Mulher Filé dá capilé a repórter nerd
Com bom humor, sensacionalismo, invenções e vulgaridade, o Meia Hora resiste às Organizações Globo no Rio
Roberto Kaz | Edição 28, Janeiro 2009
Naquela manhã de outubro, só havia um assunto nas redações das revistas de fofocas, nos estúdios de gravação de novelas e na Dias Ferreira, a rua do Leblon frequentada por celebridades: depois de tomar um tabefe do ator Dado Dolabella numa boate, a modelo Luana Piovani resolvera terminar o namoro com ele.
A notícia já havia sido divulgada em blogs e sites na noite anterior, mas para o Meia Hora, o tablóide carioca que vive de manchetes bem-humoradas e abordagens inusitadas, ainda era a melhor opção para a primeira página do dia seguinte. “Tenho que perfumar as notícias todos os dias”, disse o editor-executivo Henrique Freitas. Era preciso bolar um título que, além de requentar a fofoca, fosse intrigante e fizesse os leitores rirem. A resposta veio em uma mensagem enviada por um dos editores, Humberto Tziolas, que havia passado a noite em claro pensando em uma saída. “Genial. Vou manchetar isso”, disse Freitas ao abrir sua caixa de e-mails. O “isso” em questão era: “Luana não tem mais Dado em casa.”
O que parecia uma solução simples – e genial – deu origem a uma intrincada charada visual. “Como a nossa manchete é sempre em caixa alta”, disse Freitas dias depois, usando a expressão que designa as letras maiúsculas, “as pessoas leriam o verbo dar antes do nome Dado, o que poderia ficar pesado.” Para atenuar a grosseria – e evitar um possível processo – resolveu abrir uma exceção: faria o título em letra minúscula, para que “Dado” pudesse ser lido como nome próprio. O problema, porém, continuava: nem todos entenderiam a piada.
Freitas se lembrou então de uma manchete que vira décadas antes, na primeira encarnação do jornal O Povo, que dizia: “O sonho da casa própria.” No lugar da palavra “casa”, havia o desenho de uma casa. “É isso”, concluiu. No dia seguinte, a manchete do Meia Hora provocava risos nas bancas cariocas: “Depois da briga e da separação. Luana não tem mais [foto de Dado] em casa.”
Lançado em setembro de 2005 com uma tiragem de 50 mil exemplares, o Meia Hora se destacou pelo baixo preço (50 centavos), pela linguagem popularesca – e às vezes francamente vulgar – e pelas manchetes que, independentemente do conteúdo, pendiam para a pilhéria. Calcado no quarteto crime-futebol-mulher-celebridade, dobrou a circulação já no terceiro mês. Atualmente, com tiragem de 230 mil exemplares diários, é o terceiro jornal mais vendido do Rio, atrás do Extra e de O Globo – que contam com a estrutura financeira e de circulação das Organizações Globo, além da propaganda gratuita nas rádios e TVs do grupo no Rio. “Tem dias que chegamos a ficar em primeiro”, contou Henrique Freitas.
“E olha que quase não fazemos promoção. A cereja do nosso bolo é a manchete.”
Quando Ronaldo Fenômeno trocou o futebol carioca pelo paulista, a chamada do Meia Hora foi: “Ronaldo mete bola nas costas do Mengão e fecha com o Corinthians.” Quando Fábio Assunção abandonou a novela das seis para se tratar do vício em drogas, leu-se que o ator daria “um tempo na carreira”. A morte do ex-policial militar Marcelo Silva, ex-marido de Suzana Vieira, devido a uma dose excessiva de cocaína, foi apresentada assim: “Do pó viestes, pelo pó passastes, ao pó retornarás.”
Entre os redatores do jornal, cocaína vira invariavelmente “pó”, tiro é “pipoco”, facção criminosa é “bonde sinistrão”. A polícia, quando invade, “dá sacode”; quando atira, “larga o dedo”; quando prende, “mete em cana”. Bandido escondido “tá malocado”, bandido vivo “toca o terror”, bandido morto “levou ferro”. Ladrão de galinha é “safado” e estuprador é “monstro”. Cadeia fica melhor como “tranca”, “jaula” e “xilindró”. O exterior é “no estrangeiro”. Mulher bonita recebe diversas caracterizações, em boa parte frutais: morango, melancia, jaca.
Alcunhas de criminosos cariocas também são exploradas. O bandido Digato morreu “miando”, Skol da Rocinha desceu “redondo pro inferno” e Batman, “o bandido morcego da milícia”, fugiu voando de Bangu 8. “Uma vez a polícia pegou um traficante chamado John Lennon. A notícia nem era tão importante, mas publicamos só pela graça de dizer que a PM tinha prendido o John Lennon”, contou a subeditora Joana Ribeiro, em sua mesa enfeitada com uma imagem do dragão de São Jorge. Foi o mesmo pensamento que norteou a notícia “Anões dão show de bola. Fugiram da mesa de totó”, para celebrar o sucesso de um time de jogadores de baixa estatura de Belém, no Pará.
No Meia Hora, a crise mundial, as eleições americanas e a invasão do Iraque são assuntos secundários. “É uma coisa muito longe da vida do nosso leitor”, explicou Henrique Freitas. No panorama internacional, a exceção foi o enforcamento de Saddam Hussein, noticiada com o título “Saddam morre com a corda no pescoço”. Não houve espaço na primeira página para a vitória de Barack Obama e (incompreensivelmente) nem para a sapatada do repórter iraquiano no presidente George W. Bush. Perguntado sobre qual seria a manchete do jornal, se num mesmo dia houvesse um ataque terrorista, nos moldes do 11 de Setembro, e uma chacina no Rio de Janeiro, Henrique Freitas respondeu: “Provavelmente daria uma capa dupla.”
O Meia Hora pertence ao grupo O Dia, do qual fazem parte o jornal de mesmo nome, uma rádio FM, um portal na internet, uma agência de notícias e o Instituto Ary Carvalho. Em 1983, Ary Carvalho, que havia dirigido as redações do Última Hora no Rio e em São Paulo, e do Zero Hora em Porto Alegre, comprou o diário, de forma e conteúdo sensacionalistas. Coube a ele mudar o projeto gráfico e editorial para disputar o público de classe média. No auge, no final dos anos 90, O Dia vendeu 900 mil exemplares aos domingos. Hoje, sua tiragem média é de 105 mil exemplares.
Em 2003, com a morte do patriarca Ary de Carvalho, o conglomerado ficou com suas filhas Ariane, Eliane e Lígia, conhecida como Gigi. Após um conturbado período na administração dos negócios, Ariane se afastou para criar um jornal vespertino, o Q!, que durou pouco mais de dois meses. Eliane, que estudou Ciências Políticas nos Estados Unidos, ficou apenas como acionista. E Gigi, formada em comunicação visual pela Faculdade da Cidade, acabou ficando na presidência da empresa. Com o fim do Grupo Bloch e do Jornal do Brasil, O Dia é a única empresa de comunicação carioca que sobrevive ao quase-monopólio da Globo.
A sede do tablóide, que divide o andar de um prédio no bairro da Lapa com a redação de O Dia, tem paredes amarelas encobertas por um emaranhado de cartazes, cartas, capas, papéis, fotos e recortes de reportagens. Vê-se um pôster do filme Sexo no Salão 2007 – com uma loira seminua em meio a uma chuva de purpurina –, a foto-flagra de um repórter da casa beijando o derrière da ex-chacrete Rita Cadillac e outra que mostra em primeiro plano a face alegre de um ex-Big Brother. “A toda equipe do Meia Hora, com beijão carinhoso do Tinho”, dizia a dedicatória em caligrafia infantil.
Entre as capas coladas à parede, há aquela em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, usando um boné com a logomarca do jornal, aparece segurando o diário sob o título: “Eu topo ser colunista do Meia.” A cena foi produzida durante uma entrevista coletiva para jornais populares, em Brasília, quando o presidente disse que aceitaria escrever para o tablóide ao deixar o Planalto. Rente a ela, outra primeira página é a do dia em que o jornal alcançou 303 mil exemplares de circulação, graças a uma promoção que premiava os leitores com um celular. Os editores garantem que a notícia em destaque também teve peso nas vendas. “Matou a família e cozinhou os corpos no forno por três dias”, anunciava.
A equipe do Meia Hora tem vinte jornalistas, na faixa dos 25 anos, que andam em trajes esportivos e usam tênis. Eles trabalham mais como redatores do que como repórteres. As matérias são feitas pela equipe de O Dia e enviadas à redação-irmã para que sejam reescritas e resumidas a, no máximo, cinco parágrafos. No começo de dezembro, a mesma reportagem que apareceu em O Dia como “São Cristóvão: funcionário da feira suspeito de assaltos”, no Meia Hora virou “Bandidos tocavam o terror em São Cristóvão”.
“Aqui não tem nenhum ista e nenhum ólogo para explicar o que está acontecendo. Noticiamos o fato. Só isso”, explicou Henrique Freitas. “Nosso jornalismo é sério. A gente não defende justiceiro, pena de morte, nada disso. Mas eu chamo assaltante de vagabundo quando precisa”, disse.
Alto, magro e vestido sempre com camisa e sapatos sociais – e resfriado, boa parte do mês passado –, Freitas é o cérebro do jornal. Aos 36 anos, passou a vida entre Rio, Manaus e Niterói, onde se formou na Universidade Federal Fluminense. Trabalhou três anos em O Globo e sete no Extra, onde foi subeditor da seção Geral. Desde 2005, ocupa a editoria-executiva tanto do Meia Hora quanto de O Dia, onde também participa da decisão sobre a capa do jornal. Integrante da classe média alta, ele só usa gírias quando dita uma manchete. Palavrões, jamais. “Não convivo com o meu leitor. Isso só aconteceu na época em que eu estava no Globo“, contou.
Para se aproximar do gosto de seu público, ele diz assistir a muitas horas de televisão: “Meu programa preferido é o Pânico. Depois, o Zorra Total. Não quero saber o que está passando no GNT. Me interesso pessoalmente, mas como pessoa jurídica, não. Preciso ter referência de cultura pop.” Ele citou um exemplo: “Batman foi o filme mais visto do ano. É claro que vou aproveitá-lo numa manchete. Mas não tenho como fazer uma referência a O Escafandro e a Borboleta ou a Camelos também Choram.”
Seu braço direito é o editor Humberto Tziolas, de 34 anos, o mentor intelectual da manchete sobre Dado Dolabella e Luana Piovani. Sua mesa de trabalho tem poucos adornos, salvo um calendário do Campeonato Brasileiro colado ao computador. Criado em Copacabana e Botafogo, também passou pelas redações de O Dia e do portal Globo.com antes de se tornar o segundo na hierarquia do jornal. “Não sinto falta do que eu fazia”, disse. “Agora falo com um público com quem ninguém falava antes.”
À diferença dos sensacionalistas do século passado, dos quais se dizia que se espremidos soltariam sangue, o Meia Hora cultua a crônica policial sem recorrer a imagens explícitas. Fotos de corpos destroçados, cadáveres putrefatos e sangue aos borbotões são evitadas. “Isso foi uma determinação desde o começo, para não criar um estigma negativo”, disse Henrique Freitas. “Nossa influência vem do Pasquim, do Planeta Diário e da Casseta Popular.”
Ele acredita que o tablóide atinge várias classes sociais no Rio. “O segredo está na linguagem popular. Se fosse em São Paulo, que termos eu teria que usar? ‘Os mano‘? ‘As mina’?”, indagou. “Geograficamente, São Paulo é muito diferente. Lá, a periferia é realmente periférica. Aqui, todo mundo vai à mesma praia. Um sujeito que mora numa cobertura em Ipanema vê uma favela a 400 metros.” Para ele, o carioca “tem alma de classe média”. Então, “mesmo o cara da elite pode ler e se identificar com o jornal”.
Outra diferença, segundo ele, é que o Meia Hora tem posição, pelo menos no campo esportivo. Posição a favor. “Nosso jornal torce. Quando um time ganha, exalta. Quando perde, sacaneia.” Equipe de fora é tratada com indiferença. Equipe carioca, no aumentativo: Mengão, Fluzão, Fogão, Vascão.
Em meados dos anos 60, o Notícias Populares, publicado pelo Grupo Folha em São Paulo, foi um fenômeno jornalístico em razão das manchetes – sensacionalistas, engraçadas e nem sempre verídicas. Uma de suas chamadas mais vendedoras envolveu o cantor Roberto Carlos, que passava férias em Nova York. Como seu empresário não conseguiu localizá-lo, num determinado dia, o jornal estampou na primeira página: “Desapareceu Roberto Carlos.” A notícia aumentou a vendagem em 20 mil exemplares. No dia seguinte, a manchete foi: “Acharam Roberto Carlos.”
Nos anos 70, o Notícias Populares criou o “bebê diabo”. A notícia se originara de um fato concreto: uma criança nascera com o corpo e a cabeça deformados, no ABC paulista. Foi o que bastou para haver 27 capas, todas divulgando a aberração de que a criança era fruto de um pacto com o demônio. “Esse tipo de coisa não publicamos”, comentou Henrique Freitas. “Não estamos fazendo um jornalismo mentiroso, estamos trazendo humor para o jornalismo.”
No final dos anos 90, embalado pela boa vendagem, O Dia resolveu mudar seu perfil, para buscar o público de classe média que se desgarrara do agonizante Jornal do Brasil. As Organizações Globo contra-atacaram lançando o Extra, ao preço de 30 centavos, que era o valor exato de um troco de passagem de ônibus, para chegar ao público de baixa renda. O lançamento foi amparado por uma massacrante campanha publicitária nas emissoras de rádio e tevê do grupo e por uma promoção que presenteava os leitores com um jogo de panelas.
A ascensão do Extra foi rápida e O Dia amargou prejuízo. Em 2005, Gigi de Carvalho abriu uma nova investida contra as Organizações Globo: contratou o jornalista Eucimar de Oliveira, que fora, justamente, o responsável pela criação do Extra, e o colocou à frente de O Dia. “Eu não podia repetir o erro dos anos 90”, ele disse num café da manhã recente, em uma lanchonete no bairro do Humaitá. “Para levar O Dia para cima, era preciso arrumar uma proteção para baixo, ou seja, não deixar órfãos os leitores de classes mais populares.”
Meses depois, surgia o Meia Hora. O Dia, no entanto, não decolou. Mas o tablóide popular, criado para cobrir a retaguarda do carro-chefe do grupo, surpreendeu e se tornou um fenômeno de vendas. “O Meia Hora acabou sendo uma vacina para a sobrevivência da empresa”, disse Oliveira.
Numa quinta-feira de novembro, Henrique Freitas parecia animado. Com tiroteio no subúrbio e polêmica no futebol, a tarde fora rica em notícias para um tablóide. Por volta das sete da noite, sentou-se ao lado do diagramador para preparar a primeira página. Na parte inferior, ordenou que se colocasse a foto de três viaturas metralhadas da Polícia Civil. O título era simples: “Foi tiro a rodo.” Seguia-se uma pequena explicação: “Após o ataque, polícia promete forra em Manguinhos.” Freitas pediu que a foto fosse manipulada no computador. “Tem que realçar os tiros”, explicou.
Às vésperas de ser rebaixado no Campeonato Brasileiro, o Vasco vivia nova crise: surgira o boato de que, se livrasse o time da degola, o técnico Renato Gaúcho, e apenas ele, seria fartamente recompensado. “Procura uma foto do Renato reclamando”, mandou Freitas. Contente com a imagem do técnico de braços abertos, ditou em voz alta: “Se salvar o Vasco, Renato ganha um capilé. Os jogadores, não” – era a manchete que ficava em cima da foto. Na parte inferior, colocou em letras garrafais: “Pô, professor, divide com a galera.” A capa estava pronta.
