Cena do documentário "Alice Guy-Blaché: A História Não Contada da Primeira Cineasta do Mundo"
Alice Guy-Blaché, visionária perdida
Documentário reconta história de pioneira esquecida do cinema
Publicado há vinte anos (sem edição no Brasil), Alice Guy Blaché: Lost Visionary of the Cinema, minucioso estudo de Alison McMahan, procura esclarecer a controvérsia existente em torno de a “visionária perdida” e resgatar a sua contribuição à história do cinema. O fato de terem sobrevivido pouco mais de cem dos cerca de mil títulos da filmografia de Guy-Blaché, realizados entre 1896 e 1920, não justifica que seu nome tenha sido omitido ou pouco valorizado durante décadas por críticos e historiadores do cinema.
O documentário Alice Guy-Blaché: A História Não Contada da Primeira Cineasta do Mundo (2018), de Pamela B. Green, lançado no Brasil em outubro de 2020 e disponível no streaming do Telecine, pretende suprir a carência de informação existente sobre Guy-Blaché (1873-1968) – objetivo talvez frustrado entre nós, ao menos em parte, por ter estreado durante a pandemia.
Eu mesmo não sabia, ou não me lembrava, da existência de Guy-Blaché e tampouco ouvira falar de seus filmes, até a semana passada, quando minha filha Laura avisou pelo WhatsApp que há “um documentário sendo exibido no Telecine Cult que mereceria uma coluna. É sobre Alice Guy-Blaché, cineasta francesa do período dos irmãos Lumière que foi para os Estados Unidos e abriu um estúdio”.
O título original do filme de Green – Be Natural: The Untold Story of Alice Guy Blaché – indica primeiro o estilo de Guy-Blaché e, em seguida, que o documentário pretende contar uma história oculta. Ao incluir os termos do aviso “Be Natural” (Seja Espontâneo) que havia na parede do estúdio da diretora, em Nova Jersey, Green destaca a orientação que Guy-Blaché dava às atrizes e aos atores para interpretarem seus personagens sem afetação, contrariando a norma usual no cinema da época.
A relação de filmes silenciosos e sonorizados que Guy Blaché realizou na França e nos Estados Unidos se estende por quarenta páginas da edição impressa do livro de McMahan. Mas, além do interesse per se dessa imensa produção, o que torna ainda mais injustificável a cineasta ter permanecido pouco conhecida é o fato de ela, sendo mulher em um meio dominado por homens, ter proposto e conseguido realizar filmes que contam uma história, vertente que veio a se tornar dominante e a mais bem-sucedida da indústria cinematográfica.
A Fada dos Repolhos, de 1896, que Guy-Blaché escreveu, produziu e dirigiu, não foi o primeiro filme a contar uma história – primazia que cabe a L’Arroseur Arrosé (O Regador Regado), dirigido e produzido, em 1895, por Louis Lumière, conforme McMahan esclarece que a própria Guy-Blaché sempre reconheceu. Mesmo sem ter sido o filme encenado inaugural, porém, A Fada dos Repolhos não deixa de estar entre os primeiros desse gênero, podendo ter “precedido os de Méliès por alguns meses de acordo com vários historiadores franceses competentes, embora outros afirmem que o filme dela [Guy-Blaché] não foi feito até 1900 ou até mais tarde.” (Ephraim Katz, The Macmillan International Film Encyclopedia, apud McMahan).
Em Autobiographie d’une pionnière du Cinéma: 1873-1968 (sem edição no Brasil), memórias escritas em 1953, mas só publicadas em 1976, após a morte da autora, Guy-Blaché conta que na demonstração do cinematógrafo a que assistiu, feita na Société d’éncouragement à l’índustrie nationale, em 22 de março de 1895, o que mais interessou Léon Gaumont foi o equipamento. O engenheiro para quem ela, aos 22 anos, trabalhava como secretária, comercializava equipamentos e suprimentos fotográficos e viria a fundar o primeiro estúdio cinematográfico ao qual deu seu sobrenome. Assim como Louis Lumière, “Gaumont mostrava estar interessado especialmente em resolver problemas mecânicos… O valor educativo e o potencial do cinema para se tornar um meio de entretenimento não pareciam ter chamado sua atenção…”, escreve Guy-Blaché.
