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Nem tudo deu errado, mas há muito o que se corrigir

Na semana passada a revista Veja Rio publicou, sob a chamada “Deu tudo errado”, uma reportagem a respeito da atual diretoria do Flamengo. A resposta veio via carta aberta, com um título bem-humorado: “Deu tudo errado para quem?”
 
O bom humor não dura muito e os primeiros parágrafos são meio raivosinhos, mas o que importa é que a questão é cabeluda. Acho exagerado o “Deu tudo errado” da Veja Rio, mas o fato é que há mais erros do que admite a empombada diretoria.

| 31 jul 2014_14h56
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Jamais frequentei socialmente qualquer clube. Ao contrário da praia, misturada e democrática, clubes sempre me pareceram ambientes discriminatórios e metidos a besta. Talvez seja por isso que nunca entendi muito bem esse tanto de gente que ama o Flamengo acima de tudo e vive na Gávea – como no divertido samba “Pequinês e pitbull”, de Jovi Joviniano, Gabriel Moura e Lulu Aranha – agindo feito tatu pra levar o clube pro buraco. Sou sócio-torcedor do Flamengo, por achar que nossos clubes precisam desse apoio para, quem sabe?, pagar as dívidas e diminuir a dependência das cotas televisivas e dos patrocínios nas camisas, só que não tenho direito a voto e nunca apoiei chapa nenhuma.

Isto claro, vamos ao post.

Na semana passada a revista Veja Rio publicou, sob a chamada “Deu tudo errado”, uma reportagem a respeito da atual diretoria do Flamengo. A resposta veio via carta aberta, com um título bem-humorado: “Deu tudo errado para quem?”

O bom humor não dura muito e os primeiros parágrafos são meio raivosinhos, mas o que importa é que a questão é cabeluda. Acho exagerado o “Deu tudo errado” da Veja Rio, mas o fato é que há mais erros do que admite a empombada diretoria.

A Chapa Azul foi eleita, e encheu de esperança corações e mentes rubro-negros, por seus compromissos com austeridade, transparência, pés no chão e pagamento das dívidas. Não havia como alguém ser contra, e cabe reconhecer que boas coisas vêm sendo feitas. O clube não ultrapassou o limite da responsabilidade para ficar com Elias. Já pagou – pelo menos está na carta – mais de 100 milhões de reais em impostos devidos. Colecionou medidas administrativas que lhe valeram o prêmio “Transparência em Gestão Esportiva 2013”, organizado pela consultoria Pluri.

Entretanto, se é verdade que nem tudo deu errado, os maiores erros estão, justamente, onde têm mais visibilidade. A ex-presidente Patrícia Amorim saiu do clube com a irônica fama de “Presidente do Parquinho”. Vinda do esporte olímpico e eleita por suas ligações com ele, Patrícia teve dificuldade para entender que o que fez o Flamengo ser o que é não foi o vestiário da quadra de basquete, a limpeza da piscina ou a nobreza da esgrima. Até meu neto de três anos sabe: foi o futebol. Não ter compreendido isso custou a Patrícia Amorim não apenas sua reeleição para a presidência do clube, mas também sua reeleição para a Câmara dos Vereadores. Perdeu as duas, e perdeu feio. 

Em alguns momentos, a atual diretoria do Flamengo dá a impressão de seguir o mesmo caminho. No post publicado em 14 de novembro de 2013, com o título “Dinheiro, dinheiro, dinheiro”, escrevi sobre os inexplicáveis elitismo e petulância da nova diretoria. (Para justificar o quase sempre proibitivo preço dos ingressos, o vice-presidente de Marketing, Luiz Eduardo Baptista, chegou a afirmar que “o Flamengo não vai viver dos pobres, jogar um futebol pobre e ser um time pobre, porque o negócio futebol mudou”.) Se a arrogância estivesse de mãozinhas dadas com a competência, menos mal, mas não é bem assim.

Poucas vezes vi um clube cometer besteira tão grande quanto a infeliz decisão de escalar André Santos, ano passado, contra o Cruzeiro, erro que tirou quatro pontos do Flamengo e só não levou o time à segunda divisão devido a até hoje mal explicada escalação irregular de Héverton pela Portuguesa de Desportos. 

Lá em cima citei o acerto no caso Elias. Mas, pensando bem, se o clube não tivesse gasto o que gastou com os salários de jogadores com muito mais fama do que proveito, certamente seria possível contratar o bom meio-campista que acabou voltando ao Corinthians. No futebol ninguém consegue acertar sempre, mas também não dá para errar toda hora. Uma coisa é passar quatro ou cinco anos sem disputar títulos importantes; outra coisa é montar um elenco com péssima relação custo-benefício e mandar a campo um time brancaleônico.

Pagar a dívida é prioridade. Até aí, estamos todos de acordo. Mas para pagar dívidas é preciso dinheiro e, se o time cai para a segunda divisão, de onde vem a bufunfa? Os contratos com Caixa, Peugeot e Adidas permanecem nos níveis de hoje? A tevê comparece com a mesma cota? O programa sócio-torcedor vai pro saco? Pensa-se numa campanha do dízimo?

Essa semana um grupo de abnegados torcedores lançou o programa “Flamengo da Nação”, atrás de doações exclusivamente voltadas para a contratação de reforços. Outro grupo lançou o “FlaEmDia”, para ajudar o clube a pagar mais rapidamente suas dívidas. Creio que o segundo é mais confiável que o primeiro: enquanto as dívidas vêm sendo pagas, os critérios para contratações têm sido lamentáveis.

Vamos à ponta do lápis. Se o Flamengo tem, como diz ter, 40 milhões de torcedores e metade se dispuser a doar 5 reais, estamos falando de 100 milhões de reais limpinhos para contratar. Só que aí vem a pergunta que essa diretoria não deixa calar: contratar quem? André Santos, Elano, Carlos Eduardo? Apenas com Carlos Eduardo, que recebeu cerca de 500 mil mensais por um contrato de 18 meses, o Flamengo jogou 9 milhões de reais no lixo.

Não se trata de oferecer munição àqueles que, por trás das críticas ao futebol, apostam no eterno projeto de gestão sustentado pela ideia de empurrar a dívida para quem vem depois. Mas é certo que, sem arrogância, tendo respeito pela história popular do clube e melhor critério nas contratações, o trabalho de saneamento poderia seguir seu caminho com mais apoio e menos percalços. Sem grandes títulos ou times espetaculares – como de antemão anunciado –, mas também sem vexames.

A pior coisa que poderia acontecer ao Flamengo e, por extensão, aos nossos demais clubes encalacrados, seria a triste constatação de que austeridade e transparência não combinam com o futebol brasileiro.

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