ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2022
A companheira do TikTok
Quem é Brunna Rosa, a estrategista digital de Lula
João Batista Jr. | Edição 191, Agosto 2022
No dia 20 de junho, a conta @lulaoficial estreou no TikTok com um vídeo em que a mulher do presidenciável, a socióloga Rosângela da Silva, conhecida como Janja, canta Lula Lá, o jingle da campanha. Sem medo de ser feliz, quero ver chegar/Lula lá, brilha uma estrela/Lula lá, cresce a esperança, ela entoa num comício em Natal, no Rio Grande do Norte. Ao fundo, as imagens da multidão eufórica.
A entrada de Lula no TikTok – o aplicativo mais baixado do mundo no primeiro trimestre deste ano, com 175 milhões de downloads – foi decidida depois de uma análise de três meses realizada pela equipe digital da sua campanha. A pesquisa concluiu que é um erro achar que a rede social só tem jovens infantilizados rebolando os quadris em dancinhas ridículas: há centenas, milhares de páginas com temas políticos e sociais, e muita gente usa a rede social como fonte de conteúdos que compartilha em grupos de WhatsApp.
A previsão era lançar o perfil do presidenciável do PT alguns dias antes do início de junho, mas a estreia foi adiada porque a atenção dos brasileiros estava concentrada nas notícias sobre o desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips. O lançamento no dia 20, com Janja e o jingle, foi estimulante: o post teve 1,1 milhão de visualizações.
Quem decidiu a nova data foi a responsável pela parte digital da campanha, Brunna Rosa, uma paulistana de 36 anos, com tatuagens no braço e fala acelerada. A ela compete a delicada missão de configurar a voz do presidenciável de 76 anos nas redes sociais e construir uma barragem de contenção na internet à campanha de Jair Bolsonaro e seus filhos.
Rosa faz tudo que está ao seu alcance para aumentar a influência de Lula nas redes. De acordo com a consultoria de análise de dados Bites, ele obteve 7,1 milhões de interações (a soma de curtidas, compartilhamentos e comentários) no Instagram, Facebook e Twitter no primeiro semestre de 2022. É um número promissor, mas ainda pequeno, diante dos 17 milhões de interações conquistadas por Bolsonaro. A diferença, porém, está diminuindo. No primeiro semestre do ano passado era bem maior: Lula tinha apenas 4,7 milhões de interações, contra 20,5 milhões de Bolsonaro.
Este ano, Bolsonaro ganhou 5 667 926 novos seguidores nas redes Instagram, Facebook, Twitter e YouTube, o que representa 13,9% de sua base total nas redes sociais, que atualmente reúne 46,5 milhões. Também em 2022, Lula conquistou mais 2 934 262 de seguidores, 25,9% de sua base, que é de 14,3 milhões nas quatro redes sociais.
O crescimento do petista se deve, em parte, à estratégia que ele adotou de seguir, curtir e trocar mensagens com personagens que têm grande presença nas redes. Foi assim que Lula se tornou amigo virtual de ex-BBBs – como Juliette, com 33,6 milhões de seguidores no Instagram, e Gil do Vigor, com 15,1 milhões – e de influenciadores com grande audiência, como a advogada Deolane Bezerra (14,7 milhões). Além do alinhamento ideológico, é preciso pensar na força dos algoritmos.
Brunna Rosa foi chamada para a campanha no ano passado. O convite veio do jornalista Franklin Martins, ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social do governo Lula. Na época, ele era chefe de comunicação da campanha, cargo que deixou em abril para se tornar conselheiro especial do presidenciável. Rosa conta que sua preocupação inicial foi fazer um “processo de reconstrução” da imagem digital de Lula, que passou 580 dias preso em Curitiba, entre 7 de abril de 2018 e 8 de novembro de 2019. “O que sobrevive desse terreno devastado? Quase nada. A gente precisava estruturar a nossa casa”, diz ela, sentada em um café na região da Avenida Paulista, em sua primeira entrevista à imprensa.
Entre as suas iniciativas digitais para avançar além da bolha lulista e dialogar com um público mais amplo, Rosa destaca a entrevista dada por Lula ao podcast Podpah, um dos mais ouvidos no país. A live aconteceu em dezembro de 2021 e teve 2,1 milhões de acessos. “Repercutiu entre jovens que sequer viveram durante o governo Lula”, diz.
No Instagram, as publicações de Lula com maior engajamento neste ano foram, de acordo com um levantamento da consultoria Bites, a foto ao lado de Deolane Bezerra (1,2 milhões de interações), a foto oficial do casamento com Janja (1 milhão de interações) e a foto do ex-presidente usando óculos de sol modelo Juliet (967 mil interações). Esta última imagem não foi planejada. A oportunidade surgiu durante uma reunião de Lula com lideranças jovens na favela de Heliópolis, em São Paulo, depois que um dos participantes ofereceu a ele os óculos. A foto se converteu em memes e figurinhas de WhatsApp.
O encontro de Lula com a influenciadora Deolane Bezerra foi articulado por Janja, que também aproximou o marido da cantora Anitta. Mas Bezerra talvez não seja mais uma companhia tão desejável para um candidato à Presidência: em julho, a Polícia Civil de São Paulo realizou uma ação de busca e apreensão na casa dela, investigando a sua possível participação no esquema criminoso de um site de apostas esportivas. Ela nega envolvimento.
Lula vem somando avanços em quase todas as redes, mas há uma frente na qual ainda existe um abismo entre ele e Bolsonaro: o Telegram. De acordo com a Bites, Bolsonaro tem hoje o segundo maior canal de política do mundo nesse aplicativo, com 1,3 milhões de seguidores. Passou Donald Trump (922 mil) no início do ano e hoje só perde para Ramzan Kadyrov (2,6 milhões), líder da Chechênia e aliado de Vladimir Putin. O candidato do PT tem apenas 74,6 mil seguidores no Telegram (tinha 46 mil em janeiro).
O engajamento de Bolsonaro nessa rede social também é enorme. “Ele atinge pelo Telegram cerca de 170 mil pessoas por dia, fazendo 184 posts por mês. Lula agora está fazendo 250 posts por mês, e tem média diária de 11 mil pessoas atingidas”, informa André Eler, diretor adjunto da Bites.
Além de Rosa, só mais duas pessoas têm a senha das redes do ex-presidente: o assessor de imprensa José Crispiniano e o fotógrafo Ricardo Stuckert. “Sempre um de nós três estará ao lado de Lula, que gosta de resolver tudo pessoalmente”, ela explica. “Nada é decidido com ele por WhatsApp.” Declarações e imagens inéditas – como a foto em que Lula aparece de sunga, abraçado a Janja – precisam ser autorizadas.
Logo que se formou em ciências sociais, Brunna Rosa começou a trabalhar com política. A convite de um amigo de Brasília, participou da reformulação do site do Ministério do Desenvolvimento Agrário, em 2007, no governo Lula. Em 2010, assumiu a campanha digital de Dilma Rousseff. Na época, apenas 35% dos domicílios do país tinham acesso à internet, e o Orkut (hoje extinto) era a rede social mais popular. Também estava em alta a comunicação em massa feita por correntes de e-mails.
Rosa teve a ideia de viajar pelo país a fim de construir uma base de apoiadores engajados na circulação de boas notícias sobre Dilma. A iniciativa, que ficou conhecida como “caravanas digitais”, ministrava oficinas para formar militantes online. “Ensinávamos a montar um blog e a fazer perfil nas redes, e pedíamos para seguir a Dilma nas redes dela”, lembra Rosa.
De cada encontro ela saía com uma base de contatos de novos militantes, que passavam a receber missões específicas diariamente. “Tinha dia em que escolhíamos falar do pré-sal, explicando que seria um passaporte para a independência econômica do país. Também avisávamos onde a Dilma estaria para fazerem fotos dela e postarem em suas redes.”
Rosa ocupou o cargo de coordenadora digital de Dilma também em 2014, mas não da campanha de Fernando Haddad à Presidência em 2018 (na ocasião, ela atuou para abrir canais de denúncias de fake news contra a campanha petista). Hoje, ela comanda uma equipe de apenas dez pessoas – analistas, jornalistas e um antropólogo –, que trabalham na sede do PT, em São Paulo. O mais jovem do time nasceu em 2004, segundo ano do primeiro governo Lula. Embora passe boa parte do dia conectada a dados de audiência, engajamento e algoritmos das redes de Lula, Rosa não tem perfil em nenhuma rede social. “Acho uma bobagem”, diz.
Candidato a vice na chapa do petista, o ex-tucano Geraldo Alckmin (hoje no PSB) pediu a Rosa indicações de nomes para cuidar de suas redes. Ela não teve como ajudar, pois também está precisando de mais profissionais. “A equipe da Brunna vai crescer. Vamos alugar uma casa na Zona Oeste de São Paulo para ser o local de onde iremos tratar de toda a estratégia digital”, diz o deputado petista Rui Falcão, que, ao lado de Edinho Silva, coordena a comunicação da campanha de Lula.
A guerra nas redes está apenas começando.
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