Foto: Cris Faga/Dragonfly Press/Folhapress
Um Magnitsky day na Paulista
Anglicismos, trocadilhos e um patriotismo heterodoxo na celebração da Independência
A jovem na faixa dos 20 anos bufou de irritação enquanto sacava o smartphone do bolso para enviar um áudio. “Tá cheio de velho enrolado na bandeira do Brasil, acho que vai ter alguma coisa do Bolsonaro na Paulista”, disse, sem se preocupar de ser ouvida pelo grupo de senhoras ao seu lado – quase todas embrulhadas, de fato, na bandeira nacional.
No metrô, metaleiros trajando roupas pretas, coturnos pesados e correntes prateadas observavam com aspecto blasé as patriotas vibrando conforme se aproximavam da estação Paulista para se juntarem a dezenas de milhares de iguais na avenida mais famosa de São Paulo (o público na rua era formado, majoritariamente, por pessoas com idades entre 50 e 80 anos). Naquele domingo, 7 de Setembro, o ato “Reaja, Brasil” reuniu uma multidão pedindo anistia para Jair Bolsonaro. Desde o dia 2, o ex-presidente está sendo julgado no Supremo Tribunal Federal pela tentativa frustrada de golpe de Estado.
Durante a transferência claustrofóbica entre a Linha Amarela e a Linha Verde do metrô, as senhoras ensaiaram puxar um coro: “Anistia já!”. Mas acabaram tumultuando a saída da escada rolante, pois uma delas não tinha familiaridade com os degraus automáticos e, entretida pela cantoria, causou um pequeno engarrafamento. “Vamos logo, tem gente aqui querendo trabalhar”, gritou um homem, acrescento um grau de constrangimento à cena.
Assim que saíram da estação Consolação, as senhoras se misturaram à maré de pessoas que rumava para um trio elétrico estacionado próximo ao Museu de Arte de São Paulo (Masp). A música tema do ato “Reaja, Brasil” tocava em loop nas caixas de som, destacando-se em meio à cacofonia de um domingo na Avenida Paulista. A manifestação, convocada pelo pastor Silas Malafaia, reuniu aproximadamente 42 mil pessoas, segundo um levantamento feito pelo Monitor do Debate Político do Cebrap em parceria com a ONG More in Common. Foi um dos maiores do ano, perdendo apenas para um ato realizado em abril e convocado pelo próprio ex-presidente, que já pleiteava anistia para si mesmo. Na ocasião, 44 mil bolsonaristas se aglomeraram na Avenida Paulista, segundo o mesmo Monitor.
O 7 de Setembro é a mais patriótica das datas do calendário nacional. Marca o momento em que o Brasil se tornou um país soberano, que não responde a ninguém. A data, em anos recentes, foi apropriada pela extrema direita, que fez do verde e amarelo as cores do bolsonarismo. O ex-presidente sofreu um atentado a faca na véspera do 7 de Setembro de 2018, e todos os anos vai às ruas para animar a claque (este ano foi exceção, já que está em regime de prisão domiciliar, em Brasília).
É curioso, sendo assim, constatar a profusão de bandeiras dos Estados Unidos na Paulista. Alguns manifestantes as vestiam, outros as vendiam. Quem não quisesse assumir o posto de porta-bandeira podia comprar um boné vermelho com os dizeres “Make America Great Again”, o mais conhecido mote e símbolo de Donald Trump. Saía por 70 reais.
Reverências aos Estados Unidos não são exatamente novidade em atos bolsonaristas, mas, dessa vez, o sonho de uma intervenção americana que “salvasse” os brasileiros era um tanto mais palpável. A esperança do pessoal reunido na Paulista era a Lei Magnitsky, um dispositivo legal promulgado em 2012 nos Estados Unidos que permite aplicar sanções econômicas a estrangeiros acusados de corrupção ou violação de direitos humanos. A lei foi aplicada contra o ministro Alexandre de Moraes no final do mês de julho – ao que tudo indica, graças ao lobby de Eduardo Bolsonaro e do youtuber Paulo Figueiredo no Congresso americano. A Magnitsky veio acompanhada de um inclemente tarifaço.
Nada que tire o sono dos patriotas. No ato pela anistia, via-se uma farta oferta de camisetas estampadas com a palavra Magnitsky – que, antes de ser lei, era apenas o sobrenome de um advogado russo que se tornou mártir da luta anticorrupção. Em uma das estampas, uma águia colorida de azul, vermelho e branco carregava uma bandeira do Brasil (para onde?). Acima dela, cravado em letras garrafais, o nome Magnitsky. “Meu amigo que fez essa estampa”, comentou um vendedor, enquanto separava uma camiseta no tamanho requerido por uma cliente.
Referências à Magnitski também estamparam cartazes que arriscavam trocadilhos previsíveis com a palavra “magnífico”. A punição ao STF por uma força estrangeira, aos olhos daquela multidão, era tudo de bom. “É mostrar para o mundo o que está acontecendo aqui no Brasil”, disse Marcos Vinícius, um manifestante de 56 anos, ao explicar o processo criativo por trás do seu cartaz, que dizia assim: “Lost Mané. Make the (STF) Brasil Great Again. What a day Magnitsky.”
Marcos Vinícius é motorista de carretos e compareceu sozinho ao ato. Fez questão de circular por toda extensão da Avenida Paulista segurando o cartaz e parando diversas vezes ao longo do trajeto para ser fotografado por admiradores da obra. Os que reagiam às aparições da Lei Magnitsky ganhavam status de connoisseurs da causa bolsonarista, ou assim pareciam pensar.
Os manifestantes mais envolvidos com a pauta central do ato – anistia aos golpistas, punição aos ministros do STF – ficaram diretamente debaixo dos trios elétricos. Nas franjas da manifestação, havia aqueles que compareceram por toda uma miscelânea de razões que, hoje, não estão na pauta imediata do bolsonarismo, como pleitear o fim das urnas eletrônicas e a implantação de uma contagem pública de votos impressos. Grupos de amigos adornados com bandeiras do Brasil bebiam cerveja, sem muito interesse em ouvir os discursos proferidos nos trios por Malafaia ou pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.
O ponto alto da tarde foi a fala de Michelle Bolsonaro, que relatou estar passando por situações humilhantes com a família desde a prisão domiciliar do marido, decretada em 4 de agosto. As lágrimas da ex-primeira dama, ampliadas nos telões, emocionaram alguns dos presentes, que engajaram em seguida numa oração de Pai Nosso a pedido dela. A reza marcou também o fim da manifestação. Em poucos minutos, as camisetas da Seleção e a bandeiras americanas se diluíram no colorido público dominical da Paulista ao som da versão instrumental de Baile de Favela. O Brasil completou mais um ano de independência.
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