“Um homem sério” – sarcasmo e ironia
Diante dos filmes de Joel e Ethan Coen é preciso ter cautela. “Um homem sério”, por exemplo, tem uma epígrafe atribuída a Rashi: “Receba com simplicidade tudo que acontece a você”.
Diante dos filmes de Joel e Ethan Coen é preciso ter cautela. “Um homem sério”, por exemplo, tem uma epígrafe atribuída a Rashi: “Receba com simplicidade tudo que acontece a você”.
À primeira vista, a citação pode parecer uma maneira de dar um tom de seriedade, ou um ar intelectual, ao filme. Mas quando foi “mencionado aos irmãos que mesmo sendo um comentador prolífico do Talmud e Tanach, Rashi não é propriamente uma figura citada com frequência, eles riram – talvez sabendo que o blefe deles tinha sido percebido.” E indagados sobre a fonte da citação, “curiosamente, Joel admitiu: honestamente não me lembro”. O que pode ou não ser verdade, comenta Jordan Hiller. Parece possível que a origem da citação, conforme indicado por Richard Corliss ( “Time”, 22/9/2009 ) seja um pequeno livro de 128 páginas, publicado em 2009 – “Rashi”, de Elie Weisel, o que não a desmerece em nada.
Uma imprecisão como essa não deve causar estranheza, considerando os antecedentes dos Coen. David Denby comenta na “The New Yorker” ( 25/2/2008 ) que nos créditos de “Fargo” há a informação de que o filme é baseado numa história real, embora não seja. E uma legenda, na abertura de “E aí, meu irmão, cadê você?”, diz que o filme é “baseado na ‘Odisséia’ de Homero”, que eles afirmaram depois nunca terem lido.
Avisado, o espectador pode tentar não passar por tolo. Para quem não souber desses meandros, só resta ter espírito esportivo quando descobrir que tomou como verdadeiro o que é fruto da imaginação. Tratando-se de uma comédia, com toques de humor negro, não chega a ser grave.
O longo prólogo de cerca de 8’, representado em idish, conta a história de um casal, no século XIX, que encontra um velho conhecido – um ancião que já estaria morto. Ele está vivo ou é o um espírito mal que estamos vendo? Não há como saber.
A epígrafe e o prólogo talvez sejam um sinal para não levarmos a sério demais as inúmeras referências à cultura e religião judaicas contidas em “O homem sério”.
A incerteza talvez seja a chave de acesso às peripécias do professor de física, Larry Gopnik, morador do subúrbio de Minneapolis, em 1967. “Não estamos tentando ajudar ninguém a entender a experiência judaica”, Joel explicou. “É só uma história sobre comunidade e família. E estamos tentando ser específicos ao contar essa história. Especificidade é importante.” ( Jordan Hiller, idem ).
Intelectuais sérios, Joel e Ethan Coen são sarcásticos e irônicos. Inclusive consigo mesmos. Esse é um dos grandes méritos deles.
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