Com base no filme de um minuto exibido na demonstração a que assistiu em 1895 – o célebre A Saída da Fábrica Lumière em Lyon – e dos filmes curtos que passaram a servir como amostras do que a câmera de filmagem permitia fazer, Guy-Blaché afirma ter pensado que se poderia fazer algo melhor do que os “desfiles, estações de trem e retratos do pessoal do laboratório”. Vencendo sua timidez, propôs a Gaumont “escrever uma ou duas pequenas cenas nas quais alguns amigos atuariam…”. A permissão foi dada “com a condição expressa, porém, de que isso não interferisse” em suas obrigações de secretária (apud McMahan).
Os principais méritos do documentário Alice Guy-Blaché: A História Não Contada Da Primeira Cineasta do Mundo, além de fazer justiça à pioneira visionária e de ter propiciado o restauro e a preservação de alguns de seus filmes, são as entrevistas de Guy-Blaché e a de sua filha Simone gravada em 1985.
O documentário fracassa, no entanto, de um lado por dedicar menos tempo do que devia aos filmes em si que Guy-Blaché realizou e, de outro, por acumular uma quantidade desmedida de informações, cenas e depoimentos de celebridades, tudo montado em planos rápidos que pouco, ou nada, acrescentam.
“O resultado é ocasionalmente um tanto frenético – segmentos animados às vezes trazem o passado à vida e às vezes atrapalham – e com frequência são tremendamente comoventes”, escreveu A. O. Scott (The New York Times, 25/4/2019).
Monica Castillo, crítica freelancer, escreveu, por sua vez, que “a maneira como Be Natural apresenta seus achados parece desorganizada – é como caminhar por uma exposição movimentada de um museu com objetos demais, nem todos particularmente necessários” (RogerEbert.com, 26/4.2019).
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Não creio que sextas-feiras sejam dias mais aziagos do que os outros. Mas, depois de ter perdido para Camarões na sexta-feira 2 de dezembro, o Brasil voltou a ser derrotado uma semana depois, na sexta-feira 9 de dezembro, desta vez pela Croácia, e foi eliminado da Copa do Mundo. Após o belo gol na prorrogação do jogo que chegou empatado em zero a zero ao fim do tempo regulamentar, e de estar ganhando de um a zero até quatro minutos antes do final, a Croácia empatou e, em seguida, ganhou a disputa de pênaltis por 4 a 2.
Ter cedido o empate foi uma falha escandalosa. O que dizer, então, do desperdício de dois dos quatro pênaltis batidos?
O resultado aberrante do jogo não deve ser atribuído às “coisas do futebol”. Além de reconstruir o país, será preciso repensar a formação da equipe, aí incluídos o técnico e os jogadores. Na sexta-feira (9/12), a seleção entregou de bandeja um jogo ganho, e isso é inaceitável. Teremos que conviver com mais essa decepção. A responsabilidade não é, porém, da sexta-feira.
O que José Miguel Wisnik terá a nos dizer sobre isso?
Mal sabia eu quando escrevi a pergunta acima e mandei esta coluna para a editoria do site, domingo (11/12) à tarde, que o José Miguel já havia se pronunciado na própria sexta-feira (9/12) à noite, no programa Diálogos com Mario Sergio Conti, da GloboNews. “A ferida está aberta. O trauma está presente. Não está elaborado,” ele começou dizendo. “A gente fica se perguntando como é que aconteceu isso? Como é que é possível isso? Era possível ter, vamos dizer, se garantido para que não houvesse esse perigo. Como é que foi permitido acontecer esse contra-ataque?…A partida não termina. A partida continua na gente. É como se pudesse ter sido diferente… há um acaso e destrói todo um sonho. Fica um negócio na gente que é o que poderia ter sido e não foi… Eu estou sofrendo essa perda e, principalmente, por esse jeito de acontecer que é um detalhe, afinal. É uma coisa que poderia não ter sido assim. Então tem a crueldade do futebol. Aquela falha trágica, ali, que acontece e estamos vivendo isso… eu volto a dizer o que falei no início. Eu estou ainda sofrendo mais do que explicando.”
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Destaque (XXI): “[…] A derrota na Copa de 2022, nos pênaltis para a Croácia, talvez fale mais sobre questões decisivas a respeito do futuro do Brasil do que apenas sobre mais um Mundial: somos um país viável? É possível reinventar um projeto de identidade que defina o povo brasileiro como uma comunidade de afetos compartilhados? A seleção brasileira ainda faz sentido como um sintoma de nossas emoções, esperanças de vitórias, lamento de infortúnios, mazelas e belezas?
Que paixões ou desapegos nos aguardam nas Copas que ainda virão? O tempo dirá.” Luiz Antonio Simas, O Globo, 10.12.2022
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