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    Cena de "A despedida", de Marcelo Galvão

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A Despedida e Campo Grande – qualidades defeituosas

Filmes brasileiros que têm qualidades muitas vezes apresentam também inconsistências debilitadoras

| 16 jun 2016_20h18
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Filmes brasileiros que têm qualidades muitas vezes apresentam também inconsistências debilitadoras. Essas virtudes e deficiências simultâneas nem sempre afetam a avaliação dos júris condescendentes de festivais nacionais e internacionais, muito menos os comentários de parte da crítica, mas certamente prejudicam a inserção no mercado exibidor, assim como as carreiras futuras desses filmes. De tão evidentes, essas debilidades suscitam indagação sobre a causa de não terem sido sanadas a tempo. Roteiros mal feitos, elenco inadequado e encenações com passagens pouco compreensíveis e fora do tom são apenas algumas das insuficiências mais comuns dessas produções.

A Despedida e Campo Grande são filmes que se destacam no panorama da produção recente por suas qualidades, mas ao mesmo tempo ficam aquém de suas possibilidades virtuais. Depois de participarem de festivais, colhendo inclusive alguns prêmios, A Despedida no Festival de Gramado e Campo Grande no Festival do Novo Cinema Latino-Americano de Havana, ambos tiveram lançamentos acanhados e não parecem demonstrar capacidade de atrair público no Brasil.

Não seria correto atribuir a baixa frequência exclusivamente aos próprios filmes dessa categoria, uma vez que possuem méritos reconhecidos. O que também tem influência decisiva é o fato do mercado estar voltado, cada vez mais, para uma forma de entretenimento que exclui ofertas que não sejam de marcas já conhecidas e consagradas comercialmente, produzidas por dezenas de milhões de dólares, e promovidas por campanhas igualmente milionárias. Quadro esse que estimula as inúmeras tentativas, nem sempre bem sucedidas, de romper a barreira existente apelando para réplicas mal feitas a baixo custo, quer da televisão, quer de fórmulas narrativas consagradas do cinema americano, em geral com grandes doses de humor rasteiro. Filmes brasileiros de mérito, como A Despedida e Campo Grande, são párias, condenados de antemão ao fracasso comercial.

Não é de hoje a dificuldade do cinema brasileiro em estabelecer elo firme com o público. Cronicamente deficitária, a atividade se manteve, a partir do início da década de 1990, graças a incentivos fiscais e, a partir de 2012, ao tributo pago pelas concessionárias de serviços de telecomunicações – a CONDECINE, Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica –, gerida pela ANCINE – Agência Nacional de Cinema. Dependente dessa forma de financiamento, o resultado de bilheteria, reflexo do interesse do público, deixou de fazer parte da equação.

Impossível negar, porém, a cota de responsabilidade que cabe aos próprios filmes nesse divórcio histórico que vem do início da década de 1960. Mas, ainda assim, é preciso não deixar de lado fatores extra-cinematográficos que mantém espectadores afastados. Índices de mais de 70% de insatisfação dos brasileiros com o país devem ter reflexos na rejeição do que é nacional face ao que é importado.

A Despedida e Campo Grande possuem, ambos, entre outras, a virtude de buscarem caminhos diferentes dos dominantes no cinema brasileiro atual. A Despedida é deliberadamente circunscrito e investe na observação minuciosa e sensível de um único personagem nonagenário. A ambição de Campo Grande, por sua vez, é maior, abrangendo relações sociais e familiares em crise inseridas em uma metrópole convulsionada.

Almirante, personagem memorável criado por Nelson Xavier baseado no avô do roteirista e diretor, Marcelo Galvão, sustenta em grande parte A Despedida. Simples e sensível, o filme peca por não explicitar a dramaticidade inerente a uma despedida final e mais ainda pelo artificialismo das rememorações em que outro ator faz o papel do Almirante quando jovem. Além disso, o filme é prejudicado pela incongruência de mostrar Almirante em duas idades, enquanto Fátima, sua amante de décadas, é vivida pela mesma Juliana Paes, sem qualquer caracterização para indicar a passagem dos anos, quer quando está com o jovem Almirante, quer quando está com o nonagenário.

Em Campo Grande, a roteirista e diretora Sandra Kogut dobra aposta de alto risco que fez também em Mutum, seu filme de 2007 – trabalhar com crianças em papéis principais. Outro desafio, igualmente difícil, é estruturar a narrativa de modo a deixar que a sequência final ilumine, em retrospecto, todo o transcurso do filme.

Sem contar com grandes talentos infantis nos papéis do casal de irmãos, Rayane e Igor, Campo Grande perde o que seria um de seus mais importantes sustentáculos. Estranhamente, a menina Rayane, em destaque no início, é deixada em segundo plano, seu irmão Igor passando a ser o centro das atenções. Ao retardar a ida da dona de casa Regina (Carla Ribas) à Zona Oeste do Rio em busca de pistas para decifrar o enigma que abre o filme, a primeira parte de Campo Grande se alonga demais. E, ao guardar para o final a revelação do que motiva a trama, o filme resulta, em certos momentos, de difícil compreensão.

Havia poucos espectadores assistindo a A Despedida e a Campo Grande, na sexta-feira, 10 de junho, no Espaço Itaú Frei Caneca, em São Paulo. Cerca de 15 pessoas na sessão de 17:00 de A Despedida, e 11 na de 19:50 de Campo Grande.

No quadro atual, não há perspectiva alguma de que bons filmes brasileiros deixem de ter performances fracas como essas. E se as causas não podem, como foi dito acima, ser atribuídas somente aos filmes, o que resta a quem os realiza, enquanto ainda for possível produzi-los, é se empenhar para não incorrer em debilidades tão claras.

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