Ilustração: Paula Cardoso
Um novo templo toda semana
Em dez anos, número de igrejas evangélicas subiu 34% na cidade de São Paulo; as católicas cresceram 20%
Todo domingo, o pastor Daniel Santos começa pontualmente às 10 horas o culto semanal da Comunidade Cristã na Zona Leste, na Vila Formosa, bairro de classe média da Zona Leste de São Paulo. Com a pandemia, o culto tornou-se virtual. Além disso, às quartas-feiras os fiéis participam em redes sociais de bate-papos e lives sobre temas diversos, como feminismo, saúde mental, consciência negra e relações familiares. Santos cresceu frequentando igrejas evangélicas, é pastor desde 2008, e diz que a função o escolheu. Inicialmente atuou na Igreja Betesda, tradicional denominação evangélica, na cidade de Lambari, no Sul de Minas Gerais. No ano seguinte, de volta a São Paulo, foi para a unidade da Betesda na Zona Leste. Em 2016, a unidade foi declarada autônoma e Santos tornou-se o líder da nova igreja, que tem um único templo e sobrevive de doações. Ele descreve sua igreja como “progressista” e “mais do que inclusiva, afirmativa” de identidades LGBT.
Entre templos grandiosos e pequenas igrejas, denominações “progressistas” e outras nem tanto, o avanço da fé evangélica modificou a paisagem urbana da capital paulista. O templo evangélico comandado por Santos é só um dos 553 surgidos na cidade nos últimos dez anos – um a cada seis dias. Dados oficiais do IPTU paulistano mostram que, em 2011, havia 1.633 templos evangélicos. Em 2020, já eram 2.186, um aumento de 34%. Durante o mesmo período foram criados 116 templos católicos, um aumento de 20%.
A proliferação dos templos evangélicos não ocorre de modo igual pela cidade. Enquanto o Centro de São Paulo assistiu à construção dos megatemplos de Salomão e da Glória de Deus, ligados à Igreja Universal do Reino de Deus e à Igreja Pentecostal Deus é Amor, respectivamente, nas regiões mais periféricas da cidade espaços religiosos foram se multiplicando em garagens, salões de festa e outros locais de eventos.
A multiplicação de templos na cidade de São Paulo acompanha a expansão da população que se diz evangélica, um fenômeno registrado nas últimas décadas no Brasil. No censo de 1940, católicos representavam 95,2% da população, e evangélicos apenas 2,6%. No censo de 2000, a população católica caiu para 73,9%, enquanto a evangélica aumentou para 15,4%. O movimento continuou: em 2010, os evangélicos representavam 22,2% dos brasileiros, e os católicos tinham caído para 64,6%. Projeção do IBGE estima que é possível que católicos se tornem minoria dentro da próxima década: em 2032 eles serão 38,6% da população brasileira, e 39,8% serão evangélicos.
A partir dos nomes dos templos registrados no cadastro do IPTU, o site de jornalismo de dados Pindograma inferiu, a partir dos nomes, sites e descrições disponibilizadas pelos estabelecimentos religiosos, as denominações de 92,5% das igrejas evangélicas da cidade. Entre essas, as pentecostais são as mais comuns, representando 50,8% do total e com crescimento de 31,4% na última década. Depois, vêm templos batistas, que são 13% do total e tiveram crescimento de 31,1%. Em terceiro lugar, as igrejas presbiterianas: são 8% do total e cresceram 43,2% desde 2011.
Em números absolutos, a expansão dos templos evangélicos na capital paulista não ocorreu de maneira uniforme. Foi mais concentrada na periferia, em distritos afastados do Centro da cidade. Os bairros que ganharam o maior número de templos evangélicos foram bairros mais pobres das regiões Sul (Cidade Ademar, Grajaú, Jardim São Luís, Jardim Ângela, Sacomã, Campo Limpo), Norte (Brasilândia) e Leste (Itaim Paulista, Sapopemba, Vila Matilde). Na Vila Formosa, área de classe média onde o pastor Daniel Santos atua, o templo criado por ele foi o único a surgir entre 2011 e 2020. Agora, há apenas um novo templo a mais em 2020, quando comparamos a 2011. É o 25º do bairro.
A expansão de igrejas aconteceu de maneira parecida entre os católicos. Os maiores crescimentos, em número absoluto, aconteceram em regiões periféricas: Cidade Ademar, Jardim Ângela, Grajaú, Vila Sônia (na Zona Oeste), Capão Redondo e Cidade Dutra (no Sul da cidade), e Sapopemba (na Zona Leste). Os evangélicos, no entanto, cresceram em maior escala.
