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    FOTO: JOSÉ CRUZ/AGÊNCIA BRASIL

questões da política

A sinuca de Barbosa

Malu Gaspar | 25 fev 2016_16h04
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Durante todo o tempo em que ficou no cargo, o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy foi criticado por não conseguir dialogar com o Congresso.  Sempre havia quem mexesse o óleo da fritura com o argumento de que Levy era inflexível e falava uma língua que só ele mesmo entendia, irritando deputados, senadores e os colegas de ministério. Era um tempo em que o então ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, era frequentemente convidado a visitar o escritório principal do Instituto Lula, em São Paulo – de onde se difundia a ideia de que ele, sim, era o homem talhado para a missão de consertar a economia. Quem conhece os dois personagens sabe que pelo menos uma parte desse argumento – a de que Barbosa sempre foi mais hábil politicamente do que Levy – tinha lá o seu apelo.

Ao contrário de Levy, Nelson Barbosa tem toda a paciência do mundo para conversar com deputados e senadores, e sempre dedicou parte de seu tempo a essa interlocução. Também passou anos cultivando um bom relacionamento com a direção do PT.  Como se diz nos corredores do Congresso, o homem é jeitoso. Pensava-se dentro do governo que, operando bem no Legislativo, o novo ministro poderia conduzir um ajuste mais gradual e seguro, conciliando redução dos gastos com alguma perspectiva de crescimento econômico, como ele mesmo chegou a prometer à presidente Dilma logo depois da reeleição, no final de dezembro. A repercussão das medidas anunciadas por ele na última sexta, porém, mostram que sua missão será bem mais difícil do que parecia.  Barbosa está numa sinuca.  Uma sinuca política.

Os  pontos fulcrais do ajuste proposto pelo ministro são um corte de gastos de 23,4 bilhões de reais, o estabelecimento de um teto para os gastos públicos, a criação da “banda fiscal” – uma faixa dentro da qual a meta anual de economia do governo pode variar – e a aprovação da volta da CPMF, o imposto do cheque. A Desvinculação das Receitas da União, que permite ao governo economizar em alguns gastos hoje obrigatórios, também está em pauta.  Numa segunda etapa, mais à frente, seria feita a reforma da Previdência. Barbosa sabe que essas primeiras medidas têm efeito paliativo, porque não diminuem o tamanho da dívida nem contêm o saldo negativo das contas públicas – já até reconheceu isso, em entrevista ao jornal Valor Econômico.  De tudo o que foi anunciado, só a reforma da Previdência teria esse resultado. O objetivo maior do ministro da Fazenda, ao que tudo indica, era começar a virar o jogo das expectativas, demonstrando que o governo compreende a gravidade da situação e está disposto a mudar de rumo.

A questão é que, até agora, ninguém ficou aliviado. No mercado financeiro, sobraram declarações de que as medidas são pouco detalhadas ou insuficientes. Ontem mesmo, a agência de risco Moody’s foi a última a retirar do país o grau de investimento, sinalizando uma nova piora na percepção dos investidores sobre a capacidade do país de honrar seus compromissos. A Goldman Sachs divulgou um relatório dizendo que a trajetória brasileira pode levar à “insolvência” –  ou seja, o país pode ficar sem recursos para pagar sua dívida (tema de um post na semana passada).  A decisão de Barbosa de renegociar as dívidas dos estados com a União, alongando prazos de pagamento e cortando juros – mesmo que em troca de contrapartidas, ainda pouco claras – criaram ainda mais incerteza, em razão do temor de que possam levar a uma piora da situação fiscal da União.

Do PT, vieram críticas a cortes que possam afetar direitos de trabalhadores, bem como à reforma da Previdência esboçada por Barbosa – o ministro da Previdência, Miguel Rossetto, já disse que o governo “não tem posição fechada” sobre o tema, e que não se pode fazer uma reforma  “a toque de caixa”.  Do Instituto Lula, emana a impressão de que o ministro da Fazenda que o PT tanto queria já não serve mais.  “Lula acha que Barbosa precisa acenar com uma perspectiva de crescimento, e não ficar só dando notícia ruim para o país”, me disse um ex-ministro de Dilma que esteve com o ex-presidente há alguns dias. Era essa, aliás, a mesma crítica que Lula fazia a Levy. A oposição, por sua vez, mandou dizer que não vai botar a mão no fogo para aprovar medidas com as quais o próprio PT não concorda. O impasse é agravado pelo fato de que, depois da prisão do marqueteiro João Santana, o fantasma da cassação de Dilma Rousseff voltou a assombrar o Planalto. Eduardo Cunha, empenhado em fustigar o governo, colocou em pauta na Câmara uma emenda constitucional que aumenta  as despesas do governo em 207 bilhões de reais.

Será em meio a esse tumulto que o governo vai precisar aprovar medidas que têm data-limite para começar a fazer diferença no caixa ainda neste ano. A CPMF, por exemplo, só pode começar a ser cobrada 90 dias depois de sua aprovação. Para que renda ao governo os 10 bilhões de reais previstos no orçamento da União, tem de ser chancelada no máximo até maio. O prazo é apertado, reconhece o líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani. “Vamos ter de correr contra o tempo”, diz o leal seguidor de Dilma Rousseff.  Se conseguir aprovar seu pacote da forma que quer e no prazo necessário, Barbosa poderá ser considerado um gênio da política. Quem sabe até se descubra que o Ministério da Fazenda é, afinal, pouco para tamanho talento.

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