Em julho, um torcedor do Fluminense moveu uma ação de reparação contra o jornal por danos morais. Após um começo de ano na penumbra, seu time conseguira, contra qualquer previsão, chegar à última fase da Copa Libertadores da América. Em consequência, o grito de guerra das arquibancadas passara a ser: “Ô, ô ô, ô ô! Eu acreditô!” Quando a equipe, em pleno Maracanã lotado, perdeu a final para a desconhecida LDU, do Equador – o que lhe custou a chance de disputar o Campeonato Mundial Interclubes –, o Meia Hora publicou a manchete “Eu acreditava”. Sob a imagem de torcedores desesperados, o texto continuava: “No título do Flu, em duendes, em Papai Noel.”
Na capa do dia seguinte, novo deboche: “Grátis: Pôster do Fluzão rumo ao Mundial.” Dentro do jornal, havia de fato um pôster, mas da equipe andando rumo a um supermercado da rede Mundial, uma das mais baratas do Rio. Foi o gatilho para que Carlos Almir da Silva Baptista resolvesse mover um processo no 25° Juizado Especial Cível, alegando ser vítima de propaganda enganosa.
A sentença, proferida menos de um mês depois de instituída a ação, começou de forma inusitada: “É absolutamente incrível que o Estado seja colocado a trabalhar e gastar dinheiro com uma demanda como a presente, mas. ossos do ofício!”, escreveu o juiz José de Arimatéia Macedo. Baseado no argumento de que “a gozação é inerente à existência do futebol”, o magistrado classificou a ação de “surreal” e acusou o autor de má-fé. O caso foi considerado improcedente. O advogado Robson Luis Castro da Silva, representante do torcedor ofendido, me disse que irá recorrer. “Eu gostaria de saber por que a ação foi julgada com tanta pressa. A sentença do juiz não é a resposta que o cidadão contribuinte merece”, argumentou.
Sentado em seu escaninho, decorado com uma miniatura do Cristo Redentor nas cores do Fluminense, o jornalista Giuseppe Amato pegou o telefone. “É você, Elisângela, querida?”, ele começou. “Você tem que mandar de frente, de costas, de lado, mas sem vulgaridade. Tem que obedecer a certos critérios, meu amor. Tem que falar o que gosta de fazer de dia, de noite, qual é o seu time.” Silenciou alguns momentos. “É vascaína, né? Coitada. Você faz o quê, querida? – desculpe a pergunta.” E encerrou: “Meu nome é Giuseppe. Nome italiano. O e-mail é gamato. Em vez de gamado, gamato, com ‘t’. Pode mandar as fotos.”
Franzino, de bigodinho, cabelo cobrindo o pescoço e idade “cinco ponto quatro, meu querido”, Giuseppe Amato tem o cargo mais invejado da redação. Cabe a ele selecionar e descrever em cinco linhas as moças que enviam fotos de biquíni ou lingerie, em poses de costas, de gatinhas, agachadas ou deitadas, para a seção Gata da Hora, a mais lida do jornal.
“É uma merda fazer isso aqui”, ele contou. “Todo mundo vem me perguntar: ‘Por que você publicou essa baranga?’ Mas eu só respondo às que têm bala na agulha”, disse-me, abrindo uma imagem no computador para comprovar sua tese. “Olha isso aqui! Como é que vou colocar isso aqui, meu querido?” Amato considera seu trabalho parecido com o de um detetive: “Como é que eu vou saber que esse e-mail é da mulher? Como é que eu vou saber que não é do vizinho, que não conseguiu a mulher e mandou a foto para se vingar? Por isso peço que elas mandem telefone, time, hobby, para eu ligar e conferir antes de publicar.”
Embora dez entre dez Gatas da Hora sejam apreciadoras da trinca funk-praia-Fábio Junior, Amato tem a impressionante capacidade de não se repetir quando as descreve. “O meu lance é texto”, jactou-se. Sua metodologia consiste em sempre começar com uma expressão de efeito – “Não é fraca, não!”, “Pô, aê: me rende, gata!”, “Aí, quem quer ser o sobrinho?”, “Perdeu algo, Lulu?” – e terminar com uma expressão de efeito: “Nooooossaa!”, “Yes!”, “Que delícia!” Seu maior medo é publicar a foto de uma menor de idade. “Aí me levam em cana e a coluna fecha, Mané”, explicou.
