, não tivemos respostas. Só algumas informações desencontradas aqui e ali. Durante esse tempo, um policial chegou a me procurar para dizer que tinham prendido um rapaz, mas soltaram, mesmo as testemunhas confirmando. No inquérito, o responsável pelo desaparecimento dela foi colocado como um homem negro, o que prenderam era branco, de olhos azuis e rabo de cavalo. Recebi uma informação também de que viram um homem com ela subindo o morro da Serrinha, em Madureira.
São muitos fios soltos, sabe? Fomos na delegacia, até então a gente não sabia da Lei da Busca Imediata e o delegado não usou naquele momento. Mas fizemos o boletim e aguardamos a polícia investigar. Uma coisa que também estranhei foi que o delegado, o tempo todo, pedia para a gente colher alguma coisa e levar para ele, como se a gente tivesse que fazer o trabalho da polícia. E o que eu penso sobre isso é que nenhuma delegacia está preparada. Até a [delegacia] especializada precisa mostrar em que ela é especializada porque a busca de paradeiro a polícia comum já faz. Além disso, a gente esperava um atendimento que nos trouxesse resultados, amparo, e respostas. Por que levam as nossas crianças? Para tráfico de órgãos? É uma rede de prostituição? O que ou quem está por trás disso? E nós não temos essas respostas.
São momentos de muita aflição, todos esses anos e uma sensação de impotência. Eu trabalhava como supervisora hospitalar, mas em 2019, vendo as dificuldades que a gente tinha, e a falta de atenção do governo, resolvi criar a ONG Mães Virtuosas do Brasil, principalmente para a família ter um acolhimento, porque é onde também tem muita falha do poder público. A gente precisa entender que não é só a mãe que sofre, mas a família toda e ninguém se preocupa com isso. Então, a ONG foi criada para amparar as famílias e hoje me dedico totalmente a isso. A gente auxilia psicologicamente com um grupo de profissionais disponíveis online, temos uma médica, advogado, assistentes sociais, fazemos rodas de conversa, temos um espaço físico no Centro da cidade, estamos sempre juntas. Criamos um bazar para ajudar financeiramente as famílias. Onde o estado falha, a ONG precisa estar presente. Eu passei e passo por essa dificuldade, então conheço bem. Tem mães que, por meio da ONG, já localizaram o filho, mas continuam com a gente. E quando elas permanecem, vestem as buscas de outras pessoas desaparecidas, porque tem mãe que mora longe, em outro estado e, às vezes, é a única no bairro ou na cidade que está procurando o filho. E essa força é importante. E esse trabalho se tornou parte de mim.
Desde que criei a ONG eu me dedico totalmente, tem sido minha vida e meu combustível para encontrar minha filha, porque eu sinto uma tristeza, desespero, e um vazio todos os dias, principalmente em não conseguir pensar como ela pode estar hoje, fisicamente, a fisionomia, sabe? Mas enquanto a gente não tem uma resposta, não tem um corpo, nada, a gente tem que ter esperança. Enquanto eu tiver esperança, meu último respiro é pela minha filha.
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