Em pé, diante do pai de Saeed, a mãe de Saeed começou a conversar com uma amiga, simulando ignorar o objeto do seu desejo. Ele a notou ILUSTRAÇÃO: VÂNIA MIGNONE
Um café na lanchonete
A história de Saeed, dos pais de Saeed – e o segredo de Nadia
Mohsin Hamid | Edição 139, Abril 2018
Numa cidade abarrotada de refugiados, mas ainda predominantemente em paz, ou pelo menos ainda não em guerra aberta, um garoto conheceu uma garota numa sala de aula e não lhe dirigiu a palavra. Por muitos dias. O nome dele era Saeed e o dela era Nadia, e ele usava barba, não uma barba cheia, e sim uma barbinha rala podada cuidadosamente, e ela estava sempre coberta dos dedos dos pés à base da jugular por um manto negro ondulante. Naquela época as pessoas ainda se davam ao luxo de vestir mais ou menos o que quisessem, no que diz respeito a roupas e cabelos, dentro de certos limites, claro, de modo que as escolhas significavam algo.
Pode parecer estranho que em cidades se equilibrando à beira do abismo jovens ainda frequentem aulas – nesse caso uma aula noturna sobre identidade empresarial e marcas de produtos –, mas é assim que as coisas são, seja quanto às cidades, seja quanto à vida, pois por um momento estamos entretidos com nossos afazeres habituais e no momento seguinte estamos morrendo, e nosso fim para sempre iminente não interrompe nossos começos e meios transitórios até o instante em que o fim chega de fato.
Reportagens apuradas com tempo largo e escritas com zelo para quem gosta de ler: piauí, dona do próprio nariz
ASSINELeia Mais