Beckett, Adorno e o jornalista Karl Korn, em 1961: um dos méritos filosóficos de Adorno é desenvolver uma teoria da sociedade que leva a sério o que a arte moderna conta a seu respeito CRÉDITO: AKADEMIE DER KÜNSTE, T.W. ADORNO ARCHIVE, FRANKFURT/MAIN_FOTO DE KLAUS BAUM, DIEBURG, 1961
O buraco no qual descemos
O crítico Roberto Schwarz explica a leitura de Adorno da peça Fim de partida, de Beckett
Fim de partida, escrita entre 1954 e 1956, é considerada uma das principais peças do dramaturgo irlandês Samuel Beckett (1906-89), ganhador do Prêmio Nobel de 1969. Espécie de comédia-pastelão temperada com nonsense, tem quatro personagens presos em um quarto similar a um bunker, incapazes de sair dali: o senhor imobilizado sobre uma cadeira, os seus pais enfiados em duas latas de lixo – todos servidos por um criado, que gostaria de matar seu patrão, ou ir embora, mas não consegue fazer nem uma coisa nem outra.
Em um ensaio na piauí deste mês, o crítico Roberto Schwarz apresenta o estudo do filósofo alemão Theodor Adorno (1903-69) sobre a peça, escrito em 1961 e que se chama Tentativa de entender Fim de partida. “É um dos grandes ensaios de Adorno sobre arte moderna”, escreve Schwarz.
A leitura corrente da peça, explica o crítico, considera que o seu minimalismo poético, feito de poucos gestos e palavras, visa recriar a plenitude da existência humana. De acordo com essa interpretação, tudo aquilo que, em Fim de partida, indica privação, precariedade e rebaixamento, na verdade aponta para o essencial da humanidade e o metafísico. Assim, a peça funcionaria “como uma espécie de sublime pelo avesso, de antissentimentalismo sentimental”, nas palavras de Schwarz, com “imagens da solidariedade humana que teimam em subsistir, da beleza difícil de nossa finitude, da riqueza que existe mesmo na amargura e no silêncio”.
Em oposição a essa leitura enaltecedora, Adorno toma a precariedade, tal como exposta na peça, ao pé da letra e sem enfeites: ela é um indício penoso da vida frustrada, é o resultado da civilização burguesa. “Em lugar de suma da condição humana, que abre perspectivas sobre a sua plenitude, temos o precário como um fim de linha, ou melhor, como o fim da linha em curso há muito tempo, o fim ao qual as antigas promessas de plenitude levaram – o que naturalmente faz rever aquelas promessas com outros olhos”, analisa Schwarz. “Trata-se do buraco no qual descemos, o resultado efetivo de nossa história, com feições precisas e acabrunhantes. Não por nada a peça chama-se Fim de partida.”
Assinantes da revista podem ler a íntegra do ensaio neste link.
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