Bolsonaro e Rolando de Souza na posse - Intervenção de Paula Cardoso sobre foto de Isac Nóbrega/PR/Agência Brasil
O drible de Bolsonaro no Supremo
Escolha do novo diretor-geral da PF driblou ordem do tribunal, mas talvez não consiga contornar resistência da corporação
Não durou mais do que vinte minutos a posse do novo diretor-geral da Polícia Federal, Rolando de Souza, na manhã da segunda-feira, no Palácio do Planalto. A cerimônia fechada e às escondidas, na presença de oito ministros e um fotógrafo, visava escapar de qualquer tentativa de impedi-la, por parte da oposição ou do Supremo Tribunal Federal. O próprio Rolando foi avisado só de manhã de que deveria ir de casa direto para o Palácio do Planalto, e não para a sede da Abin, onde dá expediente. Ao deixar o palácio, no final da manhã, ainda estava tenso e atordoado com o que acabara de passar. Sabia que o desafio maior não era conseguir ser nomeado e empossado, mas comandar uma corporação que viu desafiada sua capacidade de resistir à declarada intenção do presidente da República de manobrar a PF de acordo com suas conveniências pessoais. Bolsonaro, por sua vez, está satisfeito. Como se diz nos bastidores da PF, o presidente deu um “drible da vaca” no STF. Tirou o nome de Ramagem de campo, deu a volta no tribunal e nomeou o 02 de Ramagem do outro lado.
A desconfiança em torno do nome de Souza é tal que, pela primeira vez na história, a Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal, a ADPF, não emitiu a protocolar nota pública saudando e apoiando a indicação do novo diretor-geral. E já se cunhou entre os delegados o óbvio apelido de “Rolando Lero” para o novo DG. Se ele apenas enrolar Bolsonaro, como o apelido sugere, a corporação estará no lucro. O primeiro gesto de Souza – escolher para diretor-executivo o superintendente do Rio de Janeiro, Carlos Henrique Oliveira – mostra que ele já assumiu cumprindo ordens. Oliveira, como se diz no jargão, caiu para cima. O presidente não está nem um pouco preocupado com quem vai assessorar o novo diretor-geral. Ele quer o Rio, como já disse pelo WhatsApp a Sergio Moro. Agora, ele pode finalmente escolher alguém de sua confiança para o cargo.
E por que Bolsonaro quer controlar a PF no Rio? Há certamente razões ainda recônditas. O valor de ter acesso a tudo o que acontece nas investigações contra o crime organizado no estado onde o presidente tem sua base eleitoral é incalculável. Foi na Polícia Federal, por exemplo, que surgiu o rumor de que havia um relatório de inteligência do Coaf implicando Flavio Bolsonaro e o assessor Fabrício Queiroz no esquema das rachadinhas. E foi na PF do Rio que nasceu uma investigação sobre suposta fraude previdenciária envolvendo o deputado Hélio Bolsonaro, o Hélio Negão, no ano passado. O episódio enfureceu o presidente e o fez pedir a cabeça do então superintendente, Ricardo Saadi. Moro substituiu Saadi por Oliveira, que ficou apenas cinco meses no cargo e agora vai para Brasília.
Algumas das encomendas que Bolsonaro já fez ou fará a Souza são expressas pelo próprio presidente e seus aliados, nos bastidores. Uma delas será descobrir por que o porteiro do condomínio onde morava o presidente, na Barra da Tijuca, afirmou que os suspeitos de matar a vereadora Marielle Franco tinham ido à casa de Bolsonaro na véspera do crime. Para o presidente, o depoimento do porteiro (que não se comprovou e que depois ele mesmo desmentiu) foi uma armação do governador Wilson Witzel. Ele não tem provas, mas tem certeza de que o governador fluminense “plantou” o depoimento do porteiro no inquérito para complicar sua vida, aproveitando-se do fato de que a investigação do crime está a cargo da Polícia Civil do Rio. Outra encomenda será investigar o próprio Witzel, de preferência provando corrupção e desvio de dinheiro nos contratos de equipamentos e hospitais de campanha para atender às vítimas do coronavírus.
Aos 46 anos, com um histórico de investigações em crimes financeiros, como lavagem de dinheiro, corrupção e manipulação de mercado, Souza era, até ontem, um delegado com fama de competente. Na chefia do Serviço de Repressão ao Desvio de Recursos Públicos, a SRDP, ele foi responsável pela implantação do sistema Atlas, um programa que permite pesquisar, ao mesmo tempo, setenta bancos de dados em todo o país. Colegas que já trabalharam com ele o descrevem como dedicado, afável e inteligente. Os quinze anos de carreira na corporação, porém, ainda não lhe conferiam estatura para ser alçado ao comando. Normalmente, os diretores gerais têm pelo menos vinte anos de PF, e, ao serem escolhidos, já haviam chefiado superintendências estaduais relevantes e ou divisões-chave para a PF — como a de combate ao crime organizado ou a Interpol.
O último diretor-geral escolhido para resolver os problemas de um presidente da República, Fernando Segóvia, caiu em 99 dias, expelido pela corporação. Segóvia, porém, não era propriamente um delegado respeitado quando assumiu. E tampouco fez questão de ser sutil. No auge da crise política no governo Temer, chegou a telefonar para o superintendente em São Paulo, Lindinalvo Alexandrino de Almeida Filho, para pedir a cabeça do delegado que chefiava as investigações a respeito de desvios no Porto de Santos, Júlio Baida Filho. O superintendente obedeceu a ordem, mas registrou a interferência por escrito e tornou público o episódio, desgastando e minando a liderança de Segóvia . Detalhes das diversas investigações sobre Temer também vazaram sistematicamente na imprensa. E, se não tivesse sido substituído pelo ministro Raul Jungmann assim que assumiu o cargo, Segóvia teria sido alvo de ataques ainda mais pesados.
O novo diretor-geral conhece a história e sabe a que está sujeito. Agora é esperar para ver qual briga ele vai querer comprar: se com Bolsonaro ou com a Polícia Federal.
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