Paródias bem-humoradas ajudaram a propagar os cartazes da campanha do Não à revogação do mandato da prefeita de Lima, Susana Villarán
Napoleão em Lima
A nova vitória eleitoral e as polêmicas peruanas do franco-argentino Luis Favre
Claudia Antunes | Edição 79, Abril 2013
Luis Favre tem um fraco por Napoleão Bonaparte. No dia 16 de março, um sábado, o consultor político, ex-dirigente da Quarta Internacional trotskista e ex-marido da petista Marta Suplicy, postou no Twitter: Claude Maurice, demain tu verras le soleil d’Austerlitz. A provocação, remetendo à batalha vencida em 1805 pelo imperador francês, era dirigida a Mauricio Mulder, deputado peruano que nas semanas anteriores acusara Favre de usar identidade falsa, trabalhar ilegalmente no Peru e ser um agente de empresas brasileiras. Mulder, que tem ascendência suíça e de fato se chama Claude Maurice, respondeu na mesma língua: Et toi ton Waterloo – referindo-se à queda de Napoleão.
No dia seguinte, deu Austerlitz. A prefeita de Lima, Susana Villarán, sobreviveu por 51% a 49% a um referendo convocado para revogar seu mandato (há quatro meses, quase 70% dos limenhos diziam querer vê-la pelas costas). Mulder e o ex-presidente Alan García estavam entre os defensores do Sim à saída antecipada da prefeita. Os dois pertencem à Aliança Popular Revolucionária Americana, Apra, o mais antigo partido peruano, que anda num viés de baixa – sua bancada no Congresso encolheu de 36 para 4 deputados nas eleições nacionais de 2011. Ambos são inimigos figadais do presidente Ollanta Humala, que, como Susana agora, teve Favre como marqueteiro de campanha.
Nas duas vezes, o franco-argentino adaptou a fórmula do “Lula paz e amor” de 2002.
Não é só pela presença de Favre que a disputa em Lima pode ser observada como um espelho da política brasileira. Susana Villarán vem da esquerda católica. Em 2010, elegeu-se pela sigla nanica Força Social, com apenas 38 mil votos de vantagem sobre Lourdes Flores, do Partido Popular Cristão, de centro-direita. A revista The Economist e o jornal espanhol El País publicaram reportagens elogiosas a Susana, e tanto o escritor Mario Vargas Llosa quanto os dois diminutos partidos comunistas peruanos disseram Não à sua destituição.
Apesar dessa frente amplíssima, a prefeita nunca conquistou de fato a capital, onde mora um terço dos 29 milhões de peruanos. Seu governo chegou a ter apenas 13% de aprovação. Susana tem ideias sobre uma “nova política” que remetem à Rede Sustentabilidade, o partido-ONG de Marina Silva.“Sua gestão era mal avaliada não só pela pregação dos oposicionistas, mas pela ausência de uma política de comunicação que mostrasse sua atuação e pelo isolamento político, fruto de uma incompreensão, segundo explicou [a própria] Susana, do que significa construir uma governabilidade que dê sustentação à ação municipal”, disse Favre, diplomaticamente.
Traduzindo: Susana ignorou os demais partidos que apoiaram sua eleição e ficou sem base no Legislativo local. Além disso, gastava pouco com propaganda. O oposto do que fazia seu popular antecessor, Luis Castañeda, que, notabilizado por grandes obras e por acusações de corrupção, é uma espécie de versão peruana de Paulo Maluf.
Castañeda foi o promotor oculto do referendo. Ele esperava que, com Susana derrotada, fosse voltar facilmente ao cargo em eleições suplementares, sem ter que esperar o fim do atual mandato, em 2014. Seu agente na coleta de assinaturas para a convocação da consulta foi o advogado Marco Túlio Gutiérrez, um xará perfeito de Marco Feliciano, o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara. Duas frases da lavra de Gutiérrez: “As mulheres sempre começam dizendo não e terminam dizendo sim”, “Não sou homofóbico, sou maricofóbico.”
O acúmulo de declarações desse tipo foi um dos fatores que reverteram a desvantagem inicial de Susana. Gutiérrez se tornou tão inconveniente que Castañeda cogitou tirá-lo de cena com um “ceviche inoculado com bactérias”. Outros ingredientes, menos letais, também favoreceram a prefeita: o apoio da ex-rival Lourdes Flores e o tom otimista da propaganda do Não, que deu ênfase a personalidades contrárias ao seu afastamento – entre elas a boxeadora Kina Malpartida, a atriz de telenovelas Mónica Sánchez e o atacante Paolo Guerrero, do Corinthians.
No início de fevereiro, essas celebridades apareceram dizendo Não em outdoors e comerciais de tevê. Paródias dos cartazes viraram febre nas redes sociais. Foi o início do que a imprensa peruana denominou “etapa Favre” da campanha, e também dos piores ataques ao marqueteiro, chamado, inclusive, de “serial killer matrimonial”. Gutiérrez criou o neologismo “favrecado”, atribuindo-lhe maquinações sinistras. Mauricio Mulder, sem mostrar provas, afirmou que ele era pago pela construtora brasileira OAS, responsável pela maior obra viária de Lima.
A essa acusação, Favre deu uma resposta-padrão: as empresas brasileiras já estavam no Peru antes de suas campanhas, e ampliaram seus negócios nos governos anteriores, incluindo o de Alan García. O Brasil é o sexto maior investidor no país, com companhias que incluem Odebrecht, Vale e Petrobras. Seus adversários não costumam estar no palácio presidencial, mas em grupos indígenas e ambientalistas contrários à exploração intensiva de recursos como o gás e o cobre. Favre e o comando da campanha do Não dizem que ele foi contratado pela FX Comunicação Global, empresa do petista Valdemir Garreta. A FX, segundo os aliados de Susana, recebeu 150 mil dólares pela assessoria.
Favre conhece o Peru desde que andou por lá em missão da Quarta Internacional, nos anos 70. Sua proximidade de Humala criou controvérsia quando aliados à esquerda do presidente nacionalista, antes identificado com o chavismo, o acusaram de ter influência excessiva no governo. O consultor, hoje com 63 anos, alega que atualmente só tem com Humala uma relação de amizade. Mas não renega a possibilidade de assessorar uma eventual candidatura à Presidência da primeira-dama, a jovem e bela Nadine Heredia (a reeleição imediata para o cargo é proibida no Peru).
À parte as mensagens no Twitter, Favre não falou durante a campanha do referendo. Depois, anunciou que se defenderia das “calúnias e mentiras”. No domingo seguinte ao da votação, três jornais peruanos publicaram entrevistas com ele, que também gravou para um programa de tevê, Cuarto Poder. O marqueteiro mostrou aos jornalistas o passaporte francês, com o pseudônimo que adotou durante a ditadura argentina incorporado a seu nome – Felipe Belisario Wermus dit Luis Favre. Foi então que voltou a citar o imperador que liderou o golpe de 1799 e consolidou o poder da burguesia francesa. Segundo Favre, os promotores do Sim erraram ao tentar colocá-lo no centro da campanha. “No marketing eleitoral, penso, como dizia Napoleão, que se o adversário comete um erro não temos que avisá-lo.”
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