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    "Ao Cotrim, com abraço, 'Pelé'; um dos itens sem interessados em leilão às vésperas do primeiro aniversário pós-morte do jogador Foto: Leilão Ernani

anais do esporte

Pelé, a marca, tem ficado de escanteio

Um leilão esvaziado, uma loja expatriada e o interesse dos filhos pela gestão do nome do rei

Pedro Tavares | 05 out 2023_10h18
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O lote de número 13 apareceu no leilão pouco depois das oito da noite. Era uma camisa verde-amarela da seleção brasileira, datada do começo dos anos 1970, surrada, com manchas de mofo, mas com um detalhe valioso: abaixo da gola, ao lado do escudo da antiga Confederação Brasileira de Desportos (CBD) atual CBF , lia-se a inconfundível assinatura do rei Pelé. O craque tinha usado e autografado aquela camisa no auge de sua carreira. A Ernani Leiloeiro, antiga casa de pregões do Rio de Janeiro, estimou um preço inicial de 15 mil reais pelo item. Depois de uma disputa acirrada que durou dez minutos, a plataforma onde ocorria o leilão virtual anunciou, no chat: “Dou-lhe uma, dou-lhe duas, e vendido!” Um alegre comprador cuja identidade não é conhecida levou a camisa para casa por 21,5 mil reais.

O uniforme autografado da seleção, uma raridade, foi cedido por Pelé em 1971 a Horácio Coimbra, dono da Cacique de Alimentos, um de seus patrocinadores na época. A empresa produzia o famoso Café Pelé, que fez grande sucesso com o público brasileiro e ainda hoje é comercializado. Coimbra morreu em 1993 e a camisa então ficou com sua viúva. No início de 2023, o item estava nas mãos de um colecionador que procurou a casa de leilões carioca para que realizassem a venda.

Outros objetos não despertaram tanto interesse. Naquela noite de terça-feira, 12 de setembro, fotografias raras de Pelé foram ofertadas, sem que ninguém desse um lance. Até mesmo uma bola de futebol preta e branca, das antigas, autografada pelo rei, não encontrou comprador. Como em dado momento ninguém mais parecia interessado nos itens à venda, o leiloeiro decidiu encerrar o pregão mais cedo.

O desinteresse pela memorabilia do jogador de futebol mais célebre de todos os tempos, que se tornou um sinônimo de Brasil em todo o mundo, chama atenção. O leilão pouco foi divulgado e não virou notícia. 

O episódio do leilão ajuda a exemplificar como o legado de Pelé nem sempre tem o destaque à altura do craque, passado quase um ano de sua morte, em dezembro de 2022. Comparado a outros esportistas célebres, Pelé aparece timidamente em produtos oficiais, a maioria deles vendidos fora do Brasil. Itens únicos são listados sem alarde em leilões independentes.

O ex-jogador Pelé autografa camisa de torcedor em shopping de Campinas, em 2001. | Crédito: Marcos Peron/Folhapress

 

No perfil oficial de Pelé no Instagram, um link direciona o usuário para a loja virtual da Pelé Foundation (Fundação Pelé). “Welcome to the new Pelé Foundation Store powered by Roots of Fight”, diz a mensagem no topo da página. Roots of Fight é a marca que produz roupas inspiradas no craque brasileiro. O site não disponibiliza tradução para o português. Estão à venda camisetas, moletons, bonés, broches, bermudas, tudo com o nome Pelé. Um dos produtos mais recentes é um casaco da cor heather blue, com design que homenageia a Copa de 1958, primeiro título mundial da seleção brasileira. Pelé, a estrela do time, tinha 17 anos. Quem clica no produto se vê diante de uma explicação histórica, contando tudo isso mas, é claro, na língua dos americanos. A plataforma não tem atuação no Brasil, mas é possível importar. O preço também é gringo: 85 dólares. Convertendo para a moeda brasileira, sai por 430 reais, sem contar o frete.

O ex-empresário de Pelé, o americano Joe Fraga, é quem cuida dos direitos da marca do ex-jogador. Ele é CEO da Sports 10, empresa que administrava a carreira do santista. “Infelizmente a alfândega brasileira dobra o preço [dos produtos]. Então é meio difícil”, ele explica, em inglês, ao ser questionado sobre a falta de produtos oficiais de Pelé no Brasil. 

Segundo Fraga, a fabricante de roupas estuda a possibilidade de inaugurar uma distribuidora no Brasil, o que facilitaria a venda para o público brasileiro. A Roots of Fight responde apenas pelos produtos oficiais e não tem relação com os leilões de objetos raros ligados a Pelé. Há poucos dias, em 26 de setembro, o perfil de Pelé no Instagram anunciou uma nova coleção que inclui camisa, casaco, bermuda e chuteira inspirados no clube New York Cosmos, onde Pelé jogou antes de se aposentar. Na caixa de comentários da postagem, um usuário lamentou: “Pena que não vende no Brasil.” 

