ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2013
Só mãe judia resolve
Aberta temporada de caça ao piolho em Nova York
Tania Menai | Edição 84, Setembro 2013
Mês de setembro, início do ano letivo no hemisfério norte. Está oficialmente aberta a temporada de infestação de piolhos nas escolas de Nova York. Os alunos voltam de férias com mochila nova, aventuras para contar e hóspedes no couro cabeludo. Como cada piolho coloca em média seis ovos por dia, ou 180 por mês, não demora muito a começar o coça-coça, seguido do desespero dos pais: aluno com piolho é aluno em casa.
Há xampus e pentes-finos que prometem maravilhas. Mas quando nada resolve e o bicho pega, o jeito é apelar para as caçadoras de piolho, um exército de judias ortodoxas espalhadas por diversos bairros do Brooklyn. Conhecidas como as lice Ladies (lice, piolhos em inglês), elas se tornaram celebridades no ramo, atendendo em escolas e em domicílio.
Como cada uma das ortodoxas é mãe, em média, de sete filhos, seria fácil imaginar que elas se tornaram especialistas praticando no playground capilar das próprias proles. Mas o caso é justamente o oposto: as cabeças das crianças das escolas judaicas de Nova York são examinadas pelas lice Ladies uma vez por mês, enquanto as escolas particulares seculares e as públicas fazem a checagem – contratando as mesmas mulheres – apenas três vezes por ano, em janeiro, abril e setembro.
A clientela independe de origem ou religião. Afinal, piolhos não têm fronteiras, muito menos preconceito. “Há poucas semanas, recebi um menino palestino, nascido em Gaza. Aqui dentro tudo é paz”, conta Susan Sherman, de 47 anos, nove filhos de 8 a 26 anos e cinco netos. Ela é a proprietária da LiceBGoners, empresa que funciona de oito da manhã às onze da noite em uma sala de sua casa no Borough Park, uma das maiores comunidades ortodoxas fora de Israel, com quase 100 mil pessoas.
O ambiente lembra um salão de beleza humilde, com duas cadeiras, espelho, uma pilha de toalhas, duas luminárias sobre a penteadeira, uma pia e um pente de aço, redondo no topo e com dentes quase grudados, que faz milagres. Ela ainda prepara uma poção mágica que inclui condicionador, bicarbonato de sódio, vinagre e antisséptico bucal de menta. “Este líquido é ácido, então amacia os ovos. Meu foco é retirá-los, já que os piolhos eu tiro de qualquer forma”, explica Susan. Nas paredes do salão, não há fotos de cabelos sedosos e macios, e sim atraentes ilustrações do famigerado inseto.
Susan, sempre protegida por uma peruca, tradição entre as ortodoxas casadas (a dela é de cabelos lisos castanho-claros), nunca pegou piolho. Sua carreira começou há mais de vinte anos com trabalho voluntário, como o da maioria das ladies. Mas o talento notório a levou a abrir um negócio próprio há seis anos. Ela cobra 90 dólares a hora e garante que em cinquenta minutos de trabalho não deixa nem uma lêndea para contar a história. Se uma criança aparece infestada, a família toda tem de ser examinada. As consultas domiciliares começam a 200 dólares por cabeça, dependendo do endereço do freguês. Susan ainda conta com vinte mulheres freelancers de sua comunidade, às quais recorre quando está sobrecarregada.
E dá-lhe a contar causos, como o da mãe que, sem dó, borrifou inseticida na cabeça do filho; ou o do pai que levou a mulher e duas filhas, passou duas horas reclamando do preço e, ao ser checado, descobriu que a bicharada fazia piquenique nos vinte fios que lhe restavam acima da nuca. Susan garante que o episódio hors-concours foi o de uma indiana de 22 anos que chegou com o couro cabeludo em carne viva e todos os fios de cabelo – que vão até o joelho – revestidos por lêndeas. “Passei dezesseis horas trabalhando com a ajuda de duas funcionárias. A garota só chorava.”
O trabalho das lice Ladies nas escolas é respeitadíssimo. Trabalhando em equipe, elas examinam centenas de cabeças por dia. O preço de atacado é 4 dólares por checagem. Quem tiver piolho é mandado para casa. E, depois das revistas, o telefone das caçadoras não para de tocar.
A carioca Fabiana Esteves, mãe de Cecília, de 8 anos, estudante de uma escola pública para crianças com desempenho acima da média, já recorreu ao serviço duas vezes. Ela procurou Abgail Rosenfeld, uma das concorrentes de Susan, que em seu website anuncia filiais na Califórnia e em Israel. “Ao voltarmos de férias da França, os piolhos vieram junto”, conta Fabiana, que também teve a cabeça examinada e ainda levou a babá, ambas com diagnóstico negativo. Abgail, que trabalha na copa de casa, orquestra um time de noras. A checagem custou 20 dólares por cabeça, mas na hora da limpeza, pela qual Abgail cobra 250 dólares, Fabiana desistiu. Ela mesma deu uma faxina na cabeça da filha – com sucesso.
O Pediculus humanus capitis, nome científico do bicho, está por aí há milênios. Conta-se que Heródoto, o historiador grego, já dizia que “os sacerdotes egípcios raspavam seus corpos todos a cada dois dias para se protegerem de piolhos, ou qualquer outra coisa igualmente desagradável, enquanto eles cumpriam seus deveres religiosos”.
Apesar da má fama, o francês Michel Cohen, um dos pediatras mais conhecidos em Nova York, escreve em seu livro The New Basics que a peste “não chega a ser das piores”. Ele acalma os pais que sofrem de culpa afirmando que o piolho é democrático: “Qualquer pessoa que tem cabelo é vulnerável, independentemente de higiene ou tipo de fio.” O bicho não voa nem sobrevive mais de 48 horas sem se alimentar de sangue.
Prático, Cohen sugere aos pais que tosem a cabeça da cria, à moda militar. “O estilo do corte não mata a peste, mas facilita a vida de quem a procura.” Mas é Susan quem revela o segredo para manter o tinhoso longe: “Cozinhe com bastante alho. Os bichos não chegam perto.”