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    "Eu queria ter uma vida de aposentado e ainda não deu. A gente se envolve ou é envolvido em muitas coisas”, lamenta Palmar, hoje com 80 anos Foto: João Urban

anais da luta armada

Depois da guerrilha, o quê?

Aluízio Palmar, um dos fundadores do MR8, foi preso, torturado e por pouco escapou da morte. Até hoje, continua vasculhando arquivos da ditadura

Felippe Aníbal, de Curitiba | 24 maio 2024_08h54
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Aluízio Palmar caminhava ressabiado pela Avenida Corrientes, uma das mais famosas de Buenos Aires, num fim de tarde em julho de 1974. Perseguido pela ditadura brasileira, o ex-guerrilheiro vivia clandestino na Argentina havia alguns meses, na cidade de Resistência. Naquele dia, viajou mil km de ônibus até a capital para um “contato” – um encontro secreto com outro exilado brasileiro. Enquanto andava, avistou os ex-sargentos Alberi Vieira dos Santos e Onofre Pinto. Os dois eram desertores – Santos, do Exército, e Pinto, da Brigada Militar gaúcha – que aderiram à luta armada. Palmar, no entanto, não queria ser reconhecido, então se enfiou no primeiro café que viu pela frente. Sentou-se no balcão, apreensivo, com as costas viradas para a porta. Pouco depois, sentiu uma mão no ombro. Santos e Pinto o tinham encontrado.

Os desertores engataram uma conversa indiscreta. Entusiasmado, Santos falou dos planos de reorganizar a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), grupo guerrilheiro do qual tinha feito parte o capitão Carlos Lamarca, morto em 1971, e que fora desmobilizado anos antes. O ex-sargento detalhou um plano de instalação de um novo foco de guerrilha, dessa vez em Santo Antônio do Sudoeste, no Paraná, com envolvimento de camponeses e farto armamento. Citou nominalmente outros militantes que, segundo ele, se juntariam à empreitada.

Aflito com aquela conversa à luz do dia, em um espaço público, Palmar abreviou o papo. Os três combinaram de se encontrar mais tarde, naquela mesma noite.

“Saindo do café, eles foram para um lado, eu fui para o outro. Corri tanto que não parei até hoje”, relembra Palmar. O ex-guerrilheiro, assustado com a situação, deu um bolo nos ex-sargentos, fez as malas e no dia seguinte bateu em retirada: tomou um ônibus de volta para casa, onde vivia com a mulher e os três filhos.

A fuga, conforme Palmar descobriu mais tarde, salvou sua vida. Santos havia sido cooptado pelo coronel Paulo Malhães, do Centro de Informações do Exército (CIE), e trabalhava como “cachorro” – isto é, um agente infiltrado a serviço da ditadura. A guerrilha mencionada por ele era uma emboscada, que, no fim, atraiu cinco militantes. Levados às imediações do Parque Nacional do Iguaçu, no Oeste do Paraná, foram todos fuzilados. Onofre Pinto, que se recusou a virar um informante dos militares, foi torturado e morto. O episódio ficou conhecido como Massacre de Medianeira, nome do município paranaense onde tudo ocorreu.

Em junho de 2013, em uma sessão sigilosa da Comissão da Verdade do Paraná, o ex-agente Otávio Rainolfo da Silva, do CIE, descreveu o massacre. Na época, ele era motorista do batalhão do Exército de Foz do Iguaçu. Passando-se por guerrilheiro, conduziu Santos e os cinco companheiros pela Estrada do Colono, uma via rural que corta o Parque Nacional. O grupo foi informado de que havia armas enterradas no meio da mata. Eles as buscariam para assaltar um banco.

Depois de caminhar por uma picada, os sete chegaram a uma clareira. Foi quando viram faróis de jipes se acenderem. Silva e Santos sabiam que aquela era a senha para que se jogassem no chão. Em um instante, os cinco guerrilheiros, todos de pé, foram mortos a tiros. “Se eu não me deito, tinha morrido também”, relatou Silva.