Além da Roots of Fight, só duas marcas comercializam o nome de Pelé. Uma delas é a grife de relógios Hublot, que lançou uma série em edição limitada homenageando o brasileiro. Um Hublot Classic Fusion Aerofusion, decorado com a silhueta de Pelé dando um chute de bicicleta, custa 119,9 mil reais. A outra marca é o Café Pelé, administrado hoje pela empresa holandesa, Jacobs Douwe Egberts. 

Segundo Fraga, em época de Copa do Mundo, acontece de a Puma entrar em contato para fechar parcerias pontuais. De resto, o movimento não é tão grande. Mas ele diz que, nos próximos meses, serão anunciados acordos com mais três empresas interessadas em se associar ao craque brasileiro. “Pelé deve se alinhar com os melhores, porque ele era o melhor entre os melhores”, diz o empresário, que começou a trabalhar com o ex-jogador em 2017. Os dois viraram amigos.

Fraga é orgulhoso do próprio trabalho, sobretudo dos números que alcançou no Instagram. O perfil de Pelé tem 17 milhões de seguidores (o dobro de Maradona). No Facebook, são 9,9 milhões; no X, antigo Twitter, pouco mais de 3 milhões. “As pessoas pensaram que eu era louco quando lançamos o Instagram. Dois anos depois, ele tem mais de 17 milhões de seguidores. Fala sério: 17 milhões.”

 

“A família tem poucas informações sobre o que está acontecendo com a marca [Pelé]. A gente sente a ausência da marca pelo país”, reclama Edinho Nascimento, ex-jogador do Santos e treinador de futebol. Ele tem 53 anos e é o segundo dos sete filhos de Pelé. “Agora, com o falecimento do meu pai, vou me aprofundar na relação contratual como inventariante, representando a família”, disse à piauí.

Joe Fraga esteve com os parentes de Pelé em setembro, nos Estados Unidos, para o casamento de Joshua Arantes do Nascimento, irmão de Edinho. O empresário diz que sua relação com a família sempre foi boa. Ele sabe do desejo de Edinho de comprar a marca e ter os direitos do pai. Mas falta dinheiro. Fraga não se arrisca a dizer quanto vale a marca Pelé. “Se você coloca 50 milhões de dólares, algumas pessoas pensam: ‘isso não é muito.’ Mas outras podem pensar que é demais. Acho que as forças do mercado determinarão eventualmente quanto custará a marca.”

A Revista Forbes faz um ranking anual das “celebridades mortas mais bem pagas do ano”. O primeiro da lista, em 2022, foi J.R.R. Tolkien, autor de Senhor dos Anéis. O segundo lugar foi ocupado por um esportista: Kobe Bryant. O ídolo do basquete, que morreu num acidente de helicóptero em 2020, aparece com uma cifra de 400 milhões de dólares, que foi o valor arrecadado com a venda de sua participação na empresa de bebidas esportivas BodyArmor. A compradora foi a Coca-Cola.

Fraga não abre o jogo sobre o faturamento da marca Pelé. Ele diz que as receitas provêm basicamente de empresas que desejam utilizar o nome do ex-jogador. Sempre que se vende um produto com menção a Pelé, a Sports 10 embolsa uma porcentagem do valor da venda. O empresário também não comenta o valor das transações. Em vez disso, despista: “Só tivemos um Pelé. Não tem valor pra isso.”


Todo mês, Joe Fraga se reunia com Pelé para acertar o planejamento de postagens do Instagram. Tudo passava pela aprovação do ex-jogador. A rotina segue parecida, agora sem Pelé e com muito mais cautela nas postagens. “É o mesmo grupo. Ainda fazemos o calendário mensal. Mas temos que ter cuidado, já que ele não está aqui. Acho que parte do legado é manter as pessoas lembrando de todas as coisas incríveis que ele conquistou dentro e fora do campo.” As postagens às vezes rememoram momentos da carreira de Pelé; outras vezes, anunciam produtos.

Este é o primeiro outubro desde que Pelé morreu. O mês foi importante na vida do jogador, e não só porque ele fazia aniversário no dia 23. Em 2 de outubro de 1974, Pelé jogou sua última partida vestindo a camisa do Santos. No dia seguinte à despedida, a Folha de S.Paulo estampou na capa: “Pelé: fim.” Três anos mais tarde, também num outubro, o craque atuou em sua última partida como profissional. Foi um amistoso entre NY Cosmos e Santos. Pelé vestiu a camisa do time americano no primeiro tempo, quando marcou um gol de falta, e no segundo tempo passou para o lado do Santos. Ao completar 50 anos de idade, em 1990, entrou em campo novamente, era um mês de outubro para uma partida comemorativa de seu aniversário, no Giuseppe Meazza, estádio do Milan, na Itália. O décimo mês do ano parece celebrar o dez imortalizado nas camisas que Pelé vestiu por onde jogou. 

Fraga diz que este outubro será dedicado a memórias e tributos. “Será o primeiro aniversário sem ele. Não é hora de fazer peças comerciais malucas.”

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