Ilustração de Paula Cardoso
Entre a cegonha, o medo e a vacina
Suspensão da vacinação assusta grávidas; média semanal de mortes por Covid entre gestantes e mães no pós-parto mais que triplicou
O dia das mães de Monique Oliveira, 35, começou com muito enjoo. A jornalista e microempresária acordou às cinco da manhã para tomar a dose rotineira do remédio para náuseas, que permanecem mesmo aos seis meses de gravidez. Ela checou o celular. Entre as notificações estava o SMS da Secretaria da Saúde de Fortaleza, informando que sua vacinação seria na manhã daquele domingo, pouco mais de duas semanas após o Ministério da Saúde incluir no grupo prioritário do Plano Nacional de Imunização (PNI) grávidas e puérperas (mulheres no pós-parto). Animada, Monique acordou o marido e reorganizou o dia para conciliar o horário da vacina com o almoço do dia das mães – tinham combinado encontrar a mãe de Monique, já vacinada. Dois dias depois de Monique receber sua primeira dose da vacina da Pfizer, o ministério da Saúde orientou que a vacinação em gestantes sem comorbidades, que é o caso dela, fosse totalmente interrompida. Para as grávidas com comorbidades, a vacina Astrazeneca estaria suspensa.
A decisão aconteceu depois da morte de uma grávida e seu feto por acidente vascular cerebral (AVC), ocorrido no Rio de Janeiro dias após ela tomar a vacina da Astrazeneca. Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 15 mil gestantes receberam as doses desse imunizante até o dia 10 de maio, e apenas duas apresentaram reações graves – das grávidas vacinadas com a CoronaVac, foram oito; com a Pfizer, uma. A suspensão da vacina assustou mulheres como Monique e pôs ainda mais dúvidas no gravíssimo quadro de mortalidade de grávidas por Covid no Brasil. Em 2020, no mesmo ano em que Monique Oliveira comemorou a notícia da gravidez, o Brasil perdeu 457 gestantes e mães no pós-parto para a Covid, segundo dados do Ministério da Saúde analisados pelo Observatório Obstétrico Covid-19 (OOBr Covid-19). A média semanal foi de 10,16 mortes. Este ano, a situação é ainda mais alarmante – 642 mortes de grávidas e puérperas até 12 de maio, de 4.871 pacientes desse grupo que foram infectadas. São 35,6 mortes por semana.
Em artigo publicado na Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, pesquisadores do Grupo Brasileiro de Estudos de Covid-19 e Gravidez, ligado ao Instituto de Medicina Integrada Prof. Fernando Figueira (IMIP), do Recife, analisaram mortes maternas pela doença. Mostram como muitas estão ligadas à falta de assistência e alertam para o fato de que todo o período de gravidez e pós-parto se tornou de risco na pandemia. É o que diz um dos integrantes do grupo de pesquisadores, o ginecologista e obstetra Alex Sandro Rolland, doutor em Saúde Materno Infantil: “A má assistência representa um fator determinante de muitos óbitos maternos, não só no caso da Covid. De forma geral, a maioria dessas causas de óbitos maternos são evitáveis. Infelizmente a vacinação para gestantes e puérperas em nosso país considero que foi tardia.”
Cerca de 22,2 mil mulheres desse grupo foram vacinadas no Brasil até o último dia 10 de maio, segundo o Ministério da Saúde. Apenas 408 apresentaram eventos adversos, graves ou não. A decisão de suspender a vacina divide os especialistas. Rolland afirma que, para o grupo de pesquisadores, a morte isolada da grávida que tomou a vacina da Astrazeneca não seria suficiente para suspender a imunização. “Essa suspensão apenas irá causar medo na população. A investigação da associação causa-efeito deve sim ser investigada, mas a suspensão não deveria ser recomendada”, diz. Segundo ele, independentemente da vacina, gestantes já têm risco aumentado de trombose, e a investigação do óbito deve ser detalhada com aspectos clínicos, avaliação de exames e estudos anatomopatológicos. Já para o médico Marco Aurélio Sáfadi, pediatra e diretor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, a decisão do governo foi acertada. “Acho que os dados ainda não são suficientes para respaldar uma indicação para as gestantes de uma forma geral. Essa decisão de ter restringido a vacinação para grávidas com comorbidades me parece o mais sensato e o mais correto neste momento.”
Enquanto isso, grávidas como Monique Oliveira têm de conviver com o medo e a dúvida. “Espero que as grávidas que ainda não tomaram também possam tomar logo. Durante o primeiro trimestre, que é mais arriscado pro bebê, eu também fiquei em dúvida, mas depois disso fiquei mais confiante”, diz Monique. Sua segunda dose já está agendada para agosto; como recomendado pelo Ministério, grávidas que já iniciaram a imunização devem seguir normalmente.
No primeiro semestre do ano passado, com a chegada da Covid ao Brasil e a primeira onda de casos, Monique adiou o sonho de ser mãe. Tinha medo ao saber de tanta gente nos hospitais morrendo por um vírus ainda pouco conhecido. No segundo semestre, se viu mais confiante. O que ela não julgava que fosse acontecer era o número ainda maior de óbitos numa segunda onda – e sem vacina para todos no Brasil. Em dezembro de 2020, Monique descobriu que esperava um bebê e uma das primeiras coisas que fez após a primeira consulta pré-natal, por orientação do obstetra, foi colocar em dia todas as outras vacinas – três em um dia só para não precisar sair mais de casa. “Fiquei com os dois braços doloridos, mas isso um gelo resolve. E ali eu fui imunizada contra tétano, gripe e hepatite”, ressalta a jornalista.
Medo já era o que Renata Vasconcelos, 24, sentia antes mesmo de fazer parte do grupo prioritário, já pensando na possibilidade de ser vacinada grávida. A estudante do último semestre de odontologia adiou a formatura, pois teve de mudar sua rotina e interromper as aulas ao descobrir que estava grávida. Antes disso, toda segunda-feira viajava 115 km entre Limoeiro do Norte, onde mora, e Quixadá, sede da faculdade, ambas no interior do Ceará. Passava a semana em Quixadá e voltava para casa na sexta-feira. A rotina era corrida – saía de casa às 7 horas, realizava atendimentos clínicos e só desocupava às 16 horas. “Primeiro eu não estava gostando da ideia de ser afastada porque atrasaria minha formação, mas a barriga vai crescendo, os riscos para gestantes aumentam, e hoje eu vejo que foi a melhor coisa”, acrescenta. Hoje ela fica em casa e evita até ir ao supermercado. As consultas são a única exceção. Ela tem medo de se contaminar – mas também tem medo de se vacinar e levar algum risco para Rafaela, que deve nascer em julho.
Nesse ponto, Rolland e Sáfadi afirmam que os estudos comprovam que a vacina não tem efeito algum para o feto. “O medo delas é perfeitamente compreensível, é uma preocupação plausível. A comunidade médica também tem essa preocupação, mas a boa notícia é que para o feto não houve identificação de nenhum evento adverso”, afirma Sáfadi. Rolland lembra que estudos realizados em modelos animais com as três vacinas em uso no Brasil não demonstram risco nenhum para os fetos. “Segundo estudos com pacientes grávidas, a vacina da Pfizer, por exemplo, não demonstrou nenhum efeito adicional para esse grupo”, conclui.
O receio de Renata aumentou ainda mais depois da notícia da morte da grávida que tomou a vacina, mas seu médico a tranquilizou. “Fico entre a cruz e a espada, querendo me vacinar pelo fato de estar imunizada, mas sem saber o que pode acontecer com o bebê. Acho que vou acabar me vacinando, mas ainda com um pé atrás.” Já Monique, esperando Maya, mal pode esperar o dia da segunda dose. “Essa suspensão não me causa medo. Já estou com o braço pronto, quase escrito ‘vacine aqui’.’’
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