Por séculos olhamos a natureza como um espelho no qual nos projetamos e nos observamos. Qual é a moral? Não há o que aprender com o aquecimento global, pois não dispomos do tempo, ou da distância, para apreciar suas lições; não estamos apenas contando a história, mas vivendo-a CRÉDITO: INTERVENÇÃO URBANA_MONUMENTO MÍNIMO_NÉLE AZEVEDO/ANDREAS RENTZ_GETTY IMAGES
Desastres em cascata
O sistema climático sob o qual foi criada a civilização está morto
David Wallace-Wells | Edição 153, Junho 2019
Tradução de Cássio de Arantes Leite
É pior, muito pior do que você pensa. A lentidão da mudança climática é um conto de fadas, talvez tão pernicioso quanto aquele que afirma que ela não existe, e chega a nós em um pacote com vários outros, numa antologia de ilusões reconfortantes: a de que o aquecimento global é uma saga ártica, que se desenrola num lugar remoto; de que é estritamente uma questão de nível do mar e litorais, não uma crise abrangente que afeta cada canto do globo, cada ser vivo; de que se trata de uma crise do mundo “natural”, não do humano; de que as duas coisas são diferentes e vivemos hoje de algum modo alijados, acima ou no mínimo protegidos da natureza, não inescapavelmente dentro dela e literalmente sujeitados a ela; de que a riqueza pode ser um escudo contra as devastações do aquecimento; de que a queima de combustíveis fósseis é o preço do crescimento econômico contínuo; de que o crescimento, e a tecnologia que gera, nos propiciará a engenharia necessária para escapar do desastre ambiental; de que há algum análogo dessa ameaça, em escala ou escopo, no longo arco da história humana, capaz de nos deixar confiantes de que sairemos vitoriosos dessa nossa medição de forças com ela.
Nada disso é verdade. Mas comecemos pela rapidez da mudança. A Terra conheceu cinco extinções em massa antes da que estamos presenciando hoje, cada uma delas uma aniquilação tão completa do registro fóssil que funcionou como um recomeço evolucionário, levando a árvore filogenética do planeta a se expandir e contrair a intervalos, como um pulmão: 86% de todas as espécies mortas, 450 milhões de anos atrás; 70 milhões de anos depois, 75%; 100 milhões de anos depois, 96%; 50 milhões de anos depois, 80%; 150 milhões de anos depois disso, 75% outra vez. A menos que você seja adolescente, no ensino médio provavelmente estudou com livros didáticos que diziam que essas extinções em massa foram consequência de asteroides. Na verdade, todas elas, com exceção da que matou os dinossauros, envolveram a mudança climática produzida por gases de efeito estufa. A mais notória ocorreu há 250 milhões de anos: começou quando o carbono aqueceu o planeta em 5ºC, acelerou quando esse aquecimento desencadeou a liberação de metano, outro gás de efeito estufa, e se encerrou deixando a vida na Terra por um fio. Atualmente lançamos carbono na atmosfera a um ritmo consideravelmente mais acelerado; pela maioria das estimativas, pelo menos dez vezes mais rápido. Essa taxa é cem vezes mais rápida do que em qualquer outro ponto da história humana anterior ao início da industrialização. E neste exato instante há pelo menos um terço a mais de carbono na atmosfera do que em qualquer outro momento nos últimos 800 mil anos — talvez até mesmo nos últimos 15 milhões de anos. Os humanos ainda não estavam por aqui. O nível dos oceanos era pelo menos 30 metros acima do que é hoje.
Muitos enxergam no aquecimento global uma espécie de dívida moral e econômica, acumulada desde o início da Revolução Industrial, e acham que agora a conta chegou, depois de vários séculos. Na verdade, mais da metade do carbono dissipado na atmosfera devido à queima de combustíveis fósseis foi emitido apenas nas últimas três décadas. Ou seja: trouxemos mais prejuízos para o destino do planeta e sua capacidade de sustentar a vida humana e a civilização depois que Al Gore publicou seu primeiro livro sobre o clima do que em todos os séculos – ou milênios – anteriores. As Nações Unidas propuseram uma série de protocolos sobre o clima em 1992, inequivocamente informando ao mundo do consenso científico: isso significa que já engendramos mais destruição de caso pensado do que por ignorância. O aquecimento global pode parecer uma prolongada lição de moral se desenrolando ao longo de vários séculos e infligindo uma espécie de represália bíblica aos trinetos dos responsáveis, uma vez que a queima de carbono na Inglaterra do século XVIII representa o estopim de tudo que veio depois. Mas essa fábula sobre perfídia histórica absolve – injustamente – nós que vivemos hoje. A maior parte da queima de carbono ocorreu desde a estreia de Seinfeld. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a proporção é de cerca de 85%. A história da missão camicase do mundo industrial se passa ao longo de uma única vida – o planeta levado da aparente estabilidade à catástrofe iminente nos anos transcorridos entre o batismo ou Bar Mitzvá e o funeral.
Conhecemos bem essa geração. Quando meu pai nasceu, em 1938 – entre suas primeiras lembranças, as notícias de Pearl Harbor e a mítica Força Aérea dos filmes de propaganda industrial que vieram em seguida –, o sistema climático parecia, para a maioria dos observadores humanos, estável. Os cientistas haviam compreendido o efeito estufa e de que maneira o carbono produzido pela queima de madeira, carvão e petróleo podia esquentar o planeta e desequilibrar tudo o que nele vive, por três quartos de século. Mas ainda não tinham visto para valer o efeito, o que o fez parecer menos um fato observável do que uma profecia sombria, a se cumprir somente num futuro distante – talvez nunca. Quando meu pai morreu, em 2016, semanas após a assinatura desesperada do Acordo de Paris, o sistema climático resvalava para a devastação, transgredindo o limiar da concentração de carbono – 400 partes por milhão na atmosfera terrestre, no linguajar sinistramente banal da climatologia –, que fora, por anos, a linha vermelho–vivo traçada pelos cientistas ambientais diante do avanço destrutivo da indústria moderna, que dizia “Proibido passar”. Claro, isso não nos deteve: apenas dois anos depois, atingimos uma média mensal de 411 partes por milhão, e a culpa impregnou o ar do planeta tanto quanto o carbono, embora preferíssemos acreditar que não a respirávamos.
Essa foi também a geração de minha mãe: nascida em 1945, filha de imigrantes judeus alemães que escaparam dos fornos onde seus parentes foram incinerados, e agora gozando de seus 73 anos em um paraíso americano de bens de consumo, sustentado pelas fábricas de um mundo em desenvolvimento que manufaturou para si, também no espaço de uma única vida, um lugar na classe média global, com todas as tentações consumistas e todos os benefícios dos combustíveis fósseis que vêm com a ascensão: eletricidade, carros particulares, viagens aéreas, carne vermelha. Ela fumou por 58 anos, sempre cigarros sem filtro, que hoje compra da China, aos pacotes.
É também a geração de muitos cientistas que soaram o alarme sobre a mudança climática pela primeira vez, alguns deles, por incrível que pareça, ainda hoje na ativa – tal a rapidez com que chegamos a este promontório. Roger Revelle, o primeiro a anunciar que o planeta estava aquecendo, morreu em 1991, mas Wallace Smith Broecker, que ajudou a popularizar o termo “aquecimento global”, ainda sai de casa no Upper West Side e pega o carro para trabalhar todo dia no Observatório da Terra Lamont-Doherty, na margem oposta do Hudson, às vezes parando para comprar o almoço num velho posto de gasolina em Jersey recentemente convertido numa lanchonete hipster;[1] na década de 70, sua pesquisa era subsidiada pela Exxon, uma companhia que atualmente é alvo de uma batelada de processos visando atribuir a responsabilidade pelo regime de emissões galopante que hoje, a não ser que haja uma mudança de rumos no uso de combustíveis fósseis, ameaça tornar partes do planeta mais ou menos impróprias para os humanos até o fim do século. É nesse curso que seguimos alegremente a passos céleres – para mais de 4ºC de aquecimento até o ano de 2100. Segundo algumas estimativas, isso significaria que regiões inteiras da África, da Austrália e dos Estados Unidos, partes da América do Sul ao norte da Patagônia e da Ásia ao sul da Sibéria ficariam inabitáveis devido ao calor direto, à desertificação e às inundações. Certamente isso as tornaria inóspitas, assim como muitas outras regiões. Esse é o nosso itinerário, é a base de onde partimos. Porque, se o planeta foi levado à beira da catástrofe climática no tempo de vida de uma geração, a responsabilidade por evitá-la recai sobre uma única geração, também. E sabemos de qual geração estamos falando. Da nossa.
Não sou ambientalista, tampouco me vejo como alguém particularmente ligado à natureza. Morei a vida toda na cidade, desfrutando dos aparelhos construídos por redes de abastecimento industriais a respeito dos quais pouco penso, se é que penso. Nunca acampei, pelo menos não sem ser obrigado, e embora sempre tenha achado que é basicamente uma boa ideia manter os rios limpos e o ar puro, também sempre admiti ser verdade que há um jogo de perde e ganha entre crescimento econômico e custo para a natureza – e, bem, penso que, na maioria dos casos, eu provavelmente ficaria com o crescimento. Não chegaria ao ponto de matar pessoalmente uma vaca para comer um hambúrguer, mas também não tenho planos de virar vegano. Eu tendo a pensar que, se você está no topo da cadeia alimentar não tem problema bancar o maioral, porque não acho tão complicado traçar uma delimitação moral entre nós e os outros animais, e na verdade considero ofensivo para as mulheres e pessoas de cor que de uma hora para outra ouçamos falar de estender a proteção legal dos direitos humanos para chimpanzés, macacos e polvos, apenas uma geração ou duas após finalmente termos quebrado o monopólio do macho branco sobre o status legal da pessoa humana. Nesses aspectos – em muitos deles, pelo menos –, sou como qualquer outro americano que passou a vida fatalmente complacente e obstinadamente iludido a respeito da mudança climática, que é não apenas a maior ameaça que a vida humana no planeta já enfrentou, como também uma ameaça de categoria e escala totalmente diferentes. Isto é, a escala da própria vida humana.
