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    ILUSTRAÇÃO: PAULA CARDOSO

anais da política

Javaporco atravessa o caminho do governador

Em plena campanha, Márcio França proíbe caça de animal considerado praga agrícola e arranha sua imagem no interior de São Paulo

Josette Goulart | 20 jul 2018_10h00
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Sensibilizados por imagens postadas na internet de filhotes de javali sendo mortos a botinadas, deputados estaduais de São Paulo aprovaram uma lei que proíbe a caça do animal e de uma subespécie, o javaporco, em todo o estado. No fim de junho, o governador Márcio França (PSB), surfando na onda de aprovação popular com a qual a lei foi recebida nas redes sociais, anunciou com entusiasmo a sanção da medida. O resultado político, porém, foi equivalente ao do ataque de um javali furioso.

Resultado do cruzamento entre javali e porco, o javaporco é considerado uma praga para a agricultura, por seu tamanho, velocidade de reprodução, voracidade e agressividade. A proibição da caça irritou líderes do setor agrícola, que exerce influência decisiva sobre o eleitorado do interior de São Paulo – região onde vive mais da metade dos 45 milhões de habitantes do estado e é estratégica para as pretensões políticas de França, pré-candidato a governador na eleição de outubro.

“Ele acha que o setor rural não tem voto”, diz João Carlos Leme Ribeiro, um dos diretores do Sindicato Rural de  Bragança Paulista. “Só em Bragança são 40 mil pessoas vivendo na zona rural.” Ribeiro é alarmista: diz que em dois anos a agricultura no estado estará inviabilizada como consequência da proliferação do javaporco. A versão mais aceita pela comunidade de biólogos é a de que o javaporco chegou à América do Sul, importado de países asiáticos por pecuaristas argentinos e uruguaios. A ideia era produzir carne para consumo humano com qualidade próxima à da carne de javali e quantidade similar à suína – com exemplares de animais que pesam entre 100 e 120 quilos.

A empreitada foi um desastre ecológico: sem predadores naturais e carne pouco apetitosa para o paladar do mercado consumidor, os javaporcos passaram a invadir, aos bandos, todos os tipos de plantações, devorando tudo o que viam pela frente. Têm expectativa de até 10 anos de vida e reproduzem-se em ritmo parecido ao de coelhos. A partir do segundo ano, a fêmea do javaporco dá à luz a até 15 filhotes após gestação de apenas 110 dias. Além disso, o javaporco é uma ameaça sanitária para o gado, uma vez que é hospedeiro do carrapato que transmite a febre aftosa.

 

Planejadores da campanha de França admitem que a decisão de proibir a caça causou “certo constrangimento” ao governador. Na avaliação deles, o assunto ainda está restrito a ambientalistas e agricultores, mas existe a preocupação com a perspectiva de o tema ganhar corpo e se converter em polêmica nas redes sociais.Os assessores, no entanto, acreditam que a situação poderá ser contornada com a regulamentação da medida e a divulgação maciça de que a legislação é importante para restringir a caça de animais exóticos em geral.

Segundo o autor da lei aprovada na Assembleia Legislativa, Roberto Tripoli, do Partido Verde, a norma proíbe a caça, mas permite o controle para evitar a superpopulação do animal. A argumentação é que os animais estão sendo massacrados de forma brutal, mas sem efetividade no sentido de reduzir a população de javaporcos, levando-se em conta o aumento do número de cidades que têm registrado ataques a plantações.  

Os agricultores, porém, duvidam da capacidade do estado de resolver o problema. “Como fará? Vai tirar o policial da rua para matar javaporcos? Vai castrar os bichos? Isso custa caro”, questiona Ribeiro.  Ele afirma que, caso a proibição prevaleça, a próxima safra já deverá registrar prejuízos com ataques de javalis. E diz não ter dúvidas de que o abate ilegal se tornará generalizado nas fazendas. “Alguém crê que o agricultor vá ver o bicho estragando sua lavoura e não vá fazer nada?”

Já Sérgio Perrone, da Federação dos Agricultores do Estado de São Paulo, diz que a decisão de França – ex-prefeito da cidade litorânea de São Vicente (SP), onde nasceu – deve-se ao fato de ele não conhecer o meio rural. “O governador não sabia o que estava fazendo, ele é urbano”, afirma Perrone.

O deputado federal Onyx Lorenzoni, do DEM-RS, ligado à campanha presidencial de Jair Bolsonaro,  pronunciou-se na semana passada na Comissão de Agricultura da Câmara Federal sobre os perigos da invasão de javalis e suas subespécies. Ele disse que ao cruzar com o porco podem chegar a 300 quilos e desenvolvem a capacidade de comer carne, incluindo a humana. No Congresso Nacional, a bancada ruralista tem se movimentado para aprovar um projeto de liberação total da caça proposto por Valdir Colatto, do MDB-SC, também pró-Bolsonaro. Para ambientalistas e sociedades protetoras de animais, o projeto levaria à extinção de espécies silvestres, hoje sob proteção do Ibama.

 

Com a questão dos javaporcos levada aos holofotes pela decisão de França, começaram a surgir alguns vídeos nas redes sociais mostrando como esses animais são capazes de saltar muros de até 1,5 metro de altura, o que inviabilizaria qualquer medida no sentido de cercar as plantações. A lei paulista também provocou a emissão da primeira liminar da Justiça sobre o assunto. Sete caçadores de Santa Bárbara D’Oeste (SP)  receberam autorização para caçar javaporcos sem que se submetam ao risco de serem presos ou multados.

Um dos caçadores protegidos pela liminar é o advogado Clodoaldo Alves de Amorim, que liderou o caso na Justiça. Ele diz que caça javaporcos há um ano e “não cobra nada dos agricultores”. Apesar de o grupo residir em Santa Bárbara, as caçadas são realizadas em fazendas nos municípios paulistas de Andradina, Jales e Araçatuba. A caça é feita nos fins de semana à noite. Os animais chegam em bandos de até 50 javaporcos e, numa jornada que os caçadores consideram boa, eles matam até 15 animais – que são enterrados, como prevê a atual regra do Ibama que permite o abate.

Foi justamente com base nesta instrução normativa do Ibama, de 2013, que o juiz Thiago Chicarino permitiu que Clodoaldo e seus amigos continuassem caçando. Ele também questionou o poder do Estado de assumir a atividade de controle populacional. O Ibama prevê que o animal caçado deve ser enterrado ou consumido no local e os caçadores cadastrem o número de animais abatidos.  

No gabinete de Márcio França – em terceiro lugar nas pesquisas, atrás de João Doria (PSDB) e Paulo Skaf (MDB) – a legislação se converteu nas últimas semanas em tema de intensos debates entre ruralistas e ambientalistas. “Neste momento de campanha, tudo fica exacerbado”, diz um assessor do governador. Após o esforço para conter a fúria dos caçadores, a ideia de França agora é sair o mais rápido possível da linha de tiro.

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