Proporcionalmente, porém, o maior crescimento percentual de templos evangélicos se deu nas regiões mais centrais. A Liberdade, onde vivem muitos descendentes de japoneses, aparece em primeiro lugar, pois os dois templos evangélicos existentes em 2011 se transformaram em quinze no ano passado (crescimento de 650%). No Belém, também no centro, o crescimento foi de 2 para 11.
Renato Cymbalista, professor de urbanismo da USP e diretor do Instituto Pólis, explica que a lógica de ocupação do território é diferente para cada denominação cristã e que a Igreja Católica tem uma disposição territorial muito mais estável. “A paróquia é uma unidade administrativa, e a sede da paróquia trava uma relação de décadas com a vizinhança”, diz Cymbalista. Enquanto isso, os evangélicos têm mais independência na criação de templos e se dividem entre os que buscam uma expansão através das áreas centrais e os que criam unidades na periferia.
A Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo, é uma das que aumentaram sua presença em áreas centrais. “Ela apostou em lugares de muito fluxo de população, onde as pessoas, passando na rua, olham para a igreja e decidem entrar, decidem ouvir”, explica a antropóloga Paula Montero, do departamento de antropologia da USP. Por outro lado, diz a pesquisadora, “a lógica das periferias exige um investimento muito grande de pessoal e tempo”. É o que fez a Assembleia de Deus, onde igrejas “são criadas por iniciativas geralmente pessoais e individuais, de pessoas que querem ser donas de igreja, em geral ligadas por relações de parentesco”, o que ajuda a explicar a multiplicação de templos. “Essas igrejas têm uma lógica de cissiparidade muito grande, elas sempre se dividem. Chega num certo tamanho, e o pastor que está lá divide e cria uma outra igreja, e assim vai se multiplicando.” Essas igrejas “têm um grande enraizamento nas periferias urbanas”, diz Montero.
O maior exemplo da lógica de ocupar áreas centrais é o Templo de Salomão, da Igreja Universal. Inaugurado em 2014 e localizado no Brás, ele tem 100 mil metros quadrados e capacidade para até 10 mil pessoas. Enquanto isso, a média do tamanho de templos em bairros periféricos como Capão Redondo, Anhanguera e Vila Curuça não passa de 400 m2. Segundo Montero, os templos menores são importantes para a fidelização de novos adeptos. “São menos anônimos, e as pessoas se conhecem. O próprio Templo de Salomão não fideliza as pessoas. Não é um lugar de fidelização, mas de muita circulação de pessoas.”
O templo grandioso é também um lugar relacionado a um projeto político. Segundo Montero, “as catedrais católicas, pela sua própria história, eram coladas ao poder político, o centro da cidade se construiu a partir das edificações católicas. A Igreja Universal não conseguiu, até agora, esse tipo de centralidade [no território], então ela tenta fazer isso pelo tamanho, pela forma, pela visibilidade monumental, pela ostentação”. Para o professor Renato Cymbalista, a construção de templos grandiosos chega a gerar mudanças no transporte público e privado, e pode afetar os direitos de vizinhança e o planejamento da cidade. Montero completa: “A edificação, o parlamento e o público trabalham numa dinâmica triangular: quanto mais você dinamiza o público, mais você consegue força no parlamento, e mais se tem recursos para criar edificações legítimas. Mais legitimidade atrai mais público, e uma dinâmica alimenta a outra.”
A partir de sua experiência de treze anos como pastor, Daniel Santos aponta diferentes motivações para o crescimento das igrejas evangélicas: a teologia da prosperidade, por exemplo, diz que a fé e as doações se multiplicarão em mais riqueza material e ascensão social. Outras pessoas aproximam-se da fé após enfrentarem dificuldades e crises. Há ainda os “não praticantes”, um fenômeno novo, anteriormente associado ao catolicismo: fiéis que não frequentam a igreja, mas denominam-se evangélicos. “Há igrejas dentro de comunidades, de favelas. E por mais que essa igreja tenha um discurso fundamentalista, uma cosmovisão limitada, uma relação com a política até muito ruim, essas igrejas ainda promovem muita coisa boa. Podem promover, inclusive, a dignidade de muita gente… É uma identificação muito positiva, e uma devolução, de certo modo, da dignidade dessa pessoa. Há toda uma rede de apoio, é uma rede de ajuda, de socorro.”
O pastor, no entanto, vê o crescimento de fiéis com certa ambiguidade. “Ao meu ver, seria de se esperar que quanto mais pessoas existissem no Brasil, por exemplo, mais justiça social nós teríamos, mais solidariedade, mais movimentos sociais se organizando. Não vejo, infelizmente, um crescimento qualitativo nesse aumento numérico.”
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