Há alguns anos, comecei a juntar reportagens sobre a mudança climática, muitas delas aterrorizantes, fascinantes, esquisitas, em que mesmo as sagas mais modestas se desenrolavam como fábulas: um grupo de cientistas árticos aprisionados quando o gelo derreteu e isolou seu centro de pesquisa, numa ilha povoa-da também por um grupo de ursos polares; um menino russo morto pelo antraz liberado da carcaça de uma rena descongelada, que ficara aprisionada no permafrost, a camada de gelo permanente em regiões frias, por muitas décadas. No começo, parecia que o noticiário estava inventando um novo gênero de alegoria. Mas é claro que a mudança climática não é uma alegoria.
A partir de 2011, cerca de 1 milhão de refugiados sírios foram despejados na Europa por uma guerra civil inflamada pela mudança climática e pela seca – e num sentido bastante real, grande parte do “momento populista” que o Ocidente atravessa hoje é resultado do pânico produzido pelo choque dessas migrações. A provável inundação de Bangladesh ameaça decuplicar, senão mais, a quantidade de migrantes, a ser assimilada por um mundo ainda mais desestabilizado pelo caos climático – e, desconfio, tanto menos receptivo quanto mais escura for a pele dos necessitados. E depois haverá os refugiados da África subsaariana, da América Latina e do resto da Ásia Meridional – 140 milhões em 2050, estima o Banco Mundial, ou seja, mais de cem vezes a “crise” síria da Europa.
As projeções das Nações Unidas são mais sombrias: 200 milhões de refugiados do clima até 2050. Duzentos milhões era toda a população mundial no auge do Império Romano, se você conseguir imaginar cada pessoa que habitava algum lugar do planeta nessa época sendo despojada de seu lar e forçada a sair vagando por territórios hostis em busca de um novo lugar para morar. O ponto extremo do que pode ocorrer nos próximos trinta anos, dizem as Nações Unidas, é consideravelmente pior: “Um bilhão ou mais de pobres vulneráveis com pouca opção além de lutar ou fugir.” Um bilhão ou mais. Isso é mais gente do que a população atual das Américas do Norte e do Sul combinadas; era a população mundial total até tão recentemente quanto 1820, quando a Revolução Industrial ia a pleno vapor. O que sugere que seria mais correto conceber a história não como uma procissão de anos avançando deliberadamente numa linha do tempo, mas como um balão de crescimento populacional em expansão, a humanidade se dilatando sobre o planeta quase a ponto do eclipse total. Um motivo para as emissões de carbono terem acelerado tanto na última geração também explica por que a história parece estar caminhando bem mais rápido, com tantas novas coisas ocorrendo, em todos os lugares, todo ano: é o que acontece quando simplesmente há gente demais por aí. Conforme alguém já calculou, 15% de toda a experiência humana ao longo da história pertencem a pessoas que estão vivas neste mesmo instante, cada uma delas deixando sua pegada de carbono sobre a Terra.
Esses dados sobre refugiados estão no ponto extremo das estimativas produzidas há alguns anos por grupos de pesquisa criados para chamar a atenção para uma causa ou cruzada particular; os números reais quase certamente não corresponderão a eles, e os cientistas tendem a fazer projeções na casa de dezenas de milhões, não de centenas de milhões. Mas o fato de esses números maiores serem apenas o teto do que é mais provável não deveria nos induzir à complacência; quando descartamos os piores cenários possíveis, nossa percepção dos resultados mais prováveis fica distorcida e passamos a encará-los como cenários catastróficos demais para levarmos em consideração em nossos planos. Estimativas extremas estabelecem as fronteiras do que é possível, entre as quais podemos conceber melhor o que é provável. E talvez elas até se revelem um guia melhor, considerando que os otimistas, no meio século de ansiedade climática que já enfrentamos, jamais estiveram certos.
Meu arquivo de matérias crescia diariamente, mas muito poucos recortes, mesmo os tirados de pesquisas recentes publicadas nos periódicos científicos mais prestigiados, pareciam figurar na cobertura sobre a mudança climática a que o país assistia na tevê e lia nos jornais. Nesses lugares, a mudança climática era noticiada, claro, e até em tons alarmistas. Mas a discussão sobre os possíveis efeitos era enganadoramente estreita, limitada quase sempre à questão da elevação do nível do mar. No final das contas, a cobertura da imprensa era otimista, o que não deixava de ser preocupante. Há não muito tempo, em 1997, ano em que foi firmado o famoso Protocolo de Kyoto, 2ºC de aquecimento global era considerado o limiar da catástrofe: cidades inundadas, secas destrutivas e ondas de calor, um planeta castigado diariamente por furacões e monções que costumávamos chamar de “desastres naturais”, mas que em breve assumirão o caráter mais normal de “clima ruim”. Mais recentemente, o ministro de Relações Exteriores das Ilhas Marshall sugeriu outro nome para esse nível de aquecimento: “genocídio”.
São poucas as chances de evitarmos esse cenário. O Protocolo de Kyoto deu em quase nada; nos vinte anos transcorridos desde então, a despeito de todo nosso proselitismo climático e da legislação e do progresso na produção de energia verde, geramos mais emissões do que nos vinte anos anteriores. Em 2016, o Acordo de Paris estabeleceu 2ºC como uma meta global, e, segundo os nossos jornais, esse nível de aquecimento continua sendo o cenário mais assustador que nosso senso de responsabilidade nos obriga a considerar; poucos anos depois, quando nenhuma nação industrial parece a caminho de cumprir as promessas feitas em Paris, 2ºC está mais para o melhor resultado possível, e no momento improvável, com toda uma curva de distribuição normal de possibilidades mais apavorantes estendendo-se além desse limite, e contudo discretamente ocultas dos olhos do público.
Para os que nos trazem essas notícias sobre o clima, tais possibilidades apavorantes – e o fato de que desperdiçáramos nossa chance de ficar em algum ponto na metade boa da curva – tornaram-se de alguma forma improváveis. As razões são inúmeras, e tão frágeis que parece melhor chamá-las de impulsos. Optamos por não discutir um mundo 2ºC mais quente por questão de etiqueta, talvez; ou simples medo; ou medo de apregoar o medo; ou fé tecnocrática, que é na realidade a fé no mercado; ou deferência a debates partidários ou mesmo prioridades partidárias; ou ceticismo com a esquerda ambiental, do tipo que sempre alimentei; ou desinteresse pelo destino de ecossistemas remotos, como sempre tive. Ficamos confusos sobre a ciência e seus muitos termos técnicos e números difíceis de digerir, ou pelo menos intuímos que os outros ficariam facilmente confusos com a ciência e seus muitos termos técnicos e números difíceis de digerir. Demoramos a captar a velocidade da mudança, ou somos dotados de uma convicção quase conspiratória na responsabilidade das elites globais e suas instituições, ou de obediência a essas elites e suas instituições, seja lá o que pensemos delas. Talvez tenhamos sido incapazes de confiar de fato em projeções mais assustadoras porque acabávamos de ouvir falar no aquecimento, pensamos, e as coisas não poderiam ter piorado tanto desde o lançamento de Uma Verdade Inconveniente;[2] ou porque gostávamos de andar de carro e comer filé e viver da forma como vivíamos em todos os demais aspectos e não queríamos queimar muitos neurônios pensando nisso; ou por nos sentirmos tão “pós–industriais”, não conseguíamos acreditar que nosso alento continuava a vir das fornalhas de combustível fóssil. Talvez fosse a nossa capacidade doentia, quase sociopata, de transformar más notícias em “normalidade”, ou porque olhávamos pela janela e as coisas pareciam boas como sempre. Porque estávamos de saco cheio de escrever, ou ler, a mesma notícia repetidas vezes, porque o clima, sendo tão global e portanto não tribal, sugeria apenas as políticas mais cafonas, porque ainda não avaliávamos como ele devastaria completamente nossas vidas e porque, egoístas que somos, não nos importávamos em destruir o planeta para outros vivendo em outras partes ou os ainda não nascidos que o herdariam, indignados. Porque tínhamos fé demasiada na forma teleológica do mundo e na flecha do progresso humano para encarar a ideia de que o arco da história se curvaria na direção de tudo, menos da justiça ambiental. Porque nos momentos de maior franqueza em relação a nós mesmos já pensávamos no mundo como uma competição por recursos de soma zero e acreditávamos que, acontecesse o que acontecesse, a vitória provavelmente continuaria sendo nossa, ao menos em termos relativos, dados os privilégios de classe e nossa sorte na loteria do nascimento. Talvez estivéssemos apavorados demais com nossos próprios empregos e nossa economia para esquentar a cabeça com o futuro do emprego e da economia; ou talvez tivéssemos um medo real de robôs ou estivéssemos ocupados demais olhando para a tela de nossos celulares novos; ou talvez, por mais que enxerguemos o reflexo do apocalipse em nossa cultura e tomemos o caminho do pânico em nossa política, somos influenciados por um viés otimista no que diz respeito ao panorama mais geral; ou, na verdade, sabe-se lá por que – há tantos aspectos do caleidoscópio climático que transformam nossas intuições acerca da devastação ambiental numa complacência inexplicável, que é difícil focalizar o retrato completo da distorção climática. Mas simplesmente não queríamos, não podíamos ou, seja como for, nos recusamos a encarar a ciência de frente.
O que diz a ciência do aquecimento? A pesquisa é complicada, porque está assentada sobre duas camadas de incerteza: o que os humanos vão fazer, sobretudo em termos de emissão de gases de efeito estufa, e como o clima vai reagir, tanto em termos do aquecimento puro e simples como de uma variedade de ciclos de retroalimentação mais complicados e, às vezes, contraditórios. Mas, mesmo obscurecida por essas faixas de incerteza, a pesquisa continua sendo bem clara, na verdade assustadoramente clara. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas oferece o padrão-ouro das avaliações sobre o estado do planeta e a trajetória provável da mudança climática – padrão-ouro, em parte, porque é conservador, integrando apenas as novas pesquisas que estão acima de qualquer controvérsia. Um novo relatório é esperado para 2022, mas o mais recente afirma que, tomando logo uma atitude sobre as emissões de carbono e instituindo imediatamente os compromissos feitos, mas ainda não implementados, no Acordo de Paris, é provável que cheguemos a 3,2ºC de aquecimento, ou cerca de três vezes o aquecimento do planeta desde o início da industrialização –, trazendo o impensável colapso das calotas polares não só ao plano da realidade, mas à realidade presente. Com isso ficariam inundadas não só Miami e Daca, como também Xangai e Hong Kong, além de uma centena de outras cidades pelo mundo todo. Acredita-se que o ponto de virada desse colapso sejam os 2ºC, mais ou menos; segundo diversos estudos recentes, mesmo a rápida interrupção das emissões de carbono ocasionaria um aquecimento nesse patamar até o fim do século.
As ameaças da mudança climática não cessam em 2100 só porque a maioria dos modelos, por convenção, não vai além desse ponto. É por isso que alguns estudiosos do aquecimento global chamam os próximos cem anos de o “século infernal”. A mudança climática é rápida – mais rápida, ao que tudo indica, do que nossa capacidade de perceber e admiti-la; mas é também mais longa, quase tanto quanto podemos realmente imaginar.
Ao ler sobre aquecimento, com fre-quência topamos com analogias extraídas do registro planetário: a última vez que o planeta ficou esse tanto mais quente, logicamente se infere, o nível do mar estava aqui. Essas condições não são coincidências. O nível do mar estava ali porque o planeta estava aquele tanto mais quente, basicamente, e o registro geológico é o melhor modelo que temos para compreender o intrincado sistema climático e estimar com precisão quanta destruição decorre de uma temperatura elevada em 2ºC, 4ºC ou 6ºC. Por isso, é particularmente preocupante que a pesquisa recente sobre a história profunda do planeta sugira que nossos atuais modelos climáticos podem estar subestimando a quantidade de aquecimento esperado para 2100 em pelo menos 50%. Em outras palavras, as temperaturas poderiam subir, em última análise, até o dobro do previsto pelo IPCC. Mesmo cumprindo as metas de emissão de Paris, ainda poderemos chegar a 4ºC de aquecimento, o que produziria um Saara verde e a transformação das florestas tropicais do mundo em savanas dominadas por incêndios. Os autores de um estudo recente sugeriram que o aquecimento poderia ser ainda mais dramático – a diminuição drástica de nossas emissões ainda assim nos conduziria a 4ºC ou 5ºC, um cenário que, segundo eles, ofereceria graves riscos à habitabilidade do planeta. Eles o chamaram de “Terra Estufa”.
Por esses números serem tão pequenos, tendemos a trivializar as diferenças entre eles – um, dois, quatro. A experiência e a memória humanas não oferecem uma boa analogia para o modo como deveríamos pensar sobre esses limiares, mas, como no caso de conflitos militares mundiais ou do câncer, você não quer ver nenhum deles. Com 2ºC, as calotas polares começarão a se desmanchar, mais 400 milhões de pessoas sofrerão com a escassez de água, cidades importantes na faixa equatorial do planeta se tornarão inabitáveis e mesmo em latitudes mais setentrionais as ondas de calor matarão milhares de pessoas todo verão. Haveria 32 vezes mais ondas extremas de calor na Índia e cada uma duraria cinco vezes mais, atingindo uma quantidade 93 vezes maior de pessoas. Esse é o nosso melhor cenário. Com 3ºC, a Europa Meridional viverá uma seca permanente, e a seca média na América Central duraria dezenove meses a mais e, no Caribe, 21 meses a mais. No Norte da África, a quantidade é sessenta meses a mais – cinco anos. As áreas queimadas por incêndios florestais todo ano dobrariam no Mediterrâneo e sextuplicariam, ou mais, nos Estados Unidos. Com 4ºC, haveria 8 milhões de novos casos de dengue todo ano só na América Latina e algo como crises alimentares anuais no mundo todo. A mortalidade ligada ao calor poderia aumentar em 9%. Danos causados por enchentes de rios aumentariam trinta vezes em Bangladesh, vinte vezes na Índia e sessenta vezes no Reino Unido. Em alguns lugares, seis desastres naturais provocados pelo clima poderiam ocorrer ao mesmo tempo, e, globalmente, os prejuízos passariam dos 600 trilhões de dólares – mais riqueza do que há no mundo hoje. Os conflitos e guerras poderiam duplicar.
Mesmo se mantivermos o aumento da temperatura do planeta abaixo dos 2ºC até 2100, ficaremos com uma atmosfera contendo 500 partes por milhão de carbono – talvez mais. A última vez que isso aconteceu, há 16 milhões de anos, o mundo não estava 2ºC mais quente; e sim em algum ponto entre 5ºC e 8ºC, causando uma elevação no nível dos ocea-nos de aproximadamente 40 metros, o suficiente para recortar uma nova Costa Leste nos Estados Unidos na altura da rodovia I-95 [que vai da Flórida ao Maine, na fronteira com o Canadá]. Alguns processos levam milhares de anos para acontecer, mas também são irreversíveis, e portanto na prática permanentes. Se você ainda tem esperanças de que a mudança climática possa ser revertida por nós, é melhor tirar o cavalinho da chuva. Está fora do nosso alcance.
É isso em parte que faz dela algo que o teórico Timothy Morton chama de “hiperobjeto” – um fato conceitual tão grande e complexo que, como a internet, nunca será plenamente compreendido. A mudança climática tem muitos aspectos – seu tamanho, abrangência e contundência – que, isolados, satisfazem essa definição; juntos, podem elevá–la a uma categoria conceitual ainda mais complexa e incompreensível. Mas o tempo talvez seja o aspecto mais desafiador para o nosso entendimento, as piores consequências ocorrendo numa época tão distante que, num ato reflexo, não consideramos que possam ser reais.
Contudo, essas consequências prometem zombar de nós e de nossa percepção da realidade. Os dramas ecológicos desencadeados por nosso uso da terra e a queima de combustíveis fósseis – lentamente, por cerca de um século, e muito rapidamente, por apenas algumas décadas – continuarão a se desenrolar ao longo de muitos milênios, na verdade por um período de tempo maior do que a presença dos seres humanos no planeta, e a ser vividos em parte por criaturas e em ambientes que ainda não conhecemos, trazidos ao palco planetário pela força do aquecimento. E assim, numa barganha cognitiva conveniente, decidimos considerar a mudança climática apenas como ela se apresentará neste século. Em 2100, afirmam as Nações Unidas, caminhamos para os 4,5ºC de aquecimento, se continuarmos no rumo em que estamos hoje. Ou seja, mais distante do proposto em Paris do que os 2ºC limites da catástrofe, o que significa mais do que o dobro.
Como escreveu Naomi Oreskes, há incertezas demais em nossos modelos para que possamos extrair das suas predições uma lei incontestável. Uma simples simulação repetida muitas vezes com os atuais modelos climáticos, como Gernot Wagner e Martin Weitzman fazem em seu livro Choque Climático, resulta numa chance de 11% de excedermos os 6ºC. Trabalho recente de William Nordhaus, Prêmio Nobel de Economia, sugere que um crescimento econômico acima do previsto significa uma probabilidade maior do que um para três de que nossas emissões ultrapassarão o pior cenário usado como base de referência pelas Nações Unidas, que leva em consideração as condições atuais de crescimento. Em outras palavras, uma elevação da temperatura em 5ºC ou possivelmente mais.
O ponto mais extremo da estimativa de probabilidade de 2014 das Nações Unidas para um cenário inalterado de fim de século – o pior cenário resultado do pior cenário de emissões – nos deixa em 8ºC de aumento. Nessa temperatura, seres humanos no Equador e nos trópicos não conseguiriam sair de casa sem colocar a vida em risco.
Em um mundo 8ºC mais quente, os efeitos do calor direto seriam o menor dos problemas: os oceanos acabariam aumentando mais de 60 metros, inundando dois terços das principais cidades do mundo; não haveria terras no planeta capazes de produzir com eficiência a quantidade de alimentos que consumimos hoje; as florestas seriam varridas por tempestades de fogo e as costas assoladas por furacões cada vez mais intensos; o capuz sufocante das doenças tropicais se estenderia para o norte e abrangeria partes do que hoje chamamos de Ártico; provavelmente, cerca de um terço do planeta ficaria inabitável pelo calor direto; e as secas e ondas de calor intoleráveis e sem precedentes que enfretamos hoje passariam a ser condição cotidiana dos seres humanos sobreviventes.
É bem provável que evitemos os 8ºC de aquecimento; de fato, diversos artigos científicos recentes sugerem que o clima está na verdade menos sensível a emissões do que imaginávamos e que mesmo o teto das condições atuais nos levaria a cerca de 5ºC até o fim do século, parando possivelmente lá pelos 4ºC. Mas 5ºC é quase tão impensável quanto 8ºC, e 4ºC não é muito melhor: o mundo num déficit de comida permanente, os Alpes tão áridos quanto a cordilheira do Atlas.
Entre esse cenário e o mundo em que vivemos hoje, há apenas a questão em aberto da reação humana. Uma nova fornada de aquecimento extra já está para sair, graças aos lentos processos pelos quais o planeta se adapta aos gases de efeito estufa. Mas todas essas alternativas projetadas com base no presente – até 2ºC, 3ºC, 4ºC, 5ºC ou mesmo 8ºC – serão determinadas preponderantemente pelo que decidirmos fazer hoje. Não há nada que nos impeça de evitar os 4ºC além de nossa vontade de mudar de rumo, algo que ainda estamos por manifestar. Porque o planeta é tão grande e ecologicamente diverso; porque os seres humanos se revelaram uma espécie adaptável e provavelmente continuarão a se adaptar para superar uma ameaça letal; e porque os efeitos devastadores do aquecimento em breve ficarão extremos demais para serem ignorados, ou negados, se é que já não são: por causa disso tudo, é pouco provável que a mudança climática torne o planeta realmente inabitável. Mas, se não fizermos nada quanto às emissões de carbono, se os próximos trinta anos de atividade industrial deixarem como rastro o mesmo arco ascendente dos últimos trinta anos, até o fim deste século regiões inteiras se tornarão inabitáveis por quaisquer padrões que tenhamos atualmente.
Anos atrás, Edward O. Wilson propôs um termo, “Meia Terra”, para nos ajudar a pensar num modo de conviver com as pressões de um clima em transformação, permitindo que a natureza siga seu curso reabilitador em metade do planeta e isolando a humanidade na outra metade habitável do mundo. A fração pode ser ainda menor do que isso, consideravelmente menor, e não por opção; o subtítulo do livro Half-Earth era Our Planet’s Fight for Life [A Luta de Nosso Planeta pela Vida]. Em escalas de tempo maiores, o resultado ainda mais desalentador também é possível – as trevas engolindo o planeta habitável à medida que o crepúsculo dos seres humanos se aproxima.
Seria necessária uma espetacular coincidência de más escolhas e má sorte para tornar esse tipo de “Terra Nenhuma” uma possibilidade ainda em nossa geração. Mas o fato de que trouxemos a eventualidade do pesadelo à baila talvez seja o fato cultural e histórico mais significativo da era moderna – o que os historiadores do futuro provavelmente estudarão sobre nós e algo que teríamos esperado também que as gerações anteriores tivessem tido a antevisão de abordar. Seja lá o que façamos para deter o aquecimento, e por mais agressivamente que ajamos para nos proteger de seus danos, teremos vislumbrado a perspectiva da devastação da espécie humana – suficientemente de perto para enxergar com clareza como seria e saber, com algum grau de precisão, qual o preço a ser pago por nossos filhos e netos. Perto o bastante, na verdade, para que já comecemos a sentir seus efeitos, quando não lhes damos as costas.
É quase difícil acreditar que tanta coisa já aconteceu, e com tanta rapidez. No fim do verão de 2017, três grandes furacões se formaram de uma só vez no Atlântico, avançando inicialmente ao longo da mesma rota, como batalhões de um exército em marcha. O furacão Harvey, quando atingiu Houston, trouxe um aguaceiro de proporções tão épicas que foi descrito em algumas áreas como “um evento que acontece a cada 500 mil anos” – ou seja, devemos esperar essa quantidade de chuva caindo na região periodicamente a cada meio milhão de anos.
Consumidores sofisticados do noticiário ambiental já perceberam que a mudança climática costuma esvaziar de significado termos como esses, criados para descrever tempestades com chance de 1 em 500 mil de acontecer num dado ano. Mas nesse sentido os números de fato ajudam: refrescam nossa memória de como o aquecimento global já nos distanciou de qualquer marco de desastre natural que nossos avós teriam reconhecido. Para ficar apenas por um momento no número mais prosaico de quinhentos anos, corresponderia a uma tempestade ocorrida uma única vez durante toda a história do Império Romano. Há quinhentos anos, não havia povoamentos ingleses do outro lado do Atlântico, então estamos falando de uma tempestade que caísse apenas uma vez depois que os europeus chegaram e fundaram colônias; que os colonos lutaram numa revolução e os americanos, em uma guerra civil e duas guerras mundiais; que seus descendentes estabeleceram um império de algodão nas costas de escravos, libertaram-nos e então brutalizaram seus descendentes; que, primeiro industrializados e depois pós-industrializados, triunfaram na Guerra Fria, anunciaram o “fim da história” e testemunharam, apenas uma década depois, seu retorno dramático. Uma tempestade por vez: é o que o registro meteorológico nos ensinou a esperar. Só uma. O furacão Harvey foi a terceira inundação em quinhentos anos a atingir Houston desde 2015. E em alguns lugares, a tempestade caiu com uma intensidade que deveria ser mil vezes ainda mais rara.
Nessa mesma temporada, um furacão atlântico atingiu a Irlanda, 45 milhões abandonaram suas casas inundadas no sul da Ásia e incêndios sem precedentes renderam uma safra de cinzas à Califórnia. E depois havia toda uma nova categoria de pesadelo cotidiano, a mudança climática inventando a categoria outrora inimaginável de desastres naturais obscuros – crises tão imensas que no passado teriam sido parte do folclore por séculos, hoje, ao passar por nosso horizonte, são ignoradas, subestimadas ou esquecidas. Em 2016, uma “inundação em mil anos” submergiu a pequena cidade de Ellicott City, no estado de Maryland, para dar só um exemplo tirado quase ao acaso; depois disso, dois anos mais tarde, na mesma cidade, houve outra. Em uma semana, no verão de 2018, dezenas de lugares no mundo todo foram atingidos por ondas de calor recorde, de Denver a Burlington e Ottawa; de Glasgow a Shannon e Belfast; de Tbilissi, na Geórgia, e Erivan, na Armênia, a faixas inteiras da Rússia meridional. No mês anterior, a temperatura durante o dia de uma cidade em Omã bateu na casa dos 50ºC e em nenhum momento à noite esteve abaixo dos 42ºC, e no Quebec, Canadá, 54 pessoas morreram com o calor. Na mesma semana, cem grandes incêndios florestais devastaram o Oeste americano, incluindo o fogo na Califórnia que consumiu 4 mil acres num só dia, e outro, no Colorado, que produziu uma erupção de chamas de 90 metros, como um vulcão, engolindo todo um loteamento residencial e levando à invenção de um novo termo, “tsunami de fogo”. Do outro lado do planeta, chuvas bíblicas inundaram o Japão, onde 1,2 milhão de pessoas foram evacuadas de suas casas. Mais tarde nesse verão, o tufão Mangkhut forçou a evacuação de 2,45 milhões de pessoas da China continental, na mesma semana em que o furacão Florence atingiu os estados da Carolina do Norte e da Carolina do Sul, transformando brevemente a cidade portuária de Wilmington em uma ilha e cobrindo grandes partes do estado com excremento de porco e cinza de carvão. Ao longo de sua rota, os ventos do Florence geraram dezenas de tornados pela região. No mês anterior, na Índia, o estado de Kerala fora atingido pelas piores inundações em quase cem anos. Em outubro daquele ano, um furacão no Pacífico varreu completamente a East Island, no Havaí, do mapa. E em novembro, que tradicionalmente marca o início da temporada de chuvas na Califórnia, o estado foi atingido pelo incêndio mais mortífero de sua história – o “Camp Fire”, que consumiu centenas e centenas de quilômetros quadrados nos arredores da cidade de Chico, matando dezenas e deixando muitos mais desaparecidos em um lugar chamado, proverbialmente, Paradise. A devastação foi tão absoluta que pudemos quase esquecer do “Woolsey Fire”, que ardia nessa mesma época bem perto de Los Angeles e forçou a evacuação súbita de 170 mil moradores.
É tentador olhar para essa sequência de desastres e pensar: a mudança climática chegou. E uma reação que temos ao ver coisas previstas há muito tempo realmente acontecendo é sentir que adentramos uma nova era, em que tudo mudou. Na verdade, foi assim que o ex-governador da Califórnia, Jerry Brown, descreveu o estado de coisas em plena crise de incêndios florestais no estado: “o novo normal”.
Mas a verdade é bem mais assustadora. Isto é, o fim do normal; nunca mais o normal. Já abandonamos o estado de condições ambientais que permitiu ao animal humano evoluir, numa aposta incerta e imprevista do que esse animal é capaz de suportar. O sistema climático sob o qual fomos criados, assim como foi criado tudo que entendemos hoje por cultura humana e civilização, agora está, como o pai ou a mãe de alguém, morto. O sistema climático visto nos últimos anos, que tem castigado o planeta repetidas vezes, não é uma prévia do nosso futuro sombrio. Seria mais preciso dizer que é fruto de nosso passado climático recente, já sumindo em nosso retrovisor no lixo da nostalgia ambiental. Não existe mais esse negócio de “desastre natural”, mas as coisas não vão piorar, simplesmente; tecnicamente falando, já pioraram. Mesmo que, por um milagre, os seres humanos deixassem imediatamente de emitir carbono, continuaríamos fadados a algum aquecimento extra só por causa de tudo que já despejamos no ar. E é claro que, seguindo com o aumento das emissões globais, estamos muito longe de zerar o carbono e portanto muito longe de deter a mudança climática. A devastação a torto e a direito que vemos hoje supera as expectativas do melhor cenário para o aquecimento e todos os desastres climáticos que ele trará.
Ou seja, não se trata de um novo equilíbrio, muito longe disso. Está mais para o pé para fora na prancha do navio pirata. Talvez devido ao exaustivo debate falacioso sobre se a mudança climática é “real”, muitos de nós desenvolvemos uma impressão ilusória de que seus efeitos são binários. Mas o aquecimento global não é um “sim” ou “não”, tampouco é “o clima ficar para sempre como está” ou o “apocalipse iminente”. É uma função que piora com o tempo conforme continuamos a produzir gases de efeito estufa. E assim a experiência de viver em um clima transformado pela atividade humana não é apenas questão de passar de um ecossistema estável a outro relativamente pior, a despeito de como o sistema climático está degradado ou quanto é destrutivo. Os efeitos vão crescer e se agravar à medida que o planeta esquentar: de 1ºC para 1,5ºC e quase certamente 2ºC e além. Os últimos anos de desastres climáticos podem levar a crer que o planeta está no limite. Na verdade, mal adentramos esse admirável mundo novo, que cede sob nós assim que pisamos nele.
Muitos desses novos desastres chegaram acompanhados do debate sobre a causa – até que ponto o que fizeram conosco é resultado do que fizemos ao planeta. Para os que esperam compreender exatamente como um furacão monstruoso se forma em um plácido oceano, esses questionamentos valem a pena, mas, para todos os propósitos práticos, o debate não oferece nenhum real significado ou insight. Um determinado furacão talvez deva 40% de sua força ao aquecimento global antropogênico, os atuais modelos podem sugerir, e uma determinada seca talvez seja 50% pior do que outra teria sido no século XVII. Mas a mudança climática não é uma pista discreta que podemos encontrar na cena de um crime local – um furacão, uma onda de calor, uma fome, uma guerra aqui e ali. O aquecimento global não é um perpetrador; ele é uma conspiração. Vivemos todos sob o clima e todas as mudanças que produzimos nele, que englobam a nós todos e a tudo que fazemos. Se a probabilidade de furacões com certa força hoje é cinco vezes maior do que no Caribe pré-colombiano, é simplório, quase trivial, discutir se esse ou aquele foi “causado pelo clima”. Todos os furacões hoje são desencadeados nos sistemas climáticos que arruinamos a seu favor, e é por isso que existe maior quantidade deles, e eles estão mais fortes. O mesmo se pode dizer dos incêndios florestais: esse ou aquele pode ser “causado” por um churrasco familiar ou um cabo de luz partido, mas cada incêndio é mais rápido, extenso e duradouro graças ao aquecimento global, que não dá descanso para a temporada de incêndios. A mudança climática não é uma coisa acontecendo aqui ou ali, mas por toda parte e simultaneamente. A menos que decidamos pará-la, nunca vai cessar.
Ao longo das últimas décadas, o termo “Antropoceno” deixou o discurso acadêmico e penetrou na imaginação popular – um nome dado à era geológica na qual vivemos hoje e uma maneira de sinalizar que é uma nova era, definida no gráfico da história profunda pela intervenção humana. Um problema com o termo é que implica uma certa conquista da natureza, ecoando até mesmo a versão bíblica do domínio da humanidade sobre o mundo natural. E, por mais otimista e ingênuo que você possa ser acerca da afirmação de que já devastamos o mundo natural, o que sem sombra de dúvida fizemos, é completamente diferente achar que apenas o provocamos, engendrando primeiro por ignorância e depois por negação um sistema climático que agora entrou em guerra conosco por muitos séculos, talvez até a nossa destruição. É isso que Wally Broecker, o venerável oceanógrafo, quis dizer quando chamou o planeta de “bicho bravo”. Mas “máquina de guerra” também serviria. A cada dia lhe damos mais munição.
Os ataques não serão discretos – isso é outra ilusão climática. Na verdade, produzirão um novo tipo de violência em cascata, avalanches e cataratas de devastação, o planeta castigado vezes e vezes sem conta, com intensidade crescente e de maneiras que se alimentam entre si e minam nossa capacidade de reação, erradicando grande parte da paisagem que sempre encaramos naturalmente, durante séculos, como a fundação estável sobre a qual caminhamos, construímos casas e rodovias, conduzimos nossas crianças da escola à vida adulta com a promessa de segurança – e subvertendo a promessa de que o mundo que engendramos e ergue-mos para nós, usando a natureza, também nos protegerá dela, em vez de conspirar com o desastre contra seus criadores.
Considere os incêndios na Califórnia. Em março de 2018, o condado de Santa Barbara emitiu ordens de evacuação obrigatória para os moradores de Montecito, Goleta, Santa Barbara, Summerland e Carpinteria – onde os incêndios de dezembro de 2017 haviam sido os piores da história. Era a quarta ordem de evacuação precipitada por um evento climático no condado em apenas três meses, mas só a primeira fora devido ao fogo. As outras foram por causa de deslizamentos propiciados pelo fogo, uma das comunidades mais chiques no estado mais glamouroso do país mais poderoso do mundo de pernas para o ar com o temor de que seus vinhedos de estimação e os estábulos de seus cavalinhos, suas praias cinco estrelas e escolas públicas modelo pudessem ser inundados por rios de lama, a comunidade tão completamente devastada quanto os extensos campos de barracos provisórios que abrigam os refugiados rohingya de Mianmar na região de monções de Bangladesh. E foram. Mais de uma dúzia de pessoas morreu, incluindo uma criança pequena que foi arrastada pela lama e levada por quilômetros encosta abaixo até o mar; escolas fecharam e rodovias ficaram alagadas, obstruindo as rotas dos veículos de emergência e deixando a comunidade ilhada por um mar de lama.
Algumas cascatas climáticas serão globais – cascatas tão imensas que seus efeitos parecerão, pela curiosa prestidigitação da mudança ambiental, imperceptíveis. Um planeta cada vez mais quente leva ao derretimento do gelo ártico, o que significa menos luz do sol refletida e mais luz absorvida por um planeta que esquenta cada vez mais rápido, o que por sua vez significa um oceano menos capaz de absorver o carbono da atmosfera e desse modo um planeta aquecendo em ritmo maior ainda. O planeta em aquecimento também derreterá o permafrost ártico, que contém 1,8 trilhão de toneladas de carbono, mais do que o dobro da quantidade atualmente suspensa na atmosfera terrestre, e parte do qual, conforme o permafrost derrete e o carbono é liberado, pode evaporar como metano, que é um cobertor climático de efeito estufa 34 vezes mais prejudicial do que o dióxido de carbono, quando considerado na escala de tempo de um século; quando considerado na escala de tempo de duas décadas, é 86 vezes pior. Um planeta mais quente é, no fim das contas, ruim para a vida vegetal, resultando no que chamamos de “morte de fora para dentro” florestal – o declínio e a retração de bacias de selvas tropicais do tamanho de um país inteiro e de florestas esparramadas por tantos hectares que outrora contiveram folclores inteiros –, o que significa a redução drástica da capacidade natural do planeta de absorver carbono e transformá-lo em oxigênio, o que por sua vez significa temperaturas ainda mais quentes, o que por sua vez significa mais morte de florestas e assim por diante. Temperaturas mais elevadas significam mais incêndios florestais, menos árvores, menor absorção de carbono, mais carbono na atmosfera e um planeta ainda mais quente – e assim por diante. Um planeta mais quente significa mais vapor d’água na atmosfera, e o vapor d’água, sendo um gás de efeito estufa, resulta em temperaturas ainda mais elevadas – e assim por diante. Oceanos mais quentes absorvem menos calor, o que significa mais calor no ar, e contêm menos oxigênio, que é a morte para o fitoplâncton – cuja função no oceano é a mesma das plantas na terra: comer carbono e produzir oxigênio –, o que nos deixa com mais carbono, que aquece o planeta ainda mais. E assim por diante. Esses são os sistemas que os cientistas do clima chamam de retroalimentação; há mais coisas. Alguns sistemas operam em outro sentido, moderando a mudança climática. Muitos outros apontam para uma aceleração do aquecimento, caso nós os desencadeemos. E exatamente como esses sistemas complicados, que se influenciam mutuamente, irão interagir – que efeitos serão ampliados e que efeitos serão minados pela retroalimentação –, isso é ignorado, o que lança uma névoa de incerteza sobre qualquer esforço de nos planejarmos de antemão para o futuro do clima. Sabemos quais são as consequências da mudança climática no melhor cenário, por mais irreal que seja, porque ele se parece muito com o mundo em que vivemos hoje. Mas ainda nem começamos a contemplar essas cascatas capazes de nos lançar no escopo infernal da curva de distribuição normal.
