Onde medram os espinheiros
Clarissa Matheus, candidata a vereadora no Rio, estréia na política seguindo o caminho de Rosinha e Garotinho e abrindo mão "de muita coisa para ajudar as pessoas"
Raquel Freire Zangrandi | Edição 24, Setembro 2008
“Bom dia, eu sou a Clarissa, filha do Garotinho e da Rosinha, e estou começando nessa batalha. Me dá uma força nessa luta. Tamo junto?” Era um sábado e Clarissa Matheus, de 26 anos, se apresentava aos passantes no centro do Rio. Era seguida por dez assistentes, incluindo a assessora de imprensa, a fotógrafa e a cinegrafista. Convidada a falar na rádio Saara, transmitida nos alto-falantes das vielas do imenso mercado popular, ela lembrou as obras feitas pelo pai e se despediu dos ouvintes com “um beijo no coração”.
A cidade do Rio de Janeiro tem 1 246 candidatos a 51 vagas de vereador. É uma disputa acirrada, com 24 inscritos por vaga, bem acima da média nacional, de sete para um. Sem 20 mil votos, no mínimo, ninguém adquire o direito de se sentar em uma das poltronas do Palácio Pedro Ernesto, conhecido como Gaiola das Loucas. Uma vereadora da cidade calcula que uma campanha vitoriosa não saia por menos de 700 mil reais. A variação depende do empenho do partido ao qual o candidato está filiado. Clarissa Matheus disputa o cargo pelo PMDB, presidido no Rio por seu pai.
Um candidato a vereador típico, em termos de meios materiais para se fazer conhecido pelo eleitorado, é o ex-deputado federal paraense João Batista Araújo, do Partido Socialismo e Liberdade, o PSOL. Professor de engenharia mecânica, com pós-graduação no Instituto de Tecnologia da Aeronáutica, Araújo conseguiu notoriedade quando foi expulso do Partido dos Trabalhadores com o grupo de Heloísa Helena. Seu apelido de Babá e os longos cabelos chamavam a atenção.
A fim de se eleger vereador no Rio, para onde transferiu seu título de eleitor, Babá conta com seu próprio Fiat Palio, que lhe serve de carro de som, alguns militantes do PSOL, um punhado de correligionários e cinco segundos do tempo do partido na televisão. Outro dia, lá estava ele, no Largo da Carioca, distribuindo panfletos com quatro gatos pingados.
Já Clarissa avisa que sua campanha começa “pequena”, mas deve crescer muito na reta final. Por pequena, entenda-se: quatro comitês, sete carros de som, uma Kombi para transporte de material, catorze coordenadores de campanha, um número não declarado de contratados para panfletagem, quinze segundos na televisão, e uma festa de lançamento da candidatura na sede da Associação Brasileira de Imprensa à qual compareceram 1 500 pessoas. O patrimônio declarado por Clarissa à Justiça Eleitoral é de 118 mil reais. O de Babá, 15 mil.
Numa quarta-feira, Clarissa cumpria sua agenda no subúrbio de Campo Grande. Um assistente da campanha bateu palmas na calçada de uma casa: “Bom dia, senhora. Como é o seu nome? Gostaria de falar com a Clarissa, filha do Garotinho? Clarissa, vem cá! Dona Edilene quer te conhecer.” A candidata correu para o portão da casa e disse: “Oi, dona Edilene. Eu sou candidata a vereadora. Sou filha da Rosinha e do Garotinho. Meu pai reforçou o abastecimento de água aqui do bairro. Agora eu quero continuar nessa luta e preciso da sua ajuda.” Pouco depois, passou por um rapaz na calçada e lhe entregou um panfleto: “Eu sou jovem como você. Me dá essa chance de renovar a política. Entra no meu site e me adiciona no seu Orkut.”
Clarissa Matheus estudou jornalismo, fez estágios na Confederação Brasileira de Futebol e no programa Planeta Xuxa e foi apresentadora de rádio. Aos 19 anos, já coordenava as campanhas de seus pais no interior do estado. Evangélica, diz que não mistura fé com política. Nascida em uma família que vive da política, ela sempre repete que poderia ter escolhido qualquer profissão, mas fez a opção mais difícil: “Sigo o caminho de meus pais, abro mão de muita coisa na vida para ajudar as pessoas.”
O restaurante popular do Maracanã serve 3 200 almoços por dia, a 1 real. Foi implantado no governo de Rosinha Matheus. Clarissa puxava conversa na fila do restaurante e um senhor perguntou-lhe: “Você é cristã? Então por que vai mexer com política? Você vai perder a sua salvação.” Ela respondeu com uma parábola: “No reino das árvores, as de linhagem mais nobre foram convidadas para reinar sobre as outras, mas nenhuma aceitou. Então veio o espinheiro e tomou esse lugar.” Clarissa explica a ele que entrará na política justamente por isso: para não deixar os espinheiros prosperarem.
No centro da cidade, um rapaz bem vestido lhe perguntou: “Cadê aqueles milhões que seu pai desviou, que eu li no jornal?” E ela respondeu: “Meu pai não enriqueceu com a política. Quem o acusa é que tem de apresentar as provas. Tenho a obrigação de defender meus pais.” Noutra ocasião, em Marechal Hermes, a candidata comparou Garotinho e Rosinha a Getúlio Vargas, que também “trabalhou pelo povo e foi perseguido”. Seus pais respondem a processos distintos por improbidade administrativa e corrupção.
Ao se dirigir a uma reunião em Ipanema, demonstrou apreensão: é alta a rejeição a seus pais na Zona Sul. Ao contrário de outros encontros, nos quais evocou em primeiro lugar o nome dos pais, em Ipanema teve o cuidado de omiti-los: “Sou filha de duas pessoas que administraram o estado.” Saiu-se bem, mas só havia trinta pessoas, além de uma mesa de bufê e dois copeiros.
Uma senhora evangélica chamou Clarissa na rua e pediu um autógrafo. Ela é ouvinte de Garotinho na rádio Manchete. O programa tem boa audiên-cia e distribui brindes e eletrodomésticos. É daí que vem grande parte dos voluntários a serviço da campanha da filha do apresentador. É o que Clarissa chama de “frente de campanha”. Seus integrantes pegam uma pasta com material promocional em algum comitê e se comprometem a cadastrar vinte pessoas que estejam dispostas a votar nela. O objetivo é distribuir mil pastas e cadastrar 20 mil votantes. Sua meta é conquistar mil eleitores por dia. Clarissa é esperta e trabalha duro para atingir esse fim.
Quando lhe foi perguntado o custo estimado de sua campanha, Clarissa Matheus respondeu que não tem a menor idéia.
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