Nos rastros da um literato
A mais recôndita memória dos homens, de Mohamed Mbougar Sarr, conduz o leitor a um realismo mágico que homenageia a literatura
A mais recôndita memória dos homens, do escritor senegalês Mohamed Mbougar Sarr, é um livro delicioso, feito de várias histórias que correm como afluentes e vão dando corpo ao rio principal: uma engenhosa declaração de amor à literatura.
O fio que amarra a ideia central é a saga de um jovem escritor senegalês que descobre um livro raro tão bom, mas tão bom, que tem o poder de subjugar seus leitores. Sai, então, em busca dos rastros de seu autor, um conterrâneo que, humilhado por críticos franceses, passa a vagar por vários lugares do mundo como um ser fantasmagórico, sedutor, até meio maligno – uma história que faz referências ao caso real do escritor maliano Yambo Ouologuem, premiado na França nos anos 1960, mas proscrito depois de uma acusação de plágio.
Esse fio condutor trança, de maneira vertiginosa, outras histórias. Há um triângulo amoroso entre uma linda mulher e dois irmãos gêmeos senegaleses – um deles encantado pela cultura europeia, o outro com os dois pés muito bem fincados nas tradições locais. Aparecem jovens escritores africanos vagando por Paris, acossados pela angústia de escrever e atormentados pela dúvida sobre o que é se render à cultura europeia. Emergem dilemas entre personagens que se julgavam assimilados a outras culturas, até que são submetidos a violências. Surgem histórias de esperanças coletivas num momento de ebulição política no Senegal. E fica posta uma discussão sobre o que é plágio e o que é referência na literatura – onde está, afinal de contas, a singularidade na enorme nuvem do legado cultural – e sobre como a brutal herança colonialista influencia nessa definição.
Esse caleidoscópio, todo feito de metáforas da literatura, é empacotado numa escrita que brinca com escolas literárias, sobretudo o realismo mágico, e homenageia autores, principalmente o chileno Roberto Bolaño. O livro ganhou em 2021 o prêmio Goncourt, o mais prestigioso da língua francesa. A partir daí, levou o mundo para dentro de sua apaixonada jornada literária.
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