Outras cascatas são regionais, despencando sobre comunidades humanas e esmagando-as onde caem. Podem ser cascatas no sentido literal – estão em alta as avalanches provocadas pelos seres humanos, com 50 mil pessoas mortas por causa disso no mundo todo entre 2004 e 2016. Na Suíça, a mudança climática desencadeou um tipo totalmente novo de avalanche, graças ao que são chamados de eventos “chuva sobre a neve”, que também causou o transbordamento da represa de Oroville, no norte da Califórnia, e a inundação de 2013 em Alberta, no Canadá, com prejuízos na ordem de 5 bilhões de dólares. Mas já existem outros tipos. Escassez de água ou perda de colheitas provocadas pelo clima empurram os refugiados para regiões vizinhas que já sofrem com a carestia. A elevação do nível do mar encharca as terras de cultivo com quantidades cada vez maiores de água salgada, transformando áreas agrícolas em esponjas salobras incapazes de alimentar adequadamente os que vivem delas; inunda usinas de energia, deixando sem luz regiões onde a eletricidade possivelmente mais se faria necessária; e atinge usinas químicas e nucleares, que, avariadas, exalam sua fumaça tóxica. As chuvas que se seguiram ao “Camp Fire” inundaram as habitações provisórias montadas às pressas para os refugiados do primeiro desastre. No caso dos deslizamentos de Santa Barbara, a seca resultou num estado cheio de mato prestes a queimar à menor faísca; em seguida, um ano de chuvas torrenciais anômalas só fez produzir mais crescimento, e os incêndios florestais varreram a paisagem, deixando uma encosta montanhosa praticamente sem vida vegetal que segurasse no lugar os milhões de toneladas de terra solta que compõem a elevadíssima cadeia costeira onde as nuvens tendem a se juntar e a chuva cai primeiro.
Alguns dos que observaram tudo isso de longe se perguntaram, incrédulos, como um deslizamento de terra podia matar tanta gente. A resposta é: da mesma maneira que furacões ou tornados, transformando o ambiente, seja ele “artificial” ou “natural”, em uma arma. Nos desastres causados pelo vento, por mais brutais que sejam, não é o vento que mata, mas as árvores arrancadas pela raiz e transformadas em porretes, os cabos de energia soltos que viram chicotes enlouquecidos e forcas eletrificadas, as casas que desabam sobre os moradores apavorados e os carros que rolam como rochas soltas num penhasco. E a destruição mata também aos poucos, interrompendo a chegada de comida e suprimentos médicos, bloqueando as estradas até para os profissionais de emergência, derrubando linhas telefônicas e torres de celular, de modo que aos enfermos e idosos só resta sofrer e torcer pela sobrevivência em silêncio e sem ajuda.
A maior parte do mundo é bem diferente de Santa Barbara e seu cenário idílico em estilo colonial, uma pintura a óleo da prosperidade aparentemente infinita, e nas décadas por vir muitos dos horrores climáticos mais punitivos irão atingir na verdade os menos aptos a reagir e a se recuperar. Isso é o que costuma se chamar de problema de justiça ambiental; uma expressão mais precisa e menos nebulosa seria “sistema de castas ambiental”. É um problema grave nos países, mesmo os países ricos, em que os mais pobres vivem em áreas pantanosas ou sujeitas a cheias e alagamentos, onde a irrigação é mais inadequada e a infraestrutura, mais vulnerável – um apartheid ambiental involuntário. Só no Texas, meio milhão de latinos pobres vivem em favelas chamadas colonias, desprovidas de sistemas de drenagem capazes de lidar com o aumento das inundações.
O abismo é ainda maior no resto do mundo, onde os países mais pobres são os que mais sofrerão em nosso acalorado mundo novo. Na verdade, com uma exceção – a Austrália –, os países com menor PIB serão os mais quentes. Isso não obstante o fato de grande parte do hemisfério Sul não ter até o momento prejudicado tanto a atmosfera do planeta. Essa é uma das muitas ironias históricas da mudança climática, que melhor faría-mos em chamar de crueldades, tão impiedoso é o sofrimento que irá infligir. Mas, por mais desproporcionais que sejam as consequências para os menos favorecidos, a devastação causada pelo aquecimento global não pode ser simplesmente posta em quarentena no mundo em desenvolvimento, ainda que os habitantes do hemisfério Norte, não para nosso crédito, provavelmente assim preferissem. O desastre climático é indiscriminado demais para isso.
De fato, a crença de que é possível governar ou controlar o clima por meio de alguma instituição ou instrumento humano é outra ilusão climática ingênua. O planeta sobreviveu por inúmeros milênios sem um governo mundial ou algo parecido, na verdade suportou assim a maior parte da existência da civilização humana, organizada em tribos, feudos, reinos e Estados-nação competitivos, e só muito gradativamente começou a construir algo parecido com um projeto de cooperação, após duas guerras mundiais brutais – na forma não apenas da Liga das Nações e das Nações Unidas, mas mais tarde com a União Europeia e até com a tessitura comercial da globalização, que, apesar de suas falhas, é uma visão da colaboração transnacional, imbuída do etos neoliberal de que a vida na Terra era um jogo de soma positiva. Se tivéssemos de inventar uma ameaça grande e global o bastante, para talvez conjurar o aparecimento de um sistema de cooperação internacional real, essa ameaça seria a mudança climática – a ameaça onipresente, esmagadora, total. Contudo, hoje, quando esse tipo de cooperação é mais necessário do que nunca para a sobrevivência do mundo como o conhecemos, estamos apenas desmantelando essas alianças – recuando para guetos nacionalistas e nos afastando tanto da responsabilidade coletiva como uns dos outros. Esse colapso da confiança também é uma cascata.
Ainda não está claro até que ponto deixaremos de reconhecer o mundo sob nossos pés, e a questão de como atinamos com sua transformação permanece sem resposta. Um legado do credo ambientalista, que valorizou por muito tempo o mundo natural como um refúgio abstrato, é que vemos a sua degradação como um episódio isolado, apartado de nossas vidas modernas – tão separado que a degradação adquire os traços confortáveis de uma parábola saída da pena de Esopo, estetizada mesmo quando vivemos as perdas como tragédia.
A mudança climática pode significar que, no outono, as árvores simplesmente ficarão marrons, e assim olharemos de forma diferente para escolas de pintura inteiras, que se estenderam por gerações, devotadas a captar melhor os laranjas e vermelhos que não vemos mais da janela dos nossos carros quando pegamos a estrada. Os cafezais da América Latina deixarão de produzir frutos; casas de praia terão de ser construídas em palafitas cada vez mais altas, e mesmo assim serão submersas. Em muitos casos, é melhor usar o verbo no presente. Apenas nos últimos quarenta anos, segundo o World Wildlife Fund for Nature, mais da metade dos vertebrados do mundo morreu; um estudo sobre as reservas naturais alemãs revelou que nos últimos 25 anos apenas a população de insetos voadores declinou em três quartos. A delicada dança das flores e seus polinizadores foi perturbada, assim como os padrões migratórios do bacalhau, que agora sobe velozmente a Costa Leste na direção do Ártico, evadindo-se das comunidades de pescadores que se alimentaram deles por séculos; assim como os padrões de hibernação dos ursos negros, muitos dos quais permanecem acordados durante o inverno inteiro. Espécies individuadas ao longo de milhões de anos de evolução, mas forçadas a conviver por causa da mudança climática, passaram a cruzar entre si, produzindo toda uma nova classe de espécies híbridas: o urso-pardo-–polar, o lobo-coiote. Os zoológicos hoje são museus de história natural, os livros infantis já estão desatualizados.
Fábulas antigas também serão refeitas: a história de Atlântida, após perdurar e nos encantar por milênios, competirá com as sagas em tempo real das Ilhas Marshall e de Miami Beach, que estão afundando gradativamente e se tornarão em breve um paraíso de mergulhadores; a estranha fantasia de Papai Noel e sua oficina de brinquedos ficará ainda mais esquisita em um Ártico com verões sem gelo; e será deprimente contemplar como a desertificação de toda a bacia do Mediterrâneo mudará nossa leitura da Odisseia, ou o colorido desmaiado das ilhas gregas, com o pó do Saara amortalhando permanentemente o céu, ou a ressignificação das pirâmides, quando o Nilo secar por completo. E talvez veremos de outro modo a fronteira com o México quando o Rio Grande for apenas a linha de um leito seco de rio – o rio Sand, “rio areia”, como já foi chamado. O soberbo Ocidente passou cinco séculos indiferente ao sofrimento dos países que vivem sob o véu das enfermidades tropicais e só nos resta imaginar como vai ser quando os mosquitos da malária e da dengue baterem suas asas também pelas ruas de Copenhague e Chicago.
Mas encaramos por tanto tempo as histórias sobre a natureza como alegorias que aparentemente somos incapazes de reconhecer que o significado da mudança climática não está circunscrito à parábola. Ele nos inclui; num sentido muito real, nos governa – nossas colheitas, nossas pandemias, nossos padrões migratórios e guerras civis, ondas de crime e agressões domésticas, furacões e ondas de calor e bombas de chuva e megassecas, o formato de nosso crescimento econômico e tudo que flui correnteza abaixo a partir daí, o que hoje significa: quase tudo. Oitocentos milhões de seres humanos, só na Ásia Meridional, diz o Banco Mundial, veriam suas condições de vida declinar drasticamente até 2050, por causa da atual taxa de emissões, e talvez uma desaceleração climática venha a revelar que a prodigalidade do que Andreas Malm considera capitalismo fóssil não passa de ilusão, sustentada durante alguns séculos apenas mediante a aritmética de adicionar o valor energético dos combustíveis fósseis queimados ao que havia sido, antes da madeira, do carvão e do petróleo, uma eterna armadilha malthusiana. Nesse caso, teríamos de aposentar a intuição de que a história inevitavelmente extrairá progresso material do planeta, pelo menos em qualquer padrão confiável ou global, e chegar a um consenso de alguma forma sobre até que ponto essa intuição dominou por completo nossas vidas interiores, muitas vezes de forma tirânica.
