A presidente afastada Dilma Rousseff durante entrevista exclusiva à Folha de S. Paulo, no Palácio da Alvorada, em Brasília (DF) Foto: Marlene Bergamo/Folhapress
Nem mesmo Dilma quer voltar ao poder, diz Cristovam Buarque
Cortejado por Dilma Rousseff, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) encontrou-se com a presidente afastada quatro vezes nos últimos dois meses. No primeiro contato, só falaram sobre história e literatura: “Ela é uma mulher muito culta.” Na segunda reunião, discutiram propostas de governo – Buarque queria a garantia de que Henrique Meirelles seguiria no ministério da Fazenda caso ela retornasse ao cargo. Nos dois encontros seguintes, ambos estiveram acompanhados de outros senadores. “Mas ela só ficava nesse discurso do golpe, golpe, golpe.”
Na madrugada desta quarta-feira, ao votar pelo prosseguimento do processo de impeachment de Dilma, Cristovam Buarque, que se dizia indeciso, afirmou não ter encontrado sinais de que a retomada de seu governo seria mais eficiente do que o início. “Para ela, é melhor sair como João Goulart do que ficar como Nicolás Maduro”, explicou o senador, que conta ser alvo de constantes protestos em Brasília, onde seus eleitores, de esquerda e contrários ao impeachment, até criaram um “desvotômetro”.
O senador acha que, se Dilma retomasse o cargo, dificilmente conseguiria alavancar seu governo, e o Partido dos Trabalhadores sangraria até a eleição de 2018, abrindo caminho para uma vitória fácil do PSDB. “Caso a votação fosse secreta, o PSDB votaria contra o impeachment e o PT a favor.” Agora, com o discurso do golpe nas ruas, o PT poderá se vender como vítima e colocar a culpa de seus fracassos no governo de Michel Temer. Por isso, Buarque nem sequer acredita na real intenção da presidente de voltar ao cargo. “Pelo caráter dela, imagino que Dilma prefere ser líder guerrilheira e presidente destituída do que líder guerrilheira e presidente fracassada.”
Ainda que tivessem contado com o voto do senador nessa penúltima votação, chamada “juízo de pronúncia”, os aliados de Dilma sabiam que eram ínfimas as chances de reverter o resultado de 12 de maio, quando o Senado decidiu, por 55 votos a 22, pelo afastamento temporário da presidente. Nesta madrugada, Dilma perdeu o voto do senador João Alberto, do PMDB do Maranhão, aliado de José Sarney, e ficou com apenas 21 votos contra o impeachment. Já o governo interino, do presidente Michel Temer, conquistou, além da conversão de João Alberto, o voto de três senadores ausentes na primeira votação: Eduardo Braga (PMDB-AM), Jader Barbalho (PMDB-PA) e Pedro Chaves (PSC-MS), suplente de Delcídio do Amaral. Somaram-se, assim, 59 votos pelo impeachment. Só quem não deixou seu posicionamento claro até hoje é o pendular Renan Calheiros (PMDB-AL), que não votou em nenhuma das duas sessões.
Ao longo de terça-feira, enquanto a sessão corria, a apatia dos senadores diante do jogo jogado era inegável. Dos 81 parlamentares, 48 discursaram e poucos usaram os 10 minutos a que tinham direito. Em maio, dos 78 presentes, todos quiseram falar na tribuna. Do lado de fora do Senado, um punhado de manifestantes segurava uma faixa que dizia “fora comunistas”. Já a horda verde e amarela que se aglomerou na Esplanada dos Ministérios durante todo o processo sumiu. Os defensores do governo também.
Entre os senadores, não havia nem mesmo expectativa sobre a carta que Dilma Rousseff promete entregar nos próximos dias. À Folha, a presidente afastada disse que defenderá, no documento, a convocação de novas eleições caso retorne ao cargo. A ideia, levada a ela por um grupo de senadores em abril – Cristovam Buarque entre eles –, demorou a engrenar. “Convence a Câmara e o Senado de abrirem mão de seus mandatos. Aí, vem conversar comigo”, respondeu na ocasião a presidente afastada.
Alguns parlamentares petistas, os movimentos sociais e até o ex-presidente Lula já estiveram convencidos de que reeditar algo como uma campanha das Diretas Já poderia dar novo fôlego à militância para lutar contra o impeachment, mas a proposta acabou perdendo força. Depois da declaração de Dilma à Folha, o presidente do PT, Rui Falcão, se adiantou em negar que a proposta fosse endossada pelo partido. A poucas semanas da votação final do impeachment, a tal carta continua tendo cada linha editada e reeditada pela presidente, que terminará seu mandato atuando como atua desde a reeleição: sem o apoio de seu próprio partido e encasquetada com detalhes de propostas lançadas fora de timing.
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