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Questões da Ciência

Um elefante surpreende muita gente

Foram enfim publicados os resultados de um estudo que vinha mobilizando a equipe da neurocientista Suzana Herculano-Houzel desde o fim de 2012. A pesquisa pretendia determinar o número de neurônios no cérebro do elefante, que pesa três vezes mais que o humano. A ideia era colocar à prova a hipótese de que nossa espécie se diferencia das demais pelo alto número de neurônios, 86 bilhões. O resultado foi surpreendente: o paquiderme tem nada menos que 257 bilhões de neurônios. 

Bernardo Esteves | 30 maio 2014_15h46
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Foram enfim publicados os resultados de um estudo que vinha mobilizando a equipe da neurocientista Suzana Herculano-Houzel, da UFRJ, desde o fim de 2012. A pesquisa pretendia determinar o número de neurônios no cérebro do elefante africano, que pesa três vezes mais que o equivalente humano. A ideia era colocar à prova a hipótese de que nossa espécie se diferencia das demais pelo alto número de neurônios, 86 bilhões. O resultado foi surpreendente: o paquiderme tem nada menos que 257 bilhões de neurônios.

O trabalho usou o método desenvolvido por Suzana e por seu colega Roberto Lent para contar o número de células no cérebro. O elefante africano () foi a 63ª espécie que teve seus neurônios contabilizados pelo grupo da pesquisadora. Os números foram apresentados num artigo publicado esta semana na revista Frontiers in Neuroanatomy, assinado por oito autores do Brasil, Estados Unidos e África do Sul.

Num perfil de Suzana Herculano-Houzel publicado na piauí 77 (“O cru, o cozido e o cérebro”, disponível para assinantes), acompanhei o fatiamento do cérebro do elefante – veja a foto abaixo – e o início da contagem dos neurônios. Naquele momento, a pesquisadora ainda imaginava que chegaria a um número relativamente pequeno. Pela baixa densidade de células que os resultados preliminares pareciam sugerir, Suzana estimou então que o número total não devia passar de 30 bilhões.


O cérebro de elefante cujos neurônios foram contados foi fatiado por Suzana Herculano-Houzel numa manhã de novembro de 2012

O número encontrado não foi o único resultado surpreendente. A equipe de Suzana identificou um padrão muito atípico no cérebro do elefante. Nada menos que 97,5% de seus neurônios – 251 bilhões – estão concentrados no cerebelo, a parte posterior do cérebro, responsável pelo equilíbrio e pela coordenação dos movimentos nos vertebrados. Em contrapartida, no elefante o córtex – a parte do cérebro que desempenha papel central em funções como linguagem, pensamento e a consciência – tem 5,6 bilhões de neurônios, cerca de um terço do que se verificou na espécie humana.

Essa discrepância é a chave para interpretar o resultado, conforme Suzana Herculano-Houzel me explicou numa conversa pelo Skype, falando do Canadá, onde esteve para dar palestras na Universidade de Lethbridge. “De todas as espécies que já estudamos, o elefante é a única exceção na relação entre o número de neurônios no córtex e no cerebelo. Os outros mamíferos têm 4 neurônios no cerebelo para 1 no córtex. No elefante, a razão é de 50 para 1”, explicou a pesquisadora. “É realmente descomunal.”

Suzana acredita que o cerebelo do elefante esteja envolvido em funções sensoriais sofisticadas. “Os candidatos mais fortes seriam a comunicação por infrassom e o controle motor fino que depende de informação sensorial riquíssima vinda da tromba”, propôs.

Longe de se mostrar espantada com o que sua equipe constatou, Suzana disse que o resultado “saiu melhor que a encomenda”. Segundo a pesquisadora, “a hipótese continua a mesma: o número absoluto de neurônios é limitante para a cognição”. Mas o estudo do cérebro do elefante levou o grupo a refinar a ideia inicial. “Com a discrepância enorme que encontramos, ou admitimos que o elefante é mais capaz que a gente, o que é improvável, ou então temos que dizer que o cerebelo não é a parte limitante da história. O que limita deve ser o córtex cerebral.”

Futuros estudos do grupo da UFRJ devem permitir testar a hipótese. Os próximos animais a terem os neurônios contados serão baleias cujos cérebros estão guardados em dois grandes baldes num freezer no laboratório de Suzana.

(foto: Gary M. Stolz, U.S. Fish and Wildlife Service)

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