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    Ilustração: Carvall

questões da extrema direita

Trump, Bolsonaro e a virada da maré

Acusações trazem ex-presidente americano de volta à mídia, mas eventual condenação arrisca provocar efeitos negativos em sua campanha eleitoral

Lucas de Abreu Maia | 05 abr 2023_14h38
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Existem muitas perguntas a serem respondidas no processo em que o ex-presidente americano Donald Trump agora é réu: 

 

  • qual o crime que ele está sendo acusado de acobertar com os pagamentos à atriz pornô Stormy Daniels? 
  • quão sólidas são as 34 acusações contra ele? 
  • quais as chances de que de fato seja condenado? 
  • Trump irá, afinal, para a cadeia?

 

A pergunta de maior relevância política, porém, é como o processo afetará sua campanha para voltar à Casa Branca. Meu chute: negativamente.

A primeira reação de muitos analistas políticos foi de declarar que o processo beneficiaria Trump. Jonathan Chait, que sempre vale ser lido, escreveu na New York Magazine que os problemas legais do ex-presidente demonstram uma conexão orgânica com a base do Partido Republicano. A Economist disse em editorial que tornar Trump réu seria “um erro”. Para a revista, o caso seria técnico demais para dar ao público americano a clareza necessária.

À primeira vista, os argumentos parecem fazer sentido. O processo, ao menos por hora, é um tanto diáfano. Além de caixa 2, Trump está sendo acusado de fraude fiscal para ocultar um outro crime – que permanece um segredo não revelado pelo promotor responsável pelo processo. 

Há ainda o aspecto midiático de toda a operação. Os supostos crimes giram em torno de ao menos dois casos extramaritais de Trump. Mais provas de que o sujeito é um mulherengo ególatra não surpreendem ninguém e, conforme apontou Chait, não falta eleitor de Trump que vê misoginia como qualidade. Lembremos-nos de que, às vésperas da eleição de 2016, veio à tona um vídeo em que Trump se gaba de assediar mulheres e uma parcela suficientemente grande de americanos deu de ombros a ponto de elegê-lo presidente.

De acordo com esse argumento, portanto, Trump se beneficiaria daquela que tem sido a força motriz de sua carreira, seja como político, seja como empresário: falem mal, mas falem de mim. Serão meses de procedimentos legais ininterruptamente televisionados. Trump voltará a ter aquilo de que certamente sentiu mais falta desde que foi escorraçado da presidência: a primeira página dos jornais. 

Ocorre que 2024 não será 2016.Trump já foi presidente. Todo mundo sabe como ele (não) governa. Há três ciclos eleitorais (2018, 2020 e 2022) o trumpismo leva uma coça nas urnas. O eleitor americano parece estar cansado do caos permanente capitaneado pelo ex-presidente. Chamar atenção para si, nesse contexto, só servirá para lembrar os eleitores do porquê de terem se livrado dele três anos atrás.

Trump parece, em alguma medida, saber disso. Os repórteres presentes na leitura das acusações afirmam que o ex-presidente estava abatido. Virar réu seria seu maior medo. O que sabemos de fato é que a mobilização fora da corte foi bem menor que a de 6 de janeiro de 2021.

Diferentemente da justiça brasileira, a americana tende a ser célere. Um processo lento, como deve ser esse, dadas às medidas protelatórias que todos esperam de Trump, mede-se em meses, não anos. O promotor do caso é experiente. Há de saber do peso político das acusações e não as traria à tona se não estivesse confiante em uma condenação. O caso será julgado por júri popular em Manhattan – um santuário eleitoral do Partido Democrata. 

Trump responde ao menos a outras três investigações. Agora que é réu em uma delas, outros promotores podem se sentir encorajados a convertê-las em acusações.

As primárias para definir os candidatos à Presidência americana começam em fevereiro do ano que vem. Há, portanto, chances substantivas de que Trump tenha de fazer campanha para presidente de dentro da cadeia. Com o perdão pela comparação escabrosa, Lula já mostrou, em 2018, que isso não dá certo.

Verdade que Trump tem a lealdade de parte significativa do eleitorado republicano. O tamanho exato dessa base, porém, ninguém sabe. No ano passado, pesquisa eleitoral contratada pelo New York Times mostrou que metade dos votantes no partido prefere outros candidatos à Presidência. Pode ser suficiente para que ele receba a nomeação, mas é um apoio surpreendentemente baixo para um sujeito que acabou de deixar a Casa Branca e que, supostamente, moldou o partido à sua imagem. Pior ainda para Trump: pesquisas de intenção de voto datadas de antes de que as acusações viessem à tona indicaram que o governador da Flórida, Ron DeSantis, que sequer anunciou a candidatura à Presidência, estaria perto de alcançá-lo. Desde que tornou-se réu, algumas pesquisas têm apontado uma grande recuperação do ex-presidente (embora outras apontem exatamente o oposto). O fato é que as primárias ainda estão há quase um ano de distância. Claro que a mídia, ainda que negativa, chamou a atenção do eleitor republicano distraído para Trump. É possível, diria provável, que as pesquisas que se seguiram imediatamente à divulgação das acusações contenham mais ruído que sinal.

Também é verdade que, como apontaram Chait e outros analistas políticos, DeSantis ainda não encontrou uma linha de ataque consistente contra o ex-presidente. Mas DeSantis tem se mostrado um político extraordinariamente astuto. Vem construindo sua candidatura à Presidência desde 2017. O fez com tanto sucesso que não há hoje outro rival a Trump dentro do Partido Republicano. Trump passou recibo e agora dirige todos os seus ataques ao governador da Flórida.

A principal função de um partido, de acordo com a ciência política, é ganhar as eleições. O establishment republicano, portanto, fará todo o possível para barrar o candidato que vem impondo derrotas à agremiação. Em 2016, a liderança partidária tentou negar a nomeação a Trump. Falhou. Resta saber se terá mais êxito em 2024.

Ainda que não tenha, porém, não é só ao eleitorado republicano que Trump terá de responder. Ele é o candidato ultraconservador dos sonhos do Partido Democrata. Como candidato, Trump quase certamente enfrentaria o atual presidente, Joe Biden. A administração Biden tem sido tudo aquilo que a antecessora não foi: focada, disciplinada e competente. A aprovação do presidente tem melhorado à medida que a inflação cai, sem, aparentemente, causar um aumento no desemprego. As pessoas precisam do governo e competência importa. Trump daria, portanto, a Biden a melhor chance possível para se reeleger.

Toda essa novela diz algo sobre o caso brasileiro? Sim. Ao deixar a Presidência, Bolsonaro enfraqueceu-se ainda mais que Trump. Conforme seu ídolo americano, o ex-presidente do Brasil também está sendo investigado em um sem número de processos. Uma condenação de Trump pode ser sinal definitivo de que a maré virou para a extrema direita em todo mundo. Não à toa, Bolsonaro está atrás do passaporte italiano.

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