Os mortos eram o sapateiro José Lavecchia, o metalúrgico Daniel José de Carvalho, o gráfico Joel José de Carvalho (irmão de Daniel), o escultor Vitor Carlos Ramos e o estudante argentino Enrique Ernesto Ruggia. Em 1979, cinco anos depois da emboscada, Santos foi assassinado com quatro tiros no Paraná. O coronel Paulo Malhães, responsável pela operação, depôs à Comissão da Verdade em 2014 e admitiu crimes cometidos pela ditadura. No mês seguinte, foi assassinado na casa onde morava, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. 

“Mas os corpos [dos guerrilheiros] não descobrimos. Esse mistério continua até hoje”, diz Palmar. As mortes de Santos e Malhães nunca foram elucidadas.

 

Palmar é um homem de 80 anos, de gestos lentos e fala mansa. Foi um dos fundadores do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR8) e, posteriormente, integrante da VPR. Preconizou a luta armada desde que os militares derrubaram João Goulart, em 1964. Dez anos depois, contudo, constatando que a esquerda estava enfraquecida, ele já não acreditava na guerrilha como um método de enfrentamento. Via sinais de que a ditadura podia cair pelas vias institucionais. E, além de tudo, prezava pela segurança de sua família. Na província do Chaco, onde vivia, comprou uma pequena fábrica de água gaseificada e refrigerantes e passou a viver como um modesto empresário, escondendo dos vizinhos sua identidade.

Palmar nasceu em 1943, em São Fidélis, pequena cidade no Norte do Rio de Janeiro. Seu pai era dono de um armazém de secos e molhados que, em anos eleitorais, virava ponto de encontro de políticos do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) – na época, profundamente getulista. O menino se interessava pelas conversas no balcão e foi formando a cabeça. Embora estudasse no tradicional Colégio Fidelense, mantido pela Igreja Católica, não ligava para religião. Passava as tardes no acampamento dos calceteiros, operários que trabalhavam no calçamento das ruas da cidade. Muitos eram filiados ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Partidão, e iniciaram o jovem em temas como o socialismo e autores como Karl Marx, Máximo Gorki e Alexander Afanasyev. 

Em 1958, Palmar – um menino “provinciano e suburbano”, em suas próprias palavras – se mudou para Niterói e passou a estudar no Liceu Nilo Peçanha. Entusiasmou-se com a nova turma – “a fina flor da classe média existencialista, marxista” – e se enfiou em grupos de estudo. De uma hora para outra, estava lendo Jean Paul Sartre, discutindo a reforma agrária e ouvindo João Gilberto.

“Quase entrei no partido trotskista, porque fiquei chegado de uma guria. Uma doce trotskista…”, relembra Palmar. “Mas ela não queria nada comigo, porque ela não queria nada com ninguém. Ela falava que a vida dela era a revolução. Toda a energia dela, física e mental, estava direcionada para isso. Perdi a garota pra revolução.” O jovem, então, optou pelo caminho natural: filiou-se ao Partidão.

No começo dos anos 1960, Palmar era um líder em ascensão no movimento secundarista. Comandou uma greve estudantil em colégios particulares, protestando contra o reajuste das mensalidades. Quando veio o golpe, já estava no ensino superior, cursando Ciências Sociais na Universidade Federal Fluminense (UFF) ao mesmo tempo em que trabalhava para o Ministério da Educação como um dos coordenadores locais do Programa Nacional de Alfabetização (PNA), que se amparava no método do educador Paulo Freire. 

O PCB, alinhado a Moscou, apostava numa política de transição pacífica. Muitos filiados, no entanto, acreditavam na luta armada, entre eles Palmar. Resultado disso é que se formaram vários grupos dissidentes. Em 31 de março, quando soube da sublevação golpista, Palmar e quatro companheiros resolveram agir: embarcaram num Gordini e dirigiram até Nova Friburgo (RJ) levando no carro uma caixa de dinamites, furtada de uma pedreira. A intenção do grupo era explodir a ponte sobre o Rio Paraíba, impedindo a passagem das tropas que estavam saindo de Minas Gerais. Mas, inexperientes, esqueceram de um detalhe. 

“Nos demos conta de que tínhamos o explosivo, mas não a espoleta. Como vai explodir, se não tem espoleta? Foi uma frustração… Xingamos o companheiro que esqueceu de falar que tinha que levar espoleta, porque nós não sabíamos porra nenhuma de dinamite”, lembra Palmar, hoje achando graça. “Essa caixa de dinamite ficou com a gente, andando pra cima e pra baixo durante anos.”

Apesar do fracasso, a dissidência continuou ativa. Mais tarde, por ocasião de um assalto a banco, foi batizada de Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8), homenagem à data em que Che Guevara foi capturado e morto na Bolívia, em 1967. Com o codinome André, Palmar participou de ações que “expropriaram” fuzis de unidades militares e foi designado para comandar um grupo armado no Oeste do Paraná, criando focos de guerrilha. O MR8 chegou a comprar dois sítios, administrados por Palmar, que serviriam de QG para os novos guerrilheiros.

 

Os planos duraram pouco. Numa manhã de abril de 1969, Palmar e o colega Mauro Fernando de Souza foram encarregados de evacuar a casa de um “contato” em Cascavel (PR). Suspeitavam de que o endereço estava na mira da polícia. Quando passava perto da rodoviária da cidade, no entanto, o jipe conduzido por Souza bateu em outro carro. Palmar permaneceu no local do acidente, enquanto o amigo percorria as redondezas em busca de um mecânico. Um segurança da Pinho e Terras, uma das companhias colonizadoras daquela região, suspeitou do rapaz e chamou a polícia. Os agentes, ao chegarem, vasculharam a mala do jipe e encontraram um manual de guerrilha, uma pistola e papéis comprometedores.

“O segurança da companhia mandou a polícia me prender. Mandou! Quem tinha dinheiro mandava na polícia. Ele pensou que eu era o Vladimir Palmeira”, diz Palmar. “Quando a polícia viu aquilo, percebeu que eu não era um simples agricultor.” O guerrilheiro foi preso em flagrante e conduzido até a delegacia.

As torturas começaram de imediato. Palmar diz ter sido submetido a choques elétricos, sessões de afogamento e espancamentos. Passou uma noite pendurado no pau de arara. “No dia seguinte, fui despertado com um balde de água. Tiveram que fazer massagem nas minhas pernas, porque eu estava semiparalisado.”

Depois de alguns dias, Palmar foi realocado. Passou por várias carceragens no Paraná até ser finalmente enviado ao Presídio do Ahú, em Curitiba. Ficou detido no Fundão da Quatro – como era chamada a cela solitária da quarta galeria – até que um grupo de estudantes presos descobriu que Palmar estava sob tortura e desencadeou uma campanha para que ele fosse alojado numa cela comum.

Um desses estudantes, Políbio Braga, escreveu anos mais tarde o livro Ahú: Diários de uma prisão política. Nele, relatou que Palmar tinha o olhar parecido com o de Antônio Conselheiro ou de “qualquer outro tipo de fanático”. O ex-guerrilheiro corrobora. “Me tiravam do coletivo, me levavam pro pau de arara e me devolviam no dia seguinte. Quando eu chegava, estava desfigurado, com os olhos arregalados.” A primeira filha de Palmar nasceu enquanto ele estava preso.

Depois que o MR8 foi desbaratado no Paraná, Palmar foi transferido para o Rio de Janeiro. “Ali a coisa foi bem pior. Os interrogadores eram profissionais”, contou. Passou pelo Centro de Informações da Marinha (Cenimar), pela prisão de Ilha das Cobras e pela base naval da Ilha das Flores. Diz ter sofrido tortura em todas elas. Ateu, buscou algum tipo de referência espiritual para suportar a dor. “Tentei me segurar em Lênin, não deu. Depois em Marx, não deu. A família foi um referencial importante. Mas, por incrível que pareça, me apeguei à questão religiosa.” O ex-guerrilheiro conta que, nas horas mais duras, pensava consigo mesmo: “Se Jesus Cristo aguentou, eu vou aguentar.” 

Palmar foi solto em 14 de janeiro de 1971. Estava entre os setenta presos políticos que a ditadura libertou em troca do embaixador suíço Giovanni Bucher, que havia sido sequestrado pela VPR, numa operação liderada por Carlos Lamarca. Banidos do Brasil, os setenta presos foram deportados para Santiago, no Chile.

Sob a presidência de Salvador Allende, eleito em 1970, o país vizinho era um porto seguro para a esquerda latino-americana. Lá, vivendo com a mulher e a filha pequena, Palmar criou com alguns integrantes da VPR a Frente Sul, um grupo com um plano ousado: queriam instalar um foco guerrilheiro na província de Missiones, na Argentina, próximo à fronteira com Brasil e Paraguai. A partir dali, pretendiam ocupar parques estaduais e nacionais, avançando sobre os territórios brasileiro e paraguaio. “Era um Mercosul da guerrilha”, compara o ex-guerrilheiro José Carlos Mendes, que ajudou a sequestrar o embaixador suíço.

A Frente Sul, apoiada por guerrilheiros paraguaios do Movimento Popular Colorado e argentinos do Exército Revolucionário do Povo (ERP), chegou a comprar um sítio entre Oberá e Aristóbulo del Valle. O grupo planejava assassinar o ditador paraguaio Alfredo Stroessner. Para isso, Mendes, arquiteto do plano, viveu durante um mês em Assunción, anotando os pormenores da rotina do presidente. O atentado seria consumado com um tiro de bazuca, disparado contra o carro de Stroessner. Mas Palmar, na última hora, deu para trás. Preocupado com possíveis infiltrados na guerrilha, sentiu que aquilo poderia acabar mal.

“Hoje vejo que era um plano meio delirante. Ainda bem que não deu certo. Aquilo desencadearia uma enorme repressão. Estaríamos todos mortos”, avalia Mendes, que em 1972 tinha apenas 20 anos de idade. “Houve uma ordem dada pelo Aluízio [Palmar], pessoalmente a mim, para recuar e não levar adiante o comando contra o Stroessner”, relembra. “Depois disso, eu voltaria ao Chile. Perguntei pro Aluízio: ‘E você?’ Ele respondeu: ‘Eu me viro.’ E se virou mesmo.” (A emboscada contra Stroessner não se concretizou, mas inspirou o grupo de argentinos que matou Anastasio Somoza, presidente da Nicarágua, em 1980.)

A prole de Palmar, a essa altura, tinha crescido. Eram três filhos. A família se mudou para Resistência, na Argentina, e lá permaneceu mesmo após o golpe de Estado que levou ao poder o general Jorge Rafael Videla. Só voltaram ao Brasil em 1979, com a promulgação da Lei da Anistia. Foram morar em Foz do Iguaçu.

Por coincidência, poucos dias depois de se instalarem na nova casa, foram surpreendidos com o retorno de Leonel Brizola ao Brasil. Vindo de Portugal, o ex-ministro de Jango desembarcou em Assunción e, segundo Palmar, pretendia pegar um pequeno avião rumo a São Borja (RS). As autoridades paraguaias, no entanto, obrigaram-no a dar entrada por Foz do Iguaçu. Quando o bimotor aterrissou na pista, Palmar estava lá para dar-lhe as boas-vindas. Uma foto publicada no jornal gaúcho O Mensageiro mostra o ex-guerrilheiro conduzindo um sorridente Brizola, ao lado dos militantes Ubiratan de Souza e José Angeli. 

 

“Minha rotina é complicada. Eu queria ter uma vida de aposentado e ainda não deu. A gente se envolve ou é envolvido em muitas coisas”, disse Palmar, numa conversa com a piauí por videoconferência. Nos anos 1990, como muitas vítimas da repressão, ele recebeu do Estado brasileiro uma indenização pelos anos em que esteve preso e exilado. Hoje, vive da aposentadoria do Ministério da Educação. Cultivou uma barba à la Marx, em contraste com a careca à la Lênin.

Palmar continua morando em Foz, com a mulher. Os filhos estão “pelo mundo”. A casa é espaçosa. Tem piscina, jardim e uma horta. O jabuti de estimação morreu faz dois anos e deixou saudades. Palmar gosta de cuidar das roseiras.

Não leva, contudo, uma vida ensimesmada. Reúne-se frequentemente com velhos companheiros de militância, presencialmente ou pela internet, e discute política. Todo mês de janeiro, viaja até o Rio para se encontrar com alguns dos setenta militantes que foram trocados pelo embaixador suíço, em 1971. O evento anual se chama “churrasco da liberdade”.

“Nenhum amigo meu é alienado. Todos são comprometidos com a causa.” Palmar passa horas vasculhando arquivos da ditadura, em busca de fichas policiais, relatórios de operações, depoimentos. Depois de retornar ao Brasil, tornou-se um investigador obsessivo do Massacre de Medianeira. Dedicou-se à função por 26 anos, durante os quais chefiou três operações de escavação em busca dos restos mortais dos guerrilheiros, nunca encontrados. A pesquisa resultou no livro Onde foi que vocês enterraram os nossos mortos?, escrito por ele e publicado em 2005 pela editora Alameda. É um relato sobre a vida dos guerrilheiros assassinados.

Paralelamente, Palmar fundou e manteve o jornal Nosso Tempo, que circulou em Foz do Iguaçu entre 1980 a 1994. A cobertura era focada nos crimes cometidos pelos militares e ainda não investigados. Recentemente, o ex-guerrilheiro escreveu um artigo sobre sua experiência à frente do jornal. O texto foi incluído no livro Vozes da Resistência – Memórias da luta contra a ditadura militar no Paraná (Banquinho Publicações), que compila os relatos de sessenta ex-militantes paranaenses e foi lançado no último 14 de maio, em Curitiba.

Palmar prestigiou o lançamento e aproveitou a viagem para garimpar mais documentos sobre a ditadura. Passou um dia inteiro no Arquivo Público do Paraná, revirando o acervo digitalizado. “Fiquei acampado lá dentro. Se fosse tudo no papel, daria para encher a carroceria de uma picape”, conta, animado.

Palmar até mantém contas em redes sociais, como Facebook e Instagram, mas dedica-se mesmo é ao portal Documentos Revelados, criado por ele para disponibilizar os documentos que encontra em suas pesquisas. Já fuçou os acervos do Arquivo Nacional, da Polícia Federal de Foz do Iguaçu e do Superior Tribunal Militar (STM). Certa vez, numa busca, se deparou com sua própria ficha policial, preenchida na Delegacia de Ordem Política e Social (Dops). Por meio do documento, soube que foi monitorado pelos militares mesmo depois da Anistia. 

Palmar em um dos documentos do Dops (Foto: Reprodução)

 

O site também hospeda um mural de recados, onde volta e meia surgem novas informações e, principalmente, demandas. “É filho procurando pai, viúva procurando marido, filho de torturador querendo saber se o pai foi torturador mesmo… É uma coisa arrepiante”, diz Palmar. “A Comissão Nacional da Verdade ficou, durante muito tempo, enxugando gelo, discutindo casos já conhecidos. Mas tem muitos relatos de pessoas que não são conhecidas e que nunca foram investigados”, prossegue, justificando o porquê de ainda dedicar sua energia ao arquivismo. “Tem muita coisa a ser falada, e muita coisa que foi mal falada.”

Nos anos 1990, Palmar ocupou cargos públicos em Foz. Foi secretário de Comunicação e de Meio Ambiente da prefeitura, e mais tarde diretor de comunicação da Câmara Municipal. “A cidade que não me aceitou quando cheguei, como terrorista e guerrilheiro, me aceitou e me fez secretário”, diz, em tom de desforra. Tempos depois, foi condecorado com o título de cidadão iguaçuense “pelos serviços prestados à democracia”. Em 2021, recebeu a Medalha Chico Mendes de Resistência, prêmio conferido pelo Grupo Tortura Nunca Mais, uