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    O Rio de Janeiro tinha como meta despoluir 80% da Baía de Guanabara até a data de abertura dos Jogos. Era parte do legado olímpico. A estimativa, mais tarde, foi recalculada para 25 anos FOTO ORIGINAL: FERNANDO MAIA_UOL

questões da política

Moeda olímpica

Para salvar seu mandato, Temer reinventa a entidade que deveria ter cuidado do legado dos Jogos do Rio

Bruno Filippo | 01 ago 2017_18h12
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As promessas eram grandiosas: poucos investimentos públicos, grande aporte de dinheiro da iniciativa privada e um legado em espaços para competições e treinamentos que transformaria a cidade do Rio de Janeiro em um centro mundial do esporte. Um ano depois do fim dos Jogos, a realidade se impôs: o Parque Olímpico da Barra – aberto ao público no final de 2016 – sofre com manutenção precária e áreas interditadas; o Complexo de Deodoro, local de esportes radicais, hospedou apenas um evento desde o fim dos Jogos; o Maracanã quase não recebe partidas; e boa parte dos 3 604 apartamentos da Vila Olímpica, colocados à venda, mofa à espera de compradores.

Até mesmo a entidade que deveria se ocupar do prometido legado virou pó. Em março, o governo federal extinguiu a Autoridade Pública Olímpica – responsável por coordenar o megaevento – sem sequer divulgar o custo total dos Jogos – responsabilidade prevista no estatuto. Os valores parciais são contestados por órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União. Eu tentei conversar com a empresária Luiza Trajano, dona do Magazine Luiza e presidente do conselho que comandava a APO, mas sua assessoria disse que ela estava em viagem.

Nesta terça-feira, o Senado deve votar a Medida Provisória 771/17 – já aprovada pela Câmara – que cria uma autarquia federal para substituir a APO. Ela se chamará Autoridade de Governança do Legado Olímpico, chamada de Aglo. O novo órgão – cujas atribuições são as mesmas do antigo, mas com prazo estendido até 2019 – tem motivação política emergencial: distribuir cargos no Rio para ajudar a salvar Temer.

Encalacrado com as delações da JBS, o governo usa a herança dos Jogos do Rio como bengala política para evitar que deputados votem a favor da abertura de um processo de corrupção passiva contra Temer no Supremo Tribunal Federal. A votação está prevista para quarta-feira, dia 2.

E o plano para a nova encarnação da entidade já está traçado. À sua frente está o peemedebista Leonardo Picciani, ministro do Esporte, ao qual o novo órgão está vinculado. As indicações para a nova autarquia visam torná-la politicamente mais relevante com o objetivo de cacifar Picciani para as eleições de 2018. Com a situação calamitosa do que restou nos locais de competição, Picciani terá a chance de se apresentar como salvador do legado olímpico. Ele é um dos nomes mais cotados, dentro do PMDB fluminense, para lançar-se candidato ao Senado. Em troca, movimentará sua base em Brasília para salvar Temer do STF.

Os quatro cargos hierarquicamente mais importantes da nova entidade esportiva – presidente, diretor executivo, diretor técnico e superintendente – foram ocupados por aliados de Picciani, respectivamente: Paulo Márcio Dias Mello, Pedro Paulo Sotomayor, Bruno Feitosa Barboza e Fábio José Mamedio. Vão receber entre 18 e 22 mil reais por mês para pôr em prática um plano de ocupação e de calendário de eventos desses equipamentos urbanos. A autarquia criou 95 cargos em comissão e de confiança e poderá requisitar servidores públicos de outros órgãos, além de militares das Forças Armadas.

Mamedio – candidato a vereador derrotado nas eleições de 2016 – foi representante do Ministério do Esporte no Rio. Sotomayor e Dias Mello também trabalhavam como assessores. Já Bruno Feitosa Barboza foi braço direito de Picciani na Secretaria de Estado de Habitação do Rio, no fim dos anos 2000, no governo de Sérgio Cabral, condenado em junho a catorze anos e dois meses de prisão por lavagem de dinheiro e corrupção passiva. Cabral, preso desde novembro e hoje cumprindo pena num presídio em Benfica, é réu em outros onze processos.

Outros nomes ligados ao ministro foram contemplados com cargos – incluindo o marido de sua chefe de gabinete, a esposa do consultor jurídico do Ministério e outros postulantes fracassados à vereança da cidade do Rio, como Luciano Felipe de Carvalho Rodrigues. Os salários variam de 15 a 18 mil reais.

 

Leonardo Picciani tem sido eleito ininterruptamente desde 2002. Pouco antes de completar 23 anos, levou uma vaga para deputado federal, função que exerce com períodos de afastamento, como o de agora, para assumir cargos no Executivo. Para conquistar uma das duas cadeiras no Senado Federal, no entanto, precisará de mais musculatura política, no que a nova entidade esportiva vem a calhar.

Ele deve assumir um órgão com potencial fortalecido desde o fim de 2016. Está sob sua gestão o Parque Olímpico da Barra, que lhe serve de sede – o que inclui duas arenas, o velódromo e o centro de tênis –, além do Parque Olímpico de Deodoro. Caberia ao município prepará-los para a iniciativa privada. No fim de seu mandato, o ex-prefeito Eduardo Paes repassou-os à administração federal.

No mesmo dia em que o Diário Oficial da União publicou as principais nomeações, no início de abril, o Tribunal de Contas da União apontou falta de transparência nas prestações de contas dos recursos federais investidos na Rio 2016. E acusou a antiga Autoridade Pública Olímpica, o governo do Estado e o Município do Rio de Janeiro de não repassarem informações completas aos órgãos de controle. Semanas antes, o TCU multou George Hilton e Ricardo Leyser, antecessores de Leonardo Picciani, em 29 100 reais, por não terem apresentado um Plano de Legado dos Jogos.

Para repaginar o órgão e tentar mudar sua imagem perante a população, o Ministério do Esporte agora fala em “transição do modo ‘Jogos’ para o modo ‘legado’, como acontece em todos os países que organizaram uma Olimpíada”, de acordo com o texto publicado em seu site, que informa também a assinatura de acordos de cooperação com os comitês Olímpico e Paraolímpico do Brasil e com o Comitê Brasileiro de Clubes.

O fortalecimento do poder público depois da Olimpíada de 2016 é um movimento oposto ao que aconteceu durante todo o período que antecedeu o evento. O antigo órgão foi fundamentado no modelo de organização dos Jogos de Londres 2012, e nunca conseguiu realizar totalmente suas ações. Sua presidência – subordinada ao Conselho Público Olímpico – teve dois nomes efetivos, que, conforme a lei, foram submetidos à aprovação pelo Senado. Mas o cargo se apequenou de tal forma que atravessou mais de doze meses – e a própria Olimpíada – sendo comandado por um interino, sem que tivesse passado nem ao menos pela sabatina dos senadores, como seria de praxe.

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