A adaptação à mudança climática é muitas vezes vista em termos de perdas e ganhos comerciais, mas nas próximas décadas esse intercâmbio vai funcionar, na verdade, no sentido oposto, com a prosperidade relativa como benefício de ações mais agressivas. Estima-se que cada grau de aquecimento custe a um país temperado como os Estados Unidos cerca de um ponto percentual do PIB e, segundo artigo recente, com 1,5ºC a mais o mundo seria 20 trilhões mais rico do que com 2ºC. Suba o termostato mais 1 ou 2 graus e o custo salta à estratosfera – os juros compostos da catástrofe ambiental. A pesquisa sugere que 3,7ºC de aquecimento acarretariam 551 trilhões em prejuízos; a riqueza global total hoje é de cerca de 280 trilhões de dólares. Nosso atual curso de emissões nos conduz a um aumento de 4ºC até 2100; multiplique isso por aquele 1% do PIB e teremos eliminado quase por completo a mera possibilidade de crescimento econômico, que globalmente nunca passou dos 5% em mais de quarenta anos. Um grupo periférico de acadêmicos alarmados chama essa perspectiva de “economia de estado estacionário”, mas no fim das contas sugere um afastamento mais completo da economia como farol orientador e do crescimento como língua franca com a qual a vida moderna higieniza todas suas aspirações. “Estado estacionário” também é o nome para o pânico paralisante de que a história talvez seja menos progressiva, como passamos a acreditar de fato apenas nos últimos séculos, do que cíclica, como sabíamos que era nos muitos milênios precedentes. Mais do que isso: na visão que a economia de estado estacionário projeta de uma refrega competitiva no estado de natureza, tudo, da política ao comércio e à guerra, parece resultar brutalmente num jogo de soma zero.
Por séculos olhamos para a natureza como um espelho no qual primeiro projetamos, depois observamos, nós mesmos. Mas qual é a moral? Não há o que aprender com o aquecimento global, porque não dispomos do tempo, ou da distância, para apreciar suas lições; afinal, não estamos apenas contando essa história, mas vivendo-a. Quer dizer, tentando vivê-la; a ameaça é imensa. Quão imensa? Um artigo de 2018 mostra a matemática em detalhes apavorantes. No periódico Nature Climate Change, a equipe liderada por Drew Shindell tentou quantificar o sofrimento que seria evitado se o aquecimento fosse mantido a 1,5ºC, em vez de 2ºC – em outras palavras, quanto sofrimento adicional resultaria apenas desse meio grau de aquecimento. A resposta: em um mundo 2ºC mais quente, em vez de 1,5ºC, 150 milhões de pessoas a mais morreriam só da poluição do ar. Também em 2018, o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) das Nações Unidas fez um cál-culo ainda mais contundente: no inter-valo entre 1,5ºC e 2ºC, disseram os pesquisadores, centenas de milhões de vidas correriam risco.
Quantidades dessa monta são difíceis de absorver, mas 150 milhões equivalem a 25 Holocaustos. É três vezes o número de mortos no Grande Salto para Frente, de Mao Tsé-tung[3] – a maior taxa de mortalidade não militar jamais produzida pela humanidade. É mais do que o dobro da maior taxa de mortalidade de todos os tempos, a Segunda Guerra Mundial. Tais números não começarão a aumentar apenas quando atingirmos 1,5ºC a mais, é claro. Como provavelmente não será surpresa para ninguém, já estão aumentando, a um ritmo anual de pelo menos 7 milhões de mortes por causa da poluição do ar apenas — um Holocausto por ano, executado e mantido por qual variedade de niilismo?
É a isso que nos referimos quando chamamos a mudança climática de “crise existencial” – um drama que no momento improvisamos ao acaso entre dois polos infernais, em que o melhor cenário tem como resultado morte e sofrimento numa escala de 25 Holocaustos e o pior cenário nos deixa à beira da extinção. A retórica climática muitas vezes nos falta porque a única linguagem efetivamente apropriada é de um tipo que fomos treinados, por uma cultura exuberante de otimismo festivo, a desprezar, de modo categórico, como hipérbole.
Aqui, os fatos são extremos, e as dimensões do drama que se desenrolará entre esses polos, incompreensivelmente imensos – grandes o bastante para englobar não só toda a humanidade hoje existente, mas também a de todos os futuros possíveis. O aquecimento global comprimiu da forma mais improvável em duas gerações toda a narrativa da civilização humana. Primeiro, o projeto de refazer o planeta de modo que seja inegavelmente nosso, um projeto cujo sistema de escape, o veneno das emissões, hoje atravessa com facilidade milênios de gelo de forma tão veloz que podemos ver o derretimento a olho nu, destruindo as condições ambientais que sempre consideramos estáveis e que vigoraram com firmeza durante toda a história humana. Essa vem sendo a obra de uma única geração. A segunda geração enfrenta uma tarefa bem diferente: o projeto de preservar nosso futuro coletivo, prevenindo a devastação e engendrando um caminho alternativo. Simplesmente não há analogia a que recorrer, fora a mitologia e a teologia – e, talvez, a perspectiva da Guerra Fria, de destruição mútua e certa.
Poucos se sentem como deuses em face do aquecimento, porém que a mudança climática como um todo deve nos fazer sentir tão passivos – essa é outra de suas ilusões. No folclore, nas histórias em quadrinhos, nos bancos das igrejas e nas poltronas dos cinemas, histórias sobre o destino da Terra muitas vezes aconselham equivocadamente ao público a passividade, e talvez não devamos nos surpreender que no caso da ameaça climática não seja diferente. Perto do fim da Guerra Fria, a perspectiva do inverno nuclear anuviara cada recesso de nossa cultura e psicologia pop, um pesadelo onipresente de que o experimento humano pudesse ser levado a termo por dois grupos rivais de estrategistas orgulhosos às turras, não mais que um punhado de mãos pairando com o dedo irrequieto sobre o botão de autodestruição do planeta. A ameaça da mudança climática é ainda mais dramática e em última instância mais democrática, a responsabilidade por ela partilhada por cada um de nós mesmo quando nos encolhemos de medo; e contudo processamos essa ameaça apenas em partes, normalmente não de modo concreto ou explícito, trocando algumas ansiedades por outras e inventando outras mais, preferindo ignorar os aspectos mais desoladores de nosso futuro possível e deixar que nosso fatalismo político e nossa fé tecnológica esmaeçam, como se tentássemos visualizar com olhos vesgos uma fantasia de consumidor incrivelmente familiar: de que alguém vá resolver o problema por nós, sem custo algum. Os mais assustados com frequência são os mais complacentes, e confundem fatalismo com otimismo climático.
Ao longo dos últimos anos, à medida que os próprios ritmos ambientais do planeta parecem cada vez mais fatalistas, os céticos começaram a argumentar não que a mudança climática não existe, uma vez que o clima extremo é inegável, mas que suas causas não são claras – sugerindo que as mudanças que presenciamos são resultado de ciclos naturais, mais do que da atividade e intervenção humanas. É um argumento bem estranho; se o planeta está se aquecendo a um ritmo aterrorizante e numa escala apavorante, deveríamos claramente ficar mais, e não menos, preocupados que o aquecimento esteja além do nosso controle, possivelmente até da nossa compreensão.
O fato de sabermos que o aquecimento global é obra nossa deveria servir de consolo, e não ser motivo de desespero, por mais insondáveis e complicados que sejam os processos que o trouxeram à existência; o fato de sabermos que somos pessoalmente responsáveis por todos seus efeitos destrutivos deveria ser empoderador, e não apenas em um sentido perverso. O aquecimento global é, afinal de contas, uma invenção humana. E a outra face de nossa culpa em tempo real é que continua-mos no controle. Por mais desgovernado que o sistema climático possa parecer – com seus tufões avassaladores, fomes e ondas de calor sem precedentes, crises de refugiados e conflitos climáticos –, somos todos nós autores dessa história que ainda está sendo escrita.
Alguns, como as companhias de petróleo e seus padrinhos políticos, são autores mais prolíficos do que outros. Mas o fardo da responsabilidade é grande demais para ser carregado por uns poucos, por mais reconfortante que seja pensar que basta derrotarmos alguns vilões. Cada um de nós impõe algum sofrimento aos nossos futuros eus toda vez que acendemos a luz, compramos uma passagem de avião ou deixamos de votar. Hoje todos compartilhamos a responsabilidade de escrever o próximo ato. Descobrimos novas maneiras de engendrar devastação e podemos encontrar novas maneiras de engendrar um caminho para escapar dela – ou, antes, um caminho que conduzirá a um mal menor, capaz de cumprir a promessa de que novas gerações saberão encontrar seu próprio caminho, talvez em direção a um futuro ambiental mais positivo.
Desde que comecei a escrever sobre o aquecimento global, as pessoas me perguntam se vejo algum motivo para otimismo. A verdade é que sou otimista. Dada a perspectiva de que os humanos possam engendrar um clima que ficará 6ºC ou até 8ºC mais quente no decorrer dos próximos séculos – grandes faixas do planeta inóspitas por qualquer definição que usamos hoje –, esse mal menor corresponde, para mim, a um futuro encorajador. O aquecimento de 3ºC a 3,5ºC desencadearia sofrimento além de qualquer coisa que os humanos tenham experimentado durante muitos milênios de crises, conflitos e guerra total. Mas não é um cenário fatalista; na verdade, é muito melhor do que nosso curso atual. E na forma da tecnologia de captura de carbono, que extrairia co2 do ar, resfriando os gases em suspensão na atmosfera, ou da geoengenharia, ou de outras inovações ainda inconcebíveis, poderemos criar novas soluções, que levariam o planeta a um estado mais próximo do que hoje encararíamos como meramente sombrio, em vez de apocalíptico.
