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Questões da Ciência

A genealogia e o abacaxi

Diogenes de Almeida Campos foi o mentor do paleontólogo Alexander Kellner, perfilado na piauí de junho. Mas é possível recuar ainda mais a genealogia acadêmica de Kellner. Seu orientador aprendeu o ofício com Llewellyn Ivor Price, pioneiro da paleontologia brasileira no século XX. Natural de Irará, na Bahia, Campos explicou de onde vem a fama de afrodisíaco do abacaxi local, cantada numa música de 1972 por seu conterrâneo Tom Zé.

Bernardo Esteves | 27 jun 2014_14h49
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O paleontólogo Diogenes de Almeida Campos, diretor do Museu de Ciências da Terra, no Rio de Janeiro, foi o mentor do pesquisador Alexander Kellner, perfilado na piauí 93 (“É osso”, disponível para assinantes). Campos (retratado na foto ao lado) deu a Kellner seu primeiro estágio, no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), e o orientou no mestrado. Juntos, os dois estabeleceram uma parceria acadêmica frutífera e longeva – já publicaram 33 artigos científicos em coautoria.

É possível recuar ainda mais a genealogia acadêmica de Kellner. Seu padrinho acadêmico aprendeu a coletar e identificar fósseis com Llewellyn Ivor Price, nome emblemático da paleontologia brasileira no século XX. Nascido no Brasil de pais americanos, Price descobriu o primeiro dinossauro brasileiro e, de certa forma, também o primeiro pterossauro do país – foi ele quem notou que os fósseis de um animal que havia sido classificado como um crocodilo extinto pertenciam na verdade a um réptil voador.

Price criou um laboratório de paleontologia no DNPM, onde fez carreira. Passou a abrigar ali a coleção de fósseis coletados nas expedições que organizou em quase todos os estados brasileiros. O material – um dos mais expressivos acervos de fósseis do país – está hoje sob a responsabilidade de Diogenes de Almeida Campos, com quem Price havia trabalhado por treze anos. O acervo fica abrigado num prédio anexo de dois andares de acesso restrito no campus do Museu de Ciências da Terra.

Conheci a coleção numa visita guiada por Campos numa manhã no começo do ano. Os fósseis se espalham por todos os cômodos do prédio, dispostos em mesas, armários, estantes e gavetas. Numa sala que abrigava o material coletado pelo próprio Price, o paleontólogo destacou as peças que mais lhe chamavam a atenção. “Ali é o úmero de uma preguiça gigante da bacia do Araripe”, apontou. “Este é um osso de mastodonte, e aqui temos uma vértebra de saurópode”, disse, referindo-se a um dinossauro herbívoro de grande porte.

O espólio científico de Price é maior do que um paleontólogo poderia estudar em vida. Campos disse que 35 mil fósseis do acervo já foram identificados e registrados, mas ainda falta catalogar um número muito maior de peças. À medida que Campos ia ganhando confiança em Kellner, foi colocando à sua disposição a coleção de répteis do acervo. A maioria das peças mais importantes já foi descrita, mas o material ainda rende espécies desconhecidas pela ciência.

Saiu dali, por exemplo, o Sahitisuchus fluminensis – um crocodilo que viveu no interior do Rio de Janeiro há quase 60 milhões de anos. Os fósseis do animal tinham sido coletados por Price nos anos 1940, e só foram descritos no começo do ano, num artigo assinado por Kellner, Campos e André Pinheiro (foi a 21ª espécie de réptil extinto descrita pela dupla).

Para Campos, o legado de Kellner para a paleontologia brasileira é comparável ao de seu mentor. “O grande marco da paleontologia de vertebrados no Brasil foi a presença do Price”, disse o baiano. “O marco seguinte é a atividade desenvolvida por Kellner.”

Diogenes de Almeida Campos é natural de Irará, na Bahia – a mesma cidade em que nasceu o cantor e compositor Tom Zé. Quando assinalei a coincidência na primeira vez em que conversamos, ele contou que foi seu avô o responsável por espalhar a fama do abacaxi afrodisíaco plantado ali, cantada numa canção lançada em 1972. O avô do paleontólogo tinha feito um empréstimo para plantar a fruta. Mas a safra daquele ano foi boa para todos, e a concorrência foi acirrada. Para garantir o diferencial de seu produto, ele espalhou a história do seu poder libidinoso.

(fotos: Bernardo Esteves)

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