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    FOTO: AGÊNCIA PETROBRAS

questões da política

A Petrobras sem gás

A discussão de longo prazo sumiu do horizonte da companhia

Consuelo Dieguez | 16 fev 2016_20h49
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Na manhã de ontem, segunda-feira, 15 de fevereiro, a Shell iniciou sua operação conjunta com a BG, companhia inglesa de gás, comprada por ela, em abril do ano passado, por 70 bilhões de dólares. Ao apostar no mercado de gás, a Shell, uma das maiores petroleiras do mundo, sinalizou que o combustível terá um peso cada vez maior nos seus negócios. Sua produção atual de gás, de 1,7 milhão de barris diários, superou a de óleo, de 1,3 milhão de barris. Mas não é só a anglo-holandesa que está trilhando este caminho. Todas as grandes do setor estão de olho nessa fonte de energia e iniciaram um processo de aumentar a sua produção. Na americana Exxon Mobil, a maior petroleira do mundo, a produção de gás praticamente empatou com a do petróleo. O mesmo ocorre com a americana Chevron, a norueguesa Statoil e mais uma penca de grandes companhias.

Essa mudança de comportamento não se dá apenas em razão da queda no preço do barril, cuja cotação despencou de 100 dólares há dois anos para os atuais 30 dólares.  O movimento tem muito mais a ver com a questão ambiental. As petroleiras já se deram conta de que a tendência, daqui para frente, é a substituição do combustível fóssil por uma energia mais limpa. As recentes convenções do clima e do G4 – que reúne os países mais ricos – sinalizaram que haverá uma grande mudança na matriz energética, com o petróleo perdendo o protagonismo que tinha até agora. É claro que a mudança não se dará de um dia para outro. O abandono do petróleo, que reinou absoluto a partir da segunda metade do século XX como principal fonte de energia, é coisa para os próximos cem anos, no mínimo.  Mas a indústria petroleira, por sua característica, sempre olhou para o longo prazo.

Atentas a este cenário, as grandes petroleiras já começaram a se preparar para um futuro menos auspicioso para o seu principal produto. E se deram conta de que o gás natural poderá ser o combustível de transição para uma energia mais limpa. Além disso, como o gás natural pode ser liquefeito, colocado em navios e exportado, sua comercialização ficou mais fácil.

A procura por uma saída se dá justamente em um momento complicado para o setor, a ponto de os especialistas considerarem que o mundo vive hoje o segundo contrachoque do petróleo. Um contraponto ao choque do petróleo, nos anos 80, como foi classificada a alta acelerada do preço do combustível, que deixou muitos países, entre eles, o Brasil, em sérias dificuldades.  Não é a primeira vez que esse contrachoque acontece. Ele já se deu entre 1990 a 2000, quando os preços desabaram por causa da crise econômica nos mercados russo e asiático, só tornando a subir na década seguinte, em razão do crescimento econômico da China.

Existem, no entanto, algumas diferenças entre o contrachoque da década de 90 e o de agora, que fazem os especialistas apostar que o movimento pendular não se repetirá. A primeira delas é o recente e rápido desenvolvimento do óleo de xisto nos Estados Unidos, que reduziu a dependência americana do petróleo importado e influiu na queda do preço no mercado internacional. Com a exploração do óleo de xisto, tirado da rocha, os Estados Unidos voltaram a ser o maior produtor de petróleo do mundo. A segunda diferença é a desaceleração da economia chinesa. Por último, há o aumento da oferta com a volta do Irã como fornecedor do mercado internacional.

Mas o que leva os especialistas a apostar que o preço do petróleo nunca mais voltará à casa dos 100 dólares ultrapassa as razões conjunturais. O ponto de inflexão, acreditam, será a questão ambiental, que não estava no centro das atenções  quando veio o contrachoque da década passada. Enquanto as grandes petroleiras correm em busca de uma alternativa para o seu principal produto, a Petrobras permanece alheia ao problema.  O petróleo, na estatal brasileira, representa 80% de sua produção total, enquanto o gás, apenas 20%.  São 2,2 milhões de barris de petróleo extraídos por dia, contra 596 mil barris de gás. Não há sinal de mudança à vista. No meio da crise, a criação de um mercado robusto de gás está fora de pauta.

Hoje a Petrobras é a empresa mais endividada do mundo: deve 140 bilhões de dólares, mais de 500 bilhões de reais. Sua capacidade de pagamento mingua junto com a queda do preço do petróleo, o que leva o mercado a especular que já teria quebrado se fosse privada.  Ou, no mínimo, teria sido comprada por alguma das suas concorrentes. Hoje, o valor de mercado da Petrobras é de apenas 30 bilhões de dólares. Menos da metade do que a Shell pagou pela BG. Fácil, fácil de ser comprada.

A discussão de longo prazo sumiu do horizonte da companhia. Desde o ano passado,  os dirigentes da empresa apresentam a venda de ativos como única opção para fazer caixa. Estimam que conseguirão arrecadar 50 bilhões de dólares. A medida pode ser necessária, mas é pouco factível. Com o preço do combustível no atual patamar, dificilmente a estatal brasileira vai conseguir compradores pelo preço ofertado.

Diante do aperto, o governo passou a estudar  a hipótese de de alterar a lei de petróleo para exploração na área do pré-sal, que, em 2010, passou do regime de concessão para o de partilha. Pelo modelo de partilha, a Petrobras tem que ser dona de, no mínimo, 30% de cada campo explorado e operadora de todos eles. Nas atuais circunstâncias,  está claro que a estatal não tem dinheiro para operar todos eles. Portanto, ou se compromete  a produção de petróleo brasileira, ou se muda a lei. A ideia de se adotar o modelo de concessão no pré-sal partiu do tucano José Serra. O projeto está em discussão no Senado.

Grande entusiasta do modelo de partilha, Dilma Rousseff terá que encontrar uma maneira de explicar por que a volta atrás não significará entregar o petróleo brasileiro aos estrangeiros. Este foi o principal argumento do governo para instituir o modelo de partilha.

Resta, de qualquer forma, o problema de fundo: tanto a venda de ativos quanto a mudança da lei, se vierem a ocorrer, não resultam de um plano estratégico da Petrobras e do Planalto. “A estratégia do governo é arrecadatória, e não regulatória”, diz o engenheiro Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura, consultoria especializada em energia. “Ao mudar a lei do petróleo em 2010, a preocupação do governo era ideológica; agora é conseguir uma solução financeira para a empresa e para o Tesouro.”  Isso, segundo ele, pode afugentar investidores,  temerosos de que o governo possa mudar mais uma vez tão logo uma recuperação da companhia permita.

O fato é que a Petrobras segue à deriva.  Assim como a mudança da lei de partilha deve se dar num momento em que o preço do petróleo chega a sua pior cotação em décadas, o investimento no gás pode vir a ocorrer quando as melhores oportunidades já tiverem passado.

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