Também me perguntam se não é imoral continuarmos nos reproduzindo nesse clima, se é uma atitude responsável ter filhos, se é justo para o planeta ou, talvez mais importante, para as crianças. Acontece que recentemente tive uma filha, Rocca. Parte disso é ilusão, aquela mesma cegueira voluntária: sei que há horrores climáticos por vir, alguns dos quais recairão sobre meus filhos – é isso que significa uma ameaça que abrange tudo e atinge a todos. Mas esses horrores ainda não estão escritos. Nós os encenamos com nossa inação e por meio da ação podemos impedi-los. A mudança climática significa perspectivas desoladoras para as próximas décadas, mas não acho que a resposta apropriada para esse desafio seja o recuo ou a rendição. Acredito que devemos fazer tudo a nosso alcance para propiciar um mundo que abrigue uma vida digna e próspera, em vez de desistir de cara, antes de a luta ter sido perdida ou vencida, e aclimatar-se a um futuro sombrio trazido por outros menos preo-cupados com o sofrimento climático. A luta definitivamente ainda não está perdida – na verdade nunca será enquanto continuarmos a escapar da extinção, porque, por mais quente que fique o planeta, sempre será o caso de que a década seguinte talvez contenha mais sofrimento, ou menos. E, tenho de admitir, também estou empolgado com tudo que Rocca e suas irmãs e irmãos irão ver, testemunhar, fazer. Ela estará em idade de cuidar dos próprios filhos por volta de 2050, quando poderemos ter dezenas de milhões de refugiados do clima; ingressará na velhice no fim do século, a referência dos estágios finais em todas nossas projeções para o aquecimento. Entre uma coisa e outra, presenciará o mundo travando uma batalha contra uma ameaça genuinamente existencial e as pessoas de sua geração trabalhando num futuro para si próprias e para as gerações que elas trouxeram à existência, neste planeta. E não estará presenciando, simplesmente, mas vivendo isso também – literalmente, a maior história jamais contada. E que pode muito bem ter um final feliz.
Que motivos temos para ter esperança? O carbono permanece no ar por décadas, com alguns dos ciclos de retroa-limentação mais aterrorizantes se desenrolando ao longo de horizontes de tempo ainda maiores – o que confere ao aquecimento global o brilho sinistro de uma ameaça constante. Mas a mudança climática não é um crime arquivado que precisamos reabrir; estamos destruindo o planeta diariamente, fazendo isso em geral com a mão direita, enquanto com a esquerda trabalhamos juntos para recuperá-lo. Ou seja, como Paul Hawken talvez mais racionalmente ilustrou, também podemos parar de destruí-la ao mesmo estilo – das maneiras mais coletivas, aleatórias e cotidianas imagináveis, além das ações aparentemente espetaculares. O projeto de desligar todo o mundo industrial dos combustíveis fósseis de uma vez por todas é intimidador, e deve ser levado a cabo o mais rapidamente possível – até 2040, afirmam muitos cientistas. Mas, nesse ínterim, muitas possibilidades se descortinam – e estarão abertas para nós se não formos preguiçosos, cegos e egoístas demais para aproveitá-las.
Metade das emissões do Reino Unido, segundo cálculos recentes, vem de ineficiências na construção, alimentos descartados e não utilizados, aparelhos eletrônicos e roupas; dois terços da energia americana são desperdiçados; globalmente, segundo um artigo científico, estamos subsidiando o negócio do combustível fóssil a um custo de 5 trilhões de dólares por ano. Nada disso precisa continuar. A conta pela demora em tomar uma atitude sobre o clima, conforme revelou outro artigo, chegará para o mundo em 2030 no valor de 26 trilhões. Isso não pre-cisa continuar. Os americanos desperdiçam um quarto de sua comida, ou seja, a pegada de carbono da refeição média é um quarto maior do que deveria ser. Isso não precisa continuar. Cinco anos atrás, dificilmente alguém que não frequentasse os recessos mais escuros da internet teria ouvido falar em bitcoin; hoje, a mineração da criptomoeda consome mais eletricidade do que a gerada por todos os painéis solares do mundo combinados, o que significa que em poucos anos criamos, graças à desconfiança mútua e às nações por trás das “moedas fiduciárias”, um programa que pode acabar com os ganhos de diversas gerações de lenta e laboriosa inovação em energia verde. Não precisa ser assim. E uma simples mudança no algoritmo poderia eliminar completamente essa pegada do bitcoin.
Esses são apenas alguns dos motivos para acreditar que aquilo que o ativista canadense Stuart Parker chamou de “niilismo climático” é, na verdade, outra de nossas ilusões. O que acontece a partir daqui será obra inteiramente nossa. O futuro do planeta será determinado em grande parte pelo arco de crescimento do mundo em desenvolvimento – onde reside a maior parte da população mundial, na China, na Índia e, cada vez mais, na África subsaariana. Mas isso não absolve o Ocidente, onde o cidadão médio produz emissões em quantidade muito maior do que quase qualquer um na Ásia, à pura força do hábito. Jogo fora toneladas de comida desperdiçada e quase nunca separo alguma coisa no meu lixo; meu ar-condicionado vive ligado; comprei bitcoin no pico do mercado. Nada disso é necessário, tampouco.
Mas também não é necessário que os ocidentais adotem o estilo de vida dos pobres mundiais. Setenta por cento da energia produzida pelo planeta, estima-se, é perdida por calor residual. Se o americano médio se limitasse à pegada de carbono do seu equivalente europeu, as emissões de carbono nos Estados Unidos cairiam mais da metade. Se os 10% mais ricos do mundo ficassem restritos a essa mesma pegada, as emissões globais cairiam em um terço. E por que não deveriam? Quase uma medida profilática contra a culpa climática, quando as notícias da ciência são cada vez mais sombrias, os liberais ocidentais se consolam distorcendo seus próprios padrões de consumo em performances de pureza moral e ambiental – menos carne bovina, mais carros elétricos, menos voos transatlânticos. Mas para o cálculo climático essas escolhas individuais de estilo de vida contam muito pouco, a menos que sua somatória se traduza em frutos políticos. A despeito da dispersão dos partidários do clima nos Estados Unidos, essa contabilidade não deveria ser impossível, quando compreendemos o que está em jogo. A aposta é alta demais.
A aniquilação é apenas a cauda muito fina da curva normal muito longa do aquecimento e não há nada que nos impeça de mudar de rumo para escapar dela. Mas o que há entre nós e a extinção é bastante apavorante e ainda nem começamos a contemplar o que significa viver sob tais condições – quais as consequências para nossa política, cultura e equilíbrio emocional, nossa percepção da história e a relação com ela, nossa percepção da natureza e a relação com ela, do fato de que estamos vivendo em um mudo degradado por nossas próprias mãos, com o horizonte da possibilidade humana dramaticamente menos visível. Podemos ver ainda o surgimento de um Deus ex machina climático – ou, antes, construir um, na forma da tecnologia de captura de carbono ou geoengenharia, ou na forma de uma revolução no modo como geramos energia, elétrica ou política. Mas essa solução, se é que a veremos um dia, virá à tona em um futuro sombrio, distorcido por nossas emissões, como se por um glaucoma.
Os intoxicados por séculos e séculos de triunfalismo ocidental, mais do que os outros, tendem a ver a narrativa da civilização humana como a conquista inexorável da Terra, não a saga de uma cultura insegura, crescendo de forma caótica e vacilante como bolor sobre sua superfície. Essa fragilidade, presente em tudo que os humanos podem causar ao planeta, é o maior insight existencial do aquecimento global, mas está apenas começando a abalar nosso triunfalismo; embora, há uma geração, se tivéssemos parado para contemplar as possibilidades, provavelmente não teríamos ficado surpresos em ver uma nova forma de niilismo político emergindo na região do mundo que já é a mais castigada pelo aquecimento global – o Oriente Médio –, manifestando-se ali em espasmos suicidas de violência teológica. Numa região que outrora já foi chamada, grandiosamente, de o “berço da civilização”. Hoje, o niilismo político se irradia por quase toda parte, mediante as inúmeras culturas que surgiram, ramificando-se a partir de suas raízes no Oriente Médio. Já ficou para trás a estreita janela de condições ambientais que permitiram ao animal humano evoluir, mas não apenas evoluir – essa janela contém tudo que recordamos como história, valorizamos como progresso e estudamos como política. O que significará viver fora dessa janela, provavelmente bem longe dela?
A força da desforra do mundo natural desabará como uma cascata sobre nossas cabeças, mas o custo para a natureza é apenas parte do cálculo; ninguém sairá ileso. Talvez eu esteja sozinho na esquerda ambiental quando penso que, a meu ver, o mundo poderia perder grande parte do que chamamos de “natureza” contanto que pudéssemos continuar a viver como sempre vivemos no mundo que deixamos para trás. O problema é que não podemos.
Trecho do livro A Terra Inabitável: Uma história do Futuro, que a Companhia das Letras lança em julho.
[1] O oceanógrafo e geofísico americano Wallace Smith Broecker morreu em 19 de fevereiro deste ano, aos 87 anos. Coincidentemente, a edição original, em inglês, do livro A Terra Inabitável, de onde foi extraído este texto, foi lançada no mesmo dia.
[2] Uma Verdade Inconveniente, dirigido por Davis Guggenheim e lançado em 2006, documenta a campanha de esclarecimento a respeito da crise climática promovida pelo ex-vice-presidente americano Al Gore. O filme ganhou dois Oscars em 2007: o de melhor documentário de longa-metragem e o de melhor canção original.
[3] Malogrado programa econômico promovido na China entre 1958 e 1960 e que resultou na Grande Fome, em razão da qual morreram milhões de pessoas.