Jorge Picciani na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro FOTO: TÂNIA RÊGO/AGÊNCIA BRASIL
Silêncio contundente no Rio
Deputados se dizem consternados com a falência do estado, mas não querem nem saber de investigar a corrupção nos governos Cabral e Pezão
Com o final da trégua carnavalesca, o Rio de Janeiro volta à tragédia cotidiana da falta de recursos e à acirrada batalha entre servidores e o governo estadual. O centro nervoso das decisões no Rio foi deslocado há meses para a Assembleia Legislativa, a Alerj, e assim deve continuar. Por lá passarão as medidas do ajuste fiscal exigido pelo governo federal para socorrer financeiramente o estado. Desde dezembro, sessões extraordinárias se sucedem, e os deputados têm trabalhado como nunca. Nos últimos quatro meses, frequentei o parlamento fluminense para escrever o perfil do presidente da Alerj, Jorge Picciani, publicado na edição mais recente de piauí. Constatei a aparente consternação geral quanto à situação das finanças estaduais. Não vi nos deputados, porém, muita curiosidade em saber até que ponto o gigantesco esquema de corrupção montado nos governos de Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão empurrou o estado à penúria e ao caos. O PSOL de Marcelo Freixo chegou a propor a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar que transações não republicanas levaram à farra de isenções fiscais que dragou 185 bilhões de reais dos cofres fluminenses. Momentos de crise aguda tendem a favorecer a criação de CPIs e as forças de oposição. No Rio, entretanto, o silêncio da Assembléia sobre a CPI das isenções fiscais, assim como sobre tudo o que diz respeito à corrupção na era Cabral-Pezão, é contundente.
A dupla Cabral-Picciani comanda a Assembleia há mais de 20 anos, sem nunca perder o controle de sua ampla maioria. Organizado, bom de números e profundo conhecedor da alma parlamentar, Picciani sempre manobrou com competência a massa da Alerj. Nos últimos meses, demonstrou que continua a fazê-lo, mesmo vendo esfacelar-se à sua volta o condomínio de poder que ele e o ex-governador construíram. Em meio às bombas da polícia que explodiam do lado de fora com o intuito de refrear o ímpeto de manifestantes, ele aprovou a privatização da companhia de saneamento, a Cedae, em uma única manhã. Para isso, mandou que Pezão loteasse a máquina estadual entre os parlamentares. O governador obedeceu e acabou de perder o resto de ingerência que ainda detinha sobre a administração. Não à toa, nos corredores da Alerj, a simples intenção de se produzir uma reportagem sobre o todo poderoso Picciani provocava um arregalar de olhos. Pedidos de entrevista a deputados não raro eram seguidos de evasivas, negativas ou mesmo de puro silêncio.
No início de dezembro, não só Picciani, mas os deputados Paulo Mello e Cidinha Campos, aliados de sempre, foram ao complexo prisional de Bangu ver o ex-governador Cabral. Voltaram tristes e preocupados – uma sensação que parece ter se espalhado pelo prédio histórico da Assembleia. Virou lugar-comum dizer que a recente chateação de Picciani se deve ao “efeito Orloff”— aquele do comercial de vodca em que um sujeito diz ao outro: “Eu sou você amanhã”. Pois, pelo que vi, Picciani não é o único acometido pela praga da Orloff. O parlamento em peso está refém de seu passado. E o Rio, refém do parlamento.
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