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    ILUSTRAÇÃO: PAULA CARDOSO

questões político-religiosas

Na roda-gigante, com Crivella e Bolsonaros

Empresário ligado à Universal ganha concorrência no Rio e se une a suplente de filho de presidenciável para construir “London Eye” carioca

Sofia Cerqueira | 05 set 2018_09h19
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A velha máxima do “se não pode vencê-los, junte-se a eles” resume em poucas palavras a estratégia adotada para fazer girar um novo negócio no Rio de Janeiro. De um lado do embate, o ganhador da licitação para construir uma roda-gigante da altura de um prédio de trinta andares no Porto Maravilha, o grupo Gramado Parks, cujos donos têm ligação com a Igreja Universal e que pertence à família de Manu Caliari, vereadora gaúcha eleita pelo PRB, partido do prefeito Marcelo Crivella. Na outra ponta estão aqueles que eram, originalmente os perdedores: a Porto do Rio Empreendimentos, que chegou a entrar com um recurso para desqualificar a concorrente, e cujo administrador – conforme aparece no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – era Paulo Marinho, suplente de Flávio Bolsonaro (PSL) na disputa pelo Senado no Rio. Cinco meses depois da concorrência na prefeitura, no entanto, os antigos rivais se tornaram aliados na empreitada para erguer uma “London Eye” carioca.

Mais do que isso: cada grupo detém 50% do empreendimento. Inspirada na emblemática roda-gigante de Londres, a atração está prevista para ser inaugurada em maio de 2019 na antiga região portuária da cidade. “Já era um escândalo o prefeito ter beneficiado um grupo vinculado à Universal”, disse o deputado estadual Átila Nunes, do MDB. Surpreso com a união dos antigos oponentes, ele vai além: “Isso cheira ao famoso acordão. A firma que ganha é favorecida, a perdedora pressiona as autoridades e o negócio é dividido.” O deputado afirmou que vai denunciar o fato ao Ministério Público e pedir a anulação da concorrência.

As ligações do Gramado Parks com o partido do prefeito do Rio são facilmente confirmadas em buscas na internet. No seu perfil no Facebook, Manu Caliari, atual presidente da Câmara dos Vereadores de Gramado, expõe fotos ao lado de Crivella e de sua mulher, Sylvia Jane, tiradas há dois anos, ainda no gabinete do então senador em Brasília. Em outra imagem, no calor da campanha pela prefeitura da capital fluminense em 2016, Manu e Crivella aparecem juntos com as duas mãos abertas (dez era o número do candidato). Na postagem, ela não poupa exclamações: “E o Rio de Janeiro é Marcelo Crivella!!! É 10!!! É PRB!!! Este homem tem todo o meu carinho e admiração!!! Muito importante essa vitória para a nossa linda família republicana!!!”

 

A devoção extrapola o campo político e chega à religião. Vale explicar que na composição social do Gramado Parks, aparece como sócio Anderson Rafael Caliari, marido de Manu Caliari, vereadora em seu segundo mandato pelo PRB. Embora amigos digam que o casal se separou recentemente, não há como dissociar Manu dos negócios de Anderson, que inclui entre outros o parque Snowland – uma espécie de Disneylândia da geada, que funciona
na Serra Gaúcha. Em 2016, quando questionada sobre o porquê de não ter bens registrados na Justiça Eleitoral, a vereadora alegou que suas propriedades estavam em nome do marido e das empresas da família. Declarava que eram casados há dez anos em comunhão parcial de bens.

O casal vencedor da concorrência pela roda-gigante no Rio aparece junto em vídeos na internet promovendo a Igreja Universal. Em um deles, a dupla passeia por atrações de Gramado, troca chamegos em um cenário bucólico e termina com ela dizendo: “Consegui mudar a minha história acreditando que o impossível pode acontecer. Hoje sou uma mulher vitoriosa, eu sou a Universal.” Em outra gravação, os dois surgem dando um testemunho em uma cerimônia denominada Fogueira Santa, em que os adeptos da Universal fazem doações em dinheiro em busca de bênçãos espirituais e materiais. Manu relata que procurou a igreja inicialmente para melhorar sua vida sentimental e depois a parte econômica. Ela conta, ainda no vídeo, que o casal chegou a doar um carro importado e depois mais de 100 mil reais para a fogueira e que “as portas começaram a se abrir”.

Procurada, a assessoria de Crivella não se pronunciou. Disse apenas que a licitação não passa pelo prefeito e fica a cargo da área técnica, a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro.

 

Do outro lado dessa atração estão Ricardo Amaral, empresário carioca que ganhou fama nos anos 80 com a lendária boate Hippopotamus e hoje tem negócios na área de entretenimento, e Sávio Neves, presidente do grupo Esfeco (opera o trem do Corcovado e tem participações no AquaRio, também na antiga Zona Portuária). O terceiro sócio é a empresa DM Consultoria, cujo administrador é Daniel Marinho, filho de Paulo Marinho. O pai é personagem da sociedade carioca conhecido no mundo dos negócios e da política. Ex-marido da atriz Maitê Proença, foi braço direito de Nelson Tanure, empresário famoso por se embrenhar em grandes e intrincadas negociações. Mais recentemente, Marinho foi notícia ao oferecer jantares em seu casarão no Jardim Botânico para João Doria, ex-prefeito de São Paulo (PSDB). Também ajudou a organizar um coquetel para empresários no Gavea Golf and Country Club, em São Conrado, durante a então pré-campanha de Doria à Presidência.