O Meia Hora não vende assinaturas. A circulação é calculada em razão do dia da semana (segunda-feira, regada em esportes, vende mais que domingo), do dia do mês (quanto mais próximo ao pagamento do salário do leitor, melhor), da previsão do tempo (chuva forte é mortal porque ninguém pára na banca) e, principalmente, do teor e da área onde ocorreu a manchete.
“Vendo o jornal em 4 500 bancas, os jornaleiros são meus 4 500 repórteres”, contou o superintendente de vendas, Ronaldo Mendes. “Eles me ligam dando um furo. Eu informo à redação e, se me confirmarem que a notícia vai ser publicada, ligo de volta perguntando: quantos jornais você quer que eu mande? O triplo? Está certo.” Após uma pausa, exemplificou: “Se tem um crime na comunidade de Manguinhos, que é controlada pelo Comando Vermelho, intensifico a distribuição nas favelas ao lado, que também são controladas pelo grupo.”
Embora chegue a vender três vezes mais que O Dia, o Meia Hora arrecada três vezes menos. A preço de tabela, uma página de publicidade sai por 20 mil reais. O mesmo espaço custa 30 mil no jornal matriz. A razão é que 72% dos leitores do tablóide fazem parte das classes C e D. Os principais anunciantes são as Casas Bahia e os Supermercados Guanabara.
Em 2006, foi a vez das Organizações Globo lançarem um jornal sensacionalista, para concorrer com o Meia Hora. É o Expresso da Notícia, também vendido a 50 centavos, em formato tablóide e com projeto gráfico muito similar ao precursor do gênero. A média anual de circulação empacou nos 70 mil exemplares.
No dia seguinte ao rebaixamento do Vasco, em que se decidia a capa “Galera enterra o bacalhau ao som de ‘Arererê, o Vasco vai jogar na série B'”, o repórter Pedro Moraes correu à mesa de Humberto Tziolas. “Humberto, sabe aquela matéria que eu estou fazendo sobre a marchinha de Carnaval?” Tziolas assentiu. “Só consegui falar com a Mulher Moranguinho para aparecer na foto. Mas ela não é citada na música.” Diante do impasse, perguntou: “Continua valendo?” Não, assim não valia.
Moraes é o especialista no universo feminino hortifrutigranjeiro, um dos atrativos do jornal. Pelas páginas do tablóide já passaram as mulheres Melancia, Jaca, Maçã, Moranguinho, Melão e Filé – essa última batizada na própria redação. Por ter descoberto a dançarina, até então desconhecida do grande público, o ineditismo da matéria valeu a Moraes o prêmio interno de 1 mil reais. Em outubro, após granjear fama nacional, a Mulher Filé foi destaque da Playboy.
Em abril, a reportagem premiada dizia respeito à reconciliação dos funkeiros Mister Catra e MC Créu. Em maio, ao fato de que, na falta do pagodeiro Belo, sua esposa teria recorrido a mercadorias de uma sex shop. Em junho, outro artigo de Moraes: Mulher Melancia havia sido agredida por moradores da favela Tavares Bastos enquanto posava para a Playboy. A matéria, intitulada “Melancia fatiada”, ainda trazia fotos inéditas do ensaio, flagradas por um membro da comunidade.
Com cabelo escovinha, óculos e camisa pólo, Moraes parece um nerd de filme americano para adolescentes. “Como não tenho muita vergonha na minha cara, acabam me pegando para esse tipo de matéria”, ele disse. “O Henrique e o Humberto são as mentes diabólicas. Eu sou o executor das maluquices.”
Enquanto me mostrava a capa de dois filmes pornográficos (“Esse é o tipo de literatura que eu recebo”, falou), um repórter se aproximou da mesa, roubando-lhe o baralho Gata da Hora, com fotos de mulheres no lugar dos naipes, brinde ofertado pelo jornal. Moraes se alarmou: “Cuidado que está na ordem, cara.” “Ordem numérica ou das mais gostosas?”, retrucou o colega. Antes que pudesse responder, o telefone tocou. “Está bem, pode mandar para o meu e-mail”, replicou Moraes ao interlocutor. Ao desligar, comentou: “É uma mostra sobre o Fernando Sabino na PUC. Nunca vai sair.”
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