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A banalização do hino nacional

Obrigar o público de todas as partidas do Campeonato Brasileiro a ouvir os semi-indecifráveis versos de Osório Duque Estrada é, claramente, o que nossos avós chamavam de ideia de jerico. E não me venham com risíveis patriotadas quando os torcedores – ávidos por ver a bola rolar e revivendo Nelson Rodrigues – responderem a mais essa tolice com uma poderosa e emocionante vaia à capela.

| 17 set 2014_17h58
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Dizem que Nelson Rodrigues não entendia patavina de futebol. Há os que vão além e garantem que, por problemas de visão, ele mal enxergava o que se passava dentro de campo. Custo a crer. De todo modo, muito mais do que por análises técnicas ou táticas, Nelson virou um imortal do jornalismo esportivo devido ao estilo de suas crônicas e às sacadas geniais nas discussões da . Numa delas, ironizando o interlocutor que se mostrava indignado com as vaias despejadas pelo público do Maraca em cima de uma autoridade, Nelson cravou: “Isso é bobagem. O Maracanã vaia até minuto de silêncio.”

Sempre gostei de ver jogos dos clubes pequenos, porque deles costumam sair alguns caras que vão brilhar nos grandes. Quando vim do Rio de Janeiro para São Caetano do Sul, passei a acompanhar times a que não tinha acesso lá no Rio, e conheci jogadores que viriam a conquistar títulos importantes e chegar à seleção brasileira. O goleiro Victor e o zagueiro Réver no Paulista de Jundiaí, o zagueiro Leandro Castán e o volante Ralf no Grêmio Barueri, os meio-campistas Elias e Paulinho na Ponte Preta e no Bragantino, o armador Douglas aqui mesmo no São Caetano.

As partidas eram divertidas e bem disputadas, mas eu estranhava quando ligava a tevê um pouco antes de Mirassol x Linensee lá estavam os vinte e dois fingindo que cantavam o hino nacional. Dependendo do furor cívico do prefeito, não raro havia mais gente na banda que executava a solene canção do que nas arquibancadas. Nunca me acostumei.

Entretanto, e como no futebol brasileiro sempre há espaço para piorar o que já não está lá grandes coisas, semana passada anunciou-se que nosso hino passaria a ser executado antes de todos os jogos da série A. Independentemente de se achar ou não que hinos são dispensáveis – e pra não ficar em cima do muro, declaro logo que eu dispenso –, me parece claro que futebol e hino não nasceram um para o outro. Tentar juntá-los na mesma programação é forçar a barra, e não há exemplo maior disso do que o que vemos na Copa Libertadores da América.

Digamos que o Corinthians enfrente o Boca Juniors na final, como aconteceu em 2012. A única explicação para a execução do hino nacional é acreditar que naquela noite, como tentaria empurrar goela abaixo da audiência o incomparável Galvão Bueno, “o Corinthians é o Brasil na Libertadores”. Conversa. Metade da cidade de São Paulo estará torcendo fervorosamente para que o Corinthians se estrepe de verde e amarelo. Hinoem jogo da Libertadores é a consagração da hipocrisia.

Obrigar o público de todas as partidas do Campeonato Brasileiro a ouvir os semi-indecifráveis versos de Osório Duque Estrada é, claramente, o que nossos avós chamavam de ideia de jerico. E não me venham com risíveis patriotadas quando os torcedores – ávidos por ver a bola rolar e revivendo Nelson Rodrigues – responderem a mais essa tolice com uma poderosa e emocionante vaia à capela. 

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