Paulo Marinho também já foi visto algumas vezes no gabinete do prefeito Crivella. Levava empresários para estreitar relações e apresentar suas ideias ao mandatário. Além da sociedade na roda-gigante do Rio, Marinho tenta emplacar desde a gestão anterior um projeto de revitalização para o Jardim de Alá, no Leblon. No momento, porém, seus esforços se voltam para um nome: Jair Bolsonaro. Além de estrear na política fora dos bastidores como 1º suplente do filho do ex-capitão, Flávio Bolsonaro, que lidera as pesquisas de intenção de voto para o Senado no Rio, ele é um dos organizadores da campanha do candidato do PSL à Presidência. Quem convive com o empresário já o ouviu se referir a Bolsonaro como “nosso querido capitão” e justificar sua opção por “identidade ideológica”.

Embora o projeto do novo cartão-postal da cidade tenha a ambição de ser uma réplica da atração londrina, a ideia de trazer uma roda-gigante para o Rio surgiu em Orlando. Enquanto passava o último Natal na Flórida, Crivella se encantou com o brinquedo instalado junto à International Drive, a avenida mais famosa da Terra do Mickey. Ricardo Amaral lembra que, pouco depois, estava em uma reunião com o prefeito discutindo outros assuntos quando Crivella comentou que “seria ótimo” ter um destes equipamentos na cidade. “Decidi correr atrás disso e procurei o Paulo Marinho e o Sávio Neves para levantarmos o negócio”, contou Amaral. Mas como depois de perder a licitação vocês se juntaram ao grupo vencedor? “Houve uma oportunidade de entrarmos como sócios. Pessoas em comum é que fizeram essa boa intriga”, desconversou o empresário.

Agora com vencedor e derrotado do mesmo lado, o círculo se fecha. O Gramado Parks deu entrada em várias licenças na prefeitura para começar as obras. “Não há nada de ilegal nisso. Aliás, é totalmente normal um grupo que perdeu uma concorrência se associar ao que ganhou. Há vários exemplos na cidade”, minimizou Ricardo Amaral. A vereadora Teresa Bergher (PSDB), no entanto, vê com ressalvas a negociação. “Essa roda-gigante virou uma novela. Acho muito estranho. Primeiro a licitação é vencida por uma empresa ligada à Universal, o segundo colocado, também com membros apoiadores do prefeito, esperneia e acaba se juntando. Difícil entender”, descreveu Bergher, que encaminhou um requerimento à prefeitura pedindo detalhes do processo. Sabe-se de antemão que a empresa do Sul venceu a concorrência com um lance de 200 mil reais, enquanto a adversária ofereceu 65 mil reais mensais pela permissão de uso do terreno para instalar a atração. E que o município receberá o que for maior, esse aluguel ou 5% do faturamento do brinquedo.

Alheios à polêmica, Marinho e seus dois sócios e o grupo Gramado Parks – que além de um parque de neve é dono de quatro resorts no Rio Grande do Sul e vai inaugurar em 2019 uma estação termal em Gramado – já definiram detalhes da roda-gigante. Com um investimento de cerca de 25 milhões de reais, ela terá 92 metros de altura (contando com a base), 43 metros a menos do que a London Eye e 75 abaixo do que a High Roller de Las Vegas, a maior do mundo. Como comparativo, a roda-gigante que arrastou uma multidão para o Forte de Copacabana, entre 2008 e 2009, tinha só 36 metros de altura.

Com peças importadas da China, o novo brinquedo carioca terá 54 cabines que poderão acomodar até oito visitantes em cada uma. A experiência na gôndola com vista panorâmica para a Baía de Guanabara e o Centro do Rio deve durar em média 15 minutos. Com capacidade para transportar cerca de 1 700 pessoas por hora, a expectativa do Gramado Parks (que aparece nos contratos com o nome de Arc Big Eye Parques Temáticos e de Diversão Ltda) é atingir um público semelhante ao do AquaRio. Vizinho à área, o aquário recebeu 1,4 milhão de visitantes em seu primeiro ano. O valor dos ingressos deve ficar entre 25 e 45 reais.

O imbróglio em torno da roda-gigante, no entanto, não se limita a negociação feita nos bastidores, pós-licitação. Pelo contrato de permissão de uso do terreno do número 455, da avenida Rodrigues Alves, o grupo vencedor poderá explorá-lo por cinco anos e meio. Documentos da companhia de desenvolvimento urbano do Rio mostram, porém, que por se tratar de “matéria precária”, o prazo de vigência é indeterminado, podendo ser revogado a qualquer momento. A encrenca é que a área com 2 459 metros quadrados está no centro de uma disputa judicial. Desapropriado pela antiga gestão municipal, parte do local foi usado na construção da Via Binário. Enquanto um perito avaliou aquele naco de terra por 44 milhões de reais, o município contestou e fez um depósito judicial no valor de 1,3 milhão de reais. A Bunge Alimentos, antiga proprietária, recorreu à Justiça. Procurados, nem o advogado nem o departamento de marketing do grupo Gramado Parks quiseram comentar essas questões. Questionada sobre os prazos, a empresa afirmou que vai divulgar este mês quando pretende começar a construir a roda-gigante.

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Errata: Este texto foi corrigido às 17h55 desta quarta-feira, 5 de setembro. Diferentemente do publicado, Paulo Marinho não foi sócio da Porto do Rio Empreendimentos. Ele aparece como administrador da empresa no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica.

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