“Vincere” no reduto da inteligência
“Apesar de não possuir [ inteligência ] no grau que me conviria”, faço tentativas ocasionais de ler o que a Revista Cinética publica.
A citação acima é de Paulo Emílio Salles Gomes, no artigo “Gosto pela inteligência” (Suplemento Literário, “O Estado de S. Paulo”, março de 1963), a que faço referência no comentário sobre “Vincere” publicado na piauí_48, que chega hoje nas bancas.
“Apesar de não possuir [ inteligência ] no grau que me conviria”, faço tentativas ocasionais de ler o que a Revista Cinética publica.
A citação acima é de Paulo Emílio Salles Gomes, no artigo “Gosto pela inteligência” (Suplemento Literário, “O Estado de S. Paulo”, março de 1963), a que faço referência no comentário sobre “Vincere” publicado na piauí_48, que chega hoje nas bancas.
Conhecido reduto da inteligência, a “Cinética” abriga colaboradores que costumam pecar por excesso de habilidade mental, embora não sejam pedantes, nem desaforados, como Paulo Emílio escreveu no artigo citado sobre o “Cahiers du Cinéma” e o “Positif”. Mas, por habitarem ilha frequentada apenas por superdotados, os cinéticos, além de inteligentes, muitas vezes são incompreensíveis.
“Cinética” dedicou três comentários inteligentes a “Vincere”, dirigido por Marco Bellocchio. Um, ainda em 2009, de Fábio Andrade. Outros dois, mais recentes, de Paulo Santos Lima e Cléber Eduardo (clique aqui para ler). Nesse último, relevando algumas passagens obscuras, há uma afirmação contundente, que abre um campo de reflexão necessário para cineastas e espectadores brasileiros:
“Pela incapacidade da maioria, ou pela falta de desejo de quase todos os diretores e roteiristas, um filme como esse [ “Vincere” ] não foi nos últimos anos (e dificilmente será nos próximos) feito no Brasil. […] um filme com a mesma frontalidade de enfoque, que parte de figuras existentes e situações nebulosas para, sem almejar um rigor comprovatório, tomar um partido e assumir uma posição sem pedidos de licença. Não estamos diante de “Zuzu Angel”, “Olga”, “Lula” “Cazuza”, essas imagens do elogio a vítimas e vencedores, mas por dentro dos esqueletos de um armário de zumbis. É o que faz Bellocchio com Mussollini, com o fascismo, com a Itália dos anos 10 aos 30: encara-os de frente e por dentro, não para preservar memórias e democratizar informações (duas pragas entre nós), mas para mobilizar olhares e pensamentos.
[…] Trata-se menos de cinemas capazes ou incapazes e mais da ausência entre nós de um cineasta como Bellocchio, com seu talento e com sua coragem, embora também com a possibilidade de exercitar-se no set com constância. Não temos um Bellocchio, mas eles também só têm um – e, mesmo se levando em conta Nanni Moretti, esse Bellocchio anda sozinho por lá. O importante é que continue a andar.”
Com argúcia, Cléber Eduardo assinala fato inquestionável. Mas, ao identificar as razões que levam à inexistência no Brasil de um filme com “Vincere”, recai em explicações psicologizantes como “incapacidade”, falta de “desejo”, “talento” e “coragem”. Vindo de um crítico tão inteligente, seria de esperar diagnóstico mais perspicaz.
A raiz da questão é tangenciada quando Cléber Eduardo menciona a dificuldade existente entre nós do cineasta “exercitar-se no set com constância”. Além disso, não seria o caso de pensar na má influência da dramaturgia televisiva, no mimetismo de modelos considerados comerciais, no vicioso mecanismo de financiamento da produção, etc. ?
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A linha de raciocínio de Cléber Eduardo corre o risco de levar a uma teoria da falta de aptidão inata do brasileiro para o cinema. Algo parecido com a suposta vocação essencialmente agrícola do Brasil, atribuida durante séculos ao País pela classes conservadoras. Pressuposto desconcertante ao ser encontrado na ilha de inteligência habitada por “Cinética”.