FOTO: DANILO VERPA/FOLHAPRESS
Um novo epílogo para Eike Batista
Investigação que levou empresário de volta à cadeia mostra como ele enganou investidores e manipulou preço das ações
A prisão de Eike Batista pela Lava Jato, na semana passada, derrubou o último mito que o ex-sétimo homem mais rico do mundo tentava manter a respeito da própria história. Cinco anos depois da derrocada do grupo X, a investigação provou o que Eike nunca admitiu: ele não só sabia que sua petroleira não tinha as reservas prometidas aos investidores, como enganou a todos falsificando operações de compra e venda de ações para manipular as cotações de suas empresas, faturar mais e esconder o dinheiro, antes que o império viesse abaixo. As fraudes, descritas no pedido de prisão aceito pelo juiz federal Marcelo Bretas, mostram que, ao mesmo tempo que pedia aos investidores de boa-fé para acreditarem em seu toque de Midas, Eike os roubava por baixo dos panos. Com o dinheiro desviado, enriquecia um pouco mais e pagava propina a Sérgio Cabral para favorecer os investimentos do império X no estado. Da corrupção, já se sabia. Da manipulação de mercado, muito se falava, mas Eike sempre negava. Com as provas recolhidas agora, fecha-se o ciclo da farsa. Preso na última quinta, Eike teve a prisão revogada no sábado por decisão do plantão da Justiça Federal.
Quem entregou o esquema foi o banqueiro Eduardo Plass, preso há um ano por lavar dinheiro para a H. Stern, que por sua vez trocava suas joias pelo dinheiro vivo que Cabral não podia depositar no sistema bancário tradicional. Os procuradores sabiam que Plass trabalhava também para Eike Batista. Era dono do TAG Bank, um entre os milhares de bancos que só funcionam no Panamá, exatamente para fazer aquilo que só se pode fazer por lá. Mas, até então, conheciam apenas a conta Golden Rock, de onde saíram tanto os 16,5 milhões de dólares pagos a Cabral como os 5 milhões de reais enviados aos marqueteiros João Santana e Monica Moura a pedido de Guido Mantega, para quitar uma dívida de campanha de Fernando Haddad. Com a delação de Plass, fechada há três meses, descobriu-se que o TAG mantinha uma espécie de banco paralelo, uma conta-mãe chamada The Adviser Investments, ou TAI, com subcontas por onde passava o dinheiro das jogadas no mercado financeiro.
O ciclo de fraudes revelado na semana passada começou em 2010, quando Eike teve a ideia de transformar em dinheiro uma mina de ouro que ele comprara na Colômbia, chamada La Bodega, e que ficava a 400 quilômetros de Bogotá. Eike sabia que a tal mina, fincada numa área de difícil acesso, demandava técnica de exploração complexa, realizada com equipamentos pesados que teriam de ser transportados de helicóptero, numa operação caríssima e com a relação custo benefício duvidoso. Nada disso importava para Eike, desde que ele pudesse vendê-la como a “Carajás do Carvão”, como ele mesmo apelidou em abril de 2010, numa entrevista ao canal de tevê da XP Investimentos. Foi a mesma entrevista em que ele causou furor ao dizer que a OGX tinha reservas no valor de 1 trilhão de dólares no fundo do mar brasileiro – o que já era uma mirabolância naquela época.
Enquanto Eike falava para os internautas, seu escudeiro, o executivo Luiz Arthur Correia, o Zartha, usava o dinheiro da conta no Panamá para comprar e vender as ações da empresa dona da mina, a Ventana Gold, na bolsa do Canadá. O objetivo era jogar o preço das ações para cima ou para baixo, conforme a conveniência, enquanto ele negociava a compra do controle da empresa. Pela lei, fazer isso às claras, mostrando quem vende e quem compra, é da regra do jogo. Fazer às escondidas, por meio de laranjas, configura manipulação de mercado. Entre fevereiro de 2010 e janeiro de 2011, Eike empenhou 68 milhões de dólares (265 milhões de reais, em valores atuais) em 129 operações. Em março de 2011, quando já tinha 20% da Ventana, Eike pegou 1,3 bilhão de dólares emprestados dos bancos Itaú e Bradesco para comprar o resto.
Em 2012, o bilionário partiu para cima de outra empresa, dona de uma mina vizinha à La Bodega. Com o dinheiro das contas panamenhas, foi comprando aos poucos os papéis da Galway Resources, que vegetava na bolsa do Canadá, até ter 10% das ações. Então, fez uma oferta de 300 milhões de dólares pela companhia, aprovada imediatamente pela assembleia em que, sem que ninguém soubesse, era o principal acionista. Depois, juntou a Ventana e a Galway, formando a AUX, e prometeu abrir seu capital na bolsa de valores de São Paulo, faturando fortunas. Mas, não conseguiu concretizar seus planos porque o império já estava perigando (as minas acabaram sendo vendidas para o fundo soberano de Abu Dabi, o Mubadala, e até hoje permanecem inexploradas).
Por essa época, as empresas X vinham falhando em cumprir suas promessas – especialmente a OGX, de petróleo, que demorava a apresentar resultados. Ao mesmo tempo que seus executivos se debatiam internamente com análises sísmicas mostrando que os poços de petróleo não produziriam nem um quarto do prometido aos investidores, Eike e Zartha negociavam os títulos da dívida da OGX no mercado americano, vendendo e comprando de modo a gerar liquidez, manipulando o preço e impedindo que as desconfianças sobre o futuro da petroleira derrubassem o valor dos papéis. Na manobra, segundo Plass contou ao MP, empenharam mais 38 milhões de dólares (ou 150 milhões de reais). Nessa mesma época, a The Economist questionou Eike sobre as dúvidas que dominavam o mercado financeiro. Ele se ofendeu: “Eu sempre entrego meus projetos.”
Até que, em abril de 2013, Eike não conseguiu mais esconder do mercado que os poços da OGX nunca seriam nada além de uma sombra do que ele vendera. O valor dos títulos da dívida despencou 20%, e Eike perdeu muito dinheiro. Já não era possível manipular os papéis da petroleira, mas isso não impediu o então bilionário de continuar mexendo seus pauzinhos.
Eike estava sob ataque e, sem dinheiro para concretizar seus planos, viu-se obrigado a vender os ativos. Sabia, porém, que tudo o que ele arrecadasse seria tomado para pagar os bancos. Na mesma época, ele chegaria até a cogitar esconder 1 bilhão de dólares em um banco no Togo, no oeste da África. O plano, impraticável, seria descartado. Mas não o objetivo de vender as empresas X pelo maior preço possível, entregando o mínimo aos credores.
A primeira a ser vendida foi a MPX, de energia, para os alemães da E.ON. As conversas começaram em dezembro de 2012. Um mês depois, em janeiro de 2013, Eike passou a comprar ações da companhia na Bolsa de Valores de São Paulo usando a conta panamenha do banco de Eduardo Plass. Enquanto tentava, na mesa de negociações, melhorar o preço da venda para os alemães, Eike movimentava às escondidas 85,2 milhões de reais com ações da MPX. De janeiro a março, quando a operação foi fechada, a cotação dos papéis se manteve entre 10 e 11 reais. Só caíram um pouco, para 9,62 reais, na reta final. Muito desse movimento tinha o “toque de Midas”. O levantamento da Lava Jato, com base nas informações entregues por Plass, mostra que a conta secreta de Eike chegou a responder, sozinha, por 30% das negociações com papéis da MPX na Bovespa. Não se sabe qual teria sido o preço da ação na data firmada para fechar o valor final da transação se o bilionário não tivesse operado pesadamente na bolsa para inflá-lo. Em 28 de março, Eike vendeu sua fatia da MPX por 1,5 bilhão de reais. Em 10 de abril, a conta panamenha desovou no mercado o que restava das ações da MPX. Já não tinham mais serventia.
O mesmo estratagema funcionou na mineradora MMX. Ao mesmo tempo que negociava a venda de um porto para embarque de minério na cidade fluminense de Itaguaí para os sheiks de Abu Dabi, controladores do Mubadala, Eike passou a movimentar papéis secretamente para melhorar sua posição na negociação. Sabendo que a operação envolveria o pagamento de royalties de títulos de dívida, os MMX11, Eike gastou 24,4 milhões de reais comprando a papelada entre março e junho de 2013. Chegou a responder por 65% do movimento, praticamente ditando o preço final dos papéis e faturando um pouco mais na venda do porto. O negócio foi fechado em outubro de 2013 por 400 milhões de dólares, imediatamente destinados aos credores. Parte do dinheiro, porém, foi para os donos laranja dos títulos, e ficou a salvo no Panamá.
Somando apenas os valores movimentados nesses cinco negócios, os procuradores chegaram a uma soma de 800 milhões de reais. Junto com a prisão, conseguiram uma ordem de bloqueio de 1,6 bilhão de reais das contas de Eike Batista. Não quer dizer que ele tenha, realmente, todo esse dinheiro hoje. O Ministério Público começou agora a trabalhar com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a autarquia que regula o mercado de capitais brasileiro, e está em contato também com a SEC (Securities and Exchange Commission), seu equivalente americano, para tentar descobrir com quem Eike negociava e se tinha a cumplicidade de outras instituições financeiras. No processo, tentarão também localizar eventuais recursos escondidos.
O quanto Eike ainda tem de fato ainda é um mistério, mas muito provavelmente não chega a uma fração do que ele um dia movimentou em seus esquemas. Por isso, é incerto o que a Lava Jato ainda será capaz de recuperar, nesse caso atípico para uma operação que, até agora, havia se concentrado em casos de corrupção ou desvio de recursos públicos.
Não é menos simbólico, porém, que o ex-bilionário tenha ido parar na cadeia pelas fraudes que promoveu no mercado. Na história do Brasil, existem apenas dois casos de empresários condenados por manipulação de mercado, ambos em esquemas infinitamente menores do que o engendrado pelo ex-dono do grupo X. Ao enganar milhares de aplicadores no mundo todo, corroendo bilhões de reais depositados em suas empresas e a confiança dos investidores, Eike Batista causou um dano irreparável não apenas ao mercado, mas também aos credores e aos compradores de suas empresas. Torrou, ainda, a oportunidade histórica de fazer do mercado de ações brasileiro a alternativa para tirar do estado o fardo de financiar investimentos em um país carente de infraestrutura. O tamanho desse prejuízo é enorme – e bem mais difícil de calcular.
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