A Copa industrializada
Revendo algumas imagens, graças ao santo youtube, é fácil notar que a Copa de 66, na Inglaterra, teve um jeitão todo inglês. A de 70, no México, foi mexicana até o último burrito. O raciocínio parece óbvio, mas ele melhora se pegarmos as copas disputadas neste século: todas foram iguais, sem qualquer sabor local. Por incrível que pareça, conseguiram fazer uma Copa na África idêntica a uma Copa na Alemanha. A Fifa acha isso bom. Eu acho péssimo.
Uma semana depois da inauguração extraoficial do novo Maracanã, naquela pelada em que um dos atacantes foi o cantor e compositor Naldo, Botafogo e Fluminense decidiram, em Volta Redonda, o segundo turno do Campeonato Carioca. Comparando a chuva de gols no pré-teste do novo Maraca com o gol de Rafael Marques na decisão no Raulino de Oliveira, uma coisa chama a atenção: como, em nome de um discutível padrão de qualidade e de uma desnecessária homogeneização, a FIFA comete bobagens imperdoáveis. Na finalização de Rafael Marques, a bola correu rente à grama, superou Diego Cavalieri, e ficou bem morta, na imagem clássica e plástica da bola no fundo da rede. Nos treze gols da confraternização entre os amigos do Ronaldo e os amigos do Bebeto, a bola batia lá dentro e voltava, lembrando aqueles paredões de tênis em que os iniciantes são obrigados a treinar por horas e horas. Não há gol bonito que resista a uma bola que bate na parede e volta. Mas, nos estádios da FIFA, a rede tem que ser aquela coisa pavorosa.
Revendo algumas imagens, graças ao santo youtube, é fácil notar que a Copa de 66, na Inglaterra, teve um jeitão todo inglês. A de 70, no México, foi mexicana até o último burrito. O raciocínio parece óbvio, mas ele melhora se pegarmos as Copas disputadas neste século: todas foram iguais, sem qualquer sabor local. Por incrível que pareça, conseguiram fazer uma Copa na África idêntica a uma Copa na Alemanha. A Fifa acha isso bom. Eu acho péssimo.
Sabemos que a escolha das sedes e dos estádios para a Copa de 2014 atendeu a um monte de interesses políticos e financeiros. Mas, em termos esportivos, é um absurdo não ter, em São Paulo, jogo no Pacaembu. Uma das alegações foi a de que a abertura do evento precisa acontecer num estádio com capacidade para sessenta mil pessoas. Pergunto: por quê? Se o jogo vai ser visto pela tevê por bilhões de pessoas no mundo inteiro, que diferença faz ter 40 ou 60 mil no estádio?
Não vamos nos curvar à esculhambação e ao improviso. Mas nem oito nem oitenta. Ninguém vai querer abrir a Copa no Anacleto Campanella, aqui em São Caetano, mas não seria justo relevar certas coisas, em nome da história, da tradição e de tudo que o Pacaembu representa para a cidade e o futebol de São Paulo? A torcida corintiana lota o estádio o ano inteiro, promovendo espetáculos emocionantes e inesquecíveis, e é isso o que se espera de uma Copa do Mundo.
Ah, mas no Pacaembu não tem estacionamento. Pergunto de novo: por acaso os abastados (é verdade que não mais tão abastados assim), belos e cheirosos turistas do primeiro mundo virão para a nossa Copa em seus confortáveis automóveis? É claro que seria preciso melhorar, e muito, a rede de transportes, apertar a segurança, trocar os assentos, fazer banheiros decentes e conservar o gramado em estado impecável, mas isso é bem mais simples, não?
Andei sabendo que vai ter feijão tropeiro no Mineirão, mas com certeza absoluta não será o insubstituível Tropeirão do 13. Também é certo que não vai ter sanduíche de pernil (que os paulistanos chamam de lanche de pernil) na porta do Itaquerão. E nem cachorro-quente Geneal no Maracanã – iguaria que cansou de quebrar galhos, sobretudo nos jogos noturnos em que a rapaziada ia para o estádio direto do trabalho.
Sei não, mas se é para atender a esse sofisticado padrão de exigências e de uniformização, melhor abandonar a ideia de uma Copa itinerante e democrática – que foi o que a levou para a África do Sul –, e fazê-la sempre na Suíça.
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