Há vida inteligente no futebol brasileiro
Semana passada, três fatos chamaram a atenção de quem gosta de futebol: a entrevista de Cristóvão à jornalista Marluci Martins, do Extra, a de Leonardo a Renato Maurício Prado, de O Globo, e a coluna de Tostão publicada no site da Folha de S.Paulo.
Não lembro em que clube a história se passou, só sei que foi com Mário Sérgio. Ele acabara de ser contratado como treinador e, logo na apresentação, um dos jogadores o chamou de professor. Mário Sérgio respondeu com um pedido: “Faz um favor, meu filho: me chama de Mário. Não me chama de professor não, porque eu sou semianalfabeto.”
Vivíamos o início de um infeliz período, que ainda não ultrapassamos, em que chamar técnicos e juízes de professores virou regra, embora muitas vezes a gente perceba que os jogadores estão sendo mais irônicos do que respeitosos. O problema é que a imensa maioria dos treinadores passou a acreditar no tratamento, adotando um ar professoral ali na área técnica e assistindo com uma pose danada ao futebol medíocre jogado pelos times que mandam a campo.
Os poucos que fogem desse triste padrão merecem elogios, e Cristóvão Borges é um deles. Sujeito simples e observador, mais ouvinte que falante, foi bom jogador – embora longe de ser craque, chegou à seleção brasileira – e, na função de auxiliar técnico, em 2011 ajudou Ricardo Gomes a transformar o apenas razoável elenco do Vasco num time forte o suficiente para brigar até a última rodada pelo título brasileiro. Terminou como vice, cumprindo a sina da colina, mas vamos deixar isso pra lá. Quem torce para o Flamengo não está em condições de cutucar ninguém.
Cristóvão herdou o comando do Vasco após o acidente vascular de Ricardo Gomes, foi demitido no ano seguinte, passou pelo Bahia e chegou ao Fluminense há pouco mais de quatro meses, substituindo Renato Gaúcho e aproveitando a parada do Brasileirão na Copa para deixar o time arrumado e no seu jeito.
Semana passada, três fatos chamaram a atenção de quem gosta de futebol: a entrevista de Cristóvão à jornalista Marluci Martins, do Extra, a de Leonardo a Renato Maurício Prado, de O Globo, e a coluna de Tostão publicada no site da Folha de S.Paulo.
Cristóvão elogia a Universidad de Chile de 2010/2011 (então dirigida pelo atual técnico da seleção chilena, Jorge Sampaoli), se diz motivado pelo resgate do futebol brasileiro e a valorização da qualidade técnica, enche a bola do Cruzeiro, declara-se admirador de Guardiola, Mourinho, Bielsa e Ancelotti, defende Fred – que se não fez uma boa Copa também não pode ser considerado o principal responsável pelo tanto que deu errado – e, no melhor momento da matéria, não se acanha em transferir boa parte da culpa da crise no futebol brasileiro para a imprensa: “Metem o pau, dizem que estamos atrasados, mas a imprensa também precisa se preparar. Se a discussão não mudar, a gente vai continuar tomando de sete.” A entrevista de Cristóvão é curta e ótima.
Leonardo propõe que o futebol seja encarado de um jeito totalmente comercial e mercantilista, com investimentos maciços e busca obsessiva por lucros. (Um bom contraponto a essa tese é o texto de Marcos Alvito publicado na edição 15 de piauí, que cita vários exemplos de insatisfação e resistência dos torcedores – “vencidos, mas não derrotados”, no belo sofisma de Alvito – contra a mercantilização absoluta do futebol inglês.)
Além disso, Leonardo define o Brasileirão como desinteressante, dá uma cotovelada no trabalho de base feito por nossos clubes, fala da falta de formação tática do jogador brasileiro e revela que o jogador europeu não engole discursos motivacionais: por partir do saudável e óbvio princípio de que motivação eles já têm, o que os jogadores europeus querem de um técnico é a definição clara da estratégia coletiva a ser adotada e o que cada um deve fazer para ajudar. Lá no meio da matéria, nosso ex-lateral ainda produz uma boa frase de efeito: “No Brasil a gente aprende a jogar bola, não a jogar o jogo.” Não é uma entrevista para se concordar com tudo, mesmo porque é impossível duas pessoas concordarem em tudo quando o assunto é futebol, mas é fundamental que seja lida.
Por fim, o mestre. Na coluna “Está tudo fora do lugar”, Tostão dá mais um show de bola. Volta a criticar os centroavantes típicos feito Marcelo Moreno. Garante jamais ter esperado que Alexandre Pato virasse um craque, mas tem um argumento bem interessante para explicar por que a carreira de Pato estacionou num nível muito abaixo do que se previa: os antolhos que não deixam os treinadores italianos e brasileiros perceberem que centroavantes podem ser habilidosos, o que faz com que os mais talentosos sejam transformados em “atacantes pelos lados do campo”. Reforça a necessidade de profundas transformações no futebol brasileiro, apesar de temer que as coisas possam piorar. Mete a bola no meio das pernas de Gilmar Rinaldi – para Tostão, mais um exemplo do homem errado no lugar errado. E enquadra um dos maiores caras de pau que o futebol brasileiro já foi capaz de produzir, o professor Mano Menezes, pela audácia de afirmar, em matéria publicada na edição digital do Estadão, que temos achado ruins os jogos do Campeonato Brasileiro porque os estamos comparando com as partidas da Copa. Tostão não deixa barato e afirma que há mais de 15 anos acha ruim o futebol que se joga no Brasil. Tudo isso em menos de quarenta linhas e mantendo a elegância com que, cabeça erguida e formidável visão do jogo, carregava a bola colada no pé esquerdo.
Um mês depois da chapuletada que gerou até crise diplomática, Cristóvão, Leonardo e Tostão protagonizaram três grandes momentos do futebol brasileiro. Pena que isso só aconteceu nas páginas de jornais e sites, porque tanto nas confortáveis salas dos nossos dirigentes quanto lá dentro de campo, as coisas vão de mal a pior.
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