NNa década de 1970, o economista Edmar Bacha cunhou o termo Belíndia para ilustrar a distância entre ricos e pobres no Brasil: o país era meio Bélgica, meio Índia. A desigualdade se atenuou na primeira década dos anos 2000, mas agora, em meio à pandemia e à escalada da crise econômica, a analogia voltou a ser pertinente. E foi atualizada: o Brasil hoje é meio Suécia, meio Serra Leoa. É o que mostram dados sobre a fome compilados por pesquisadores da FGV. Entre os 20% mais ricos do Brasil, somente 7% relataram dificuldade para comprar comida em algum momento do ano passado – patamar próximo ao da Suécia (5%). Entre os 20% mais pobres, 75% viveram essa situação – o que os coloca em pé de igualdade com Serra Leoa (77%). A fome no Brasil atingiu o ponto mais alto da série histórica em 2021 e afetou sobretudo as mulheres. O =igualdades mostra quem são os brasileiros que passam fome e como o quadro geral se agravou nos últimos anos.
Em 2014, 17% das famílias brasileiras tinham dificuldade de juntar o valor necessário para comer. Foi naquele ano que o Brasil deixou o Mapa da Fome da ONU. O quadro se reverteu em menos de uma década: no ano passado, pela primeira vez desde 2006, o Brasil passou a ter níveis de insegurança alimentar piores que a média global; em 2021, 36% dos brasileiros passavam fome.
Na comparação com outros países, os ricos brasileiros estão no mesmo patamar de segurança alimentar que os da Suécia: só 7% vivem em algum nível de insegurança. Mas, entre os 20% mais pobres da população brasileira, o grau de risco se equipara ao de Serra Leoa. Uma análise da Fundação Getulio Vargas constatou que o Brasil está abaixo de 109 países quando o assunto é segurança alimentar.
De 2019 a 2021, o percentual de brasileiros passando fome caiu um ponto percentual, enquanto o de mulheres saltou de 33% para 47%. Em comparação com o resto do mundo, a disparidade da fome entre homens e mulheres é seis vezes maior no Brasil do que na média global. Pesquisadores avaliam que a fome feminina é um perigo não só para o presente, mas também para o futuro do país: crianças que vivem em lares comandados por mães em situação de insegurança alimentar estão mais sujeitas à subnutrição, que pode deixar marcas permanentes.
A fome também está associada à vulnerabilidade no trabalho. No ano passado, 21% das pessoas que trabalhavam sem carteira assinada estavam em situação de insegurança alimentar grave. Entre os trabalhadores formais, a taxa ficou em 7%.
Em 2021, o rendimento médio mensal per capita de um brasileiro dos 5% mais pobres do Brasil era de R$ 39. Significa dizer que essa parcela da população sobrevive com cerca de R$ 1,30 por dia. Com esse valor, não daria para comprar nem um pacote de biscoito de água e sal, que em maio custava, em média, R$ 3,20 na cidade de São Paulo.
Enquanto os 5% mais pobre da população ganhavam R$ 39, a renda média mensal dos brasileiros ricos era de R$ 15.940 em 2021. Este valor permitiria bancar uma churrascada com 340 quilos de carne bovina, que custava R$ 46,52 na cidade de São Paulo em maio passado. Já o brasileiro do grupo mais pobre, com sua renda mensal, poderia comprar só 838 gramas.
Um carrinho de supermercado carregado com alguns itens básicos da alimentação brasileira equivale a 98% da renda de um brasileiro pobre. Em São Paulo, 5 kg de arroz, 1 kg de feijão e uma dúzia de ovos custavam em média R$ 38,53 na capital paulista em maio passado; o quinto mais pobre da população sobrevive com uma média de R$ 39 por mês.
Editor do site da piauí
Repórter da piauí
É designer e diretora do estúdio BuonoDisegno