O soldado Reis, que morreu em julho, aos 30 anos: os pais haviam se mudado do Sul para São Paulo a fim de ficar mais perto dele (Foto: reprodução)
Onde enterrar o único filho
A morte do soldado Reis, da Rota, desencadeou uma vingança sangrenta da polícia. Sua mãe, porém, não recebeu a menor atenção das autoridades, e nem pôde escolher o jazigo do jovem
A morte de Patrick Bastos Reis, o soldado Reis, desencadeou a mais mortífera operação da PM paulista desde o massacre de 111 presos no presídio do Carandiru. Na noite de 27 de julho de 2023, ele foi baleado entre o ombro e o braço, no Guarujá, litoral de São Paulo, onde a Rota fazia um patrulhamento. Tinha 30 anos. A bala atravessou o tórax e atingiu seus pulmões e a aorta ascendente. Morreu na unidade de saúde em que foi socorrido.
Desde então, e a PM realizou operações na Baixada Santista que resultaram numa conta assombrosa e, talvez, até subnotificada: 84 mortos. A corporação tem afirmado que essas mortes aconteceram em confrontos com bandidos.
A vingança da PM começou na sexta-feira, dia seguinte à morte do soldado Reis. “No fim de semana, recebemos ligações de moradores sem entender o que estava acontecendo”, lembra Fernanda Balera, coordenadora do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo. Ela conta que, ao chegar ao Guarujá, já soube que a revanche seria dura. “Ouvi que seriam ao todo trinta pessoas mortas, uma para cada ano de vida do soldado Reis”, diz ela.
A fúria sangrenta da PM, porém, não trouxe consolo para Cláudia, mãe do soldado Reis, entrevistada por João Batista Jr. para uma reportagem da edição de maio da piauí sobre o secretário de segurança pública de São Paulo, Guilherme Derrite.
Cláudia havia se mudado de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, para a capital paulista, com o marido. Eles queriam ficar mais perto do filho único e do neto. Assim que soube da morte de Reis, ela pediu a um comandante da Rota, cujo nome não quis identificar, que o enterro fosse em Santa Maria, onde fica o jazigo da família. O oficial negou o pedido, em razão de uma regra segundo a qual o corpo precisaria ficar pelo menos cinco anos enterrado no mausoléu da PM, no Cemitério do Araçá, em São Paulo. (A regra não existe, mas, abalada com a perda, a mãe não teve energia para pesquisar sobre o assunto.) Ouviu que um helicóptero da PM buscaria a família no interior para comparecer ao velório na capital. “Mas daí ninguém mais ligou. Eu peguei uma carona para não perder o enterro do meu filho.”
O sepultamento tornou-se um grande ato político, com a presença do governador Tarcísio de Freitas e de Derrite. Encerrada a cerimônia fúnebre, Cláudia diz que nunca mais teve contato com a PM. “O Derrite nunca se deu ao trabalho de me ligar”, lamenta ela. Depois que soube que a regra dos cinco anos era invenção, Cláudia começou a procurar um advogado para transferir os restos mortais do filho para Santa Maria. Ela diz que não tem sido informada sobre o andamento das investigações. “Fiquei sabendo pela imprensa que a bala que atingiu o meu filho não veio da arma apreendida pela polícia”, disse.
Até hoje, a Secretaria de Segurança Pública mantém a versão de que a operação não era vingança contra a morte dos policiais, mas fazia parte de um plano prévio destinado a asfixiar a venda de drogas na região portuária, controlada pelo PCC. Depois de 84 mortos, a PM prendeu 2 mil pessoas, apreendeu 240 armas e quase 3,6 toneladas de drogas. Os especialistas dizem que o volume de droga apreendido até agora é de pouco mais de 5% do que o PCC despacha por ano pelo Porto de Santos. Em paralelo a isso, o Gaeco, do Ministério Público, com trabalho de inteligência, desferiu um ataque duro contra o PCC ao desbaratar duas empresas de ônibus que faturavam mais de 800 milhões de reais e vinham sendo usadas pela organização criminosa para lavar dinheiro do tráfico de drogas. A PM apoiou a operação. Não precisou dar um único tiro.
Leia aqui a reportagem completa.
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