Um verdadeiro falso Shakespeare
As hipóteses que começaram a ser levantadas, a partir do século XIX, em torno da real autoria das peças de Shakespeare, prosperaram bastante na primeira metade do século XX, quando vários candidatos foram aventados como possíveis autores “verdadeiros” da obra do famoso dramaturgo inglês. Essas versões têm o defeito de todas as teorias conspiratórias, ? sobretudo aquelas surgidas vários séculos após a morte dos envolvidos, ? mas chegaram a convencer muita gente, e até mesmo pessoas da estatura intelectual de um Sigmund Freud.
Por que foram tão bem sucedidas?
As hipóteses que começaram a ser levantadas, a partir do século XIX, em torno da real autoria das peças de Shakespeare, prosperaram bastante na primeira metade do século XX, quando vários candidatos foram aventados como possíveis autores “verdadeiros” da obra do famoso dramaturgo inglês. Essas versões têm o defeito de todas as teorias conspiratórias, ? sobretudo aquelas surgidas vários séculos após a morte dos envolvidos, ? mas chegaram a convencer muita gente, e até mesmo pessoas da estatura intelectual de um Sigmund Freud.
Por que foram tão bem sucedidas?
Ninguém nega que Shakespeare tenha existido e tenha sido um ator muito conhecido em seu tempo, mas teria apenas emprestado seu nome para um nobre inglês, com uma posição social tão elevada que não poderia assumir publicamente a autoria de peças de teatro. Esse aristocrata teria, portanto, usado Shakespeare como “identidade secreta”, para ter o prazer de ver suas obras encenadas, o que certamente não teria incomodado o ator, que com isso aumentava consideravelmente o seu prestígio e sua fama.
Reconsideradas hoje, a formação e a experiência de Shakespeare parecem de fato pouco consistentes com a extensão do vocabulário e o conhecimento de história e geografia que suas peças demonstram. Contudo, esses e outros argumentos têm sido constantemente desmontados, com especial vigor nesses últimos anos, em que os maiores especialistas vivos de Shakespeare se dedicaram a provar as falhas dessas teorias.
O ponto menos explicável, no entanto, é o fato de que sobram apenas seis assinaturas do ator Shakespeare, três das quais num mesmo documento, o seu testamento. Nada de se estranhar, pois de vários outros de seus contemporâneos sobreviveram ainda menos rastros. Mas como explicar que a ortografia de seu nome mude de assinatura em assinatura, ? até quando constam num mesmo documento ? e sua letra, que parece insegura, varie em todas elas além do que era comum, ? características inequívocas de pessoas pouco letradas da época e que só assinavam muito raramente? Isso parece totalmente incompatível com a suposta facilidade e segurança em sua própria letra e assinatura que deveria manifestar o maior escritor da língua inglesa…
Não há ainda explicação para esta questão, que tem sido tratada de forma superficial até mesmo pelos grandes especialistas mais recentes, talvez por ser justamente o argumento mais contundente dos revisionistas.
O documento reproduzido nesta página surgiu no final do século XVIII, quando ninguém ainda duvidava da identidade de Shakespeare. Aproveitando a inexistência de seus manuscritos, um jovem de dezessete anos, William Henry Ireland, filho de um apaixonado por Shakespeare, resolveu encantá-lo com o que lhe pareceu um “pecadinho”: adicionar uma assinatura falsa num documento antigo. Assim, Ireland deu para seu pai em 1794, um documento “assinado” por Shakespeare, no que explicou mais tarde ter sido um ato de amor filial para atender a um sonho de toda a vida de seu pai. Um ano depois, criou um retrato sobre papel também para agradar o pai, mas o desenho de traços infantis não convenceu. Só quando Ireland apresentou uma carta forjada por ele como “prova” de autenticidade, o desenho passou a ser valorizado. Ireland decidiu então falsificar em larga escala cartas e manuscritos do grande escritor, inventando uma letra compatível com as poucas assinaturas conhecidas.
A descoberta dessas cartas desconhecidas e até então “perdidas” causou sensação e convenceu muitos dos escritores e pesquisadores da época.
Esses falsos, ? que chegaram a ser reproduzidos em vários livros, ? poderiam ter levado ainda muitos anos para serem denunciados, não fosse a incrível ousadia de Ireland, que, em vista de seus inesperados primeiros sucessos, decidiu compor uma nova tragédia desconhecida de Shakespeare, cujo manuscrito alegou ter também recém-encontrado. Foi a partir desse momento que as evidentes fraquezas do texto da suposta peça redescoberta abalaram a confiança de quase todos os que haviam inicialmente acreditado no jovem falsário, que acabou confessando ter forjado tudo.
A carta reproduzida nesta página é talvez o primeiro dos raros “originais falsos” de Ireland a ter sobrevivido, e é justamente a carta que compôs para autenticar o retrato com que presenteou seu pai.
A carta, assinada “Wm. Shakespeare” diz:
“Tendo sempre apreciado muito sua agradável e espirituosa personalidade, cuja companhia muito estimo, resolvo mandar o retrato incluso. Não suponho que você o reconhecerá facilmente, mas espero que não destoe numa mesa de cabeças cortadas”.
Apesar de evidentemente falso, ? como original de Shakespeare, ? este documento é verdadeiro, como original de Ireland, ? talvez o mais famoso falsificador literário de todos os tempos. A esse título é hoje uma peça cobiçada por muitos colecionadores e até mesmo museus e bibliotecas em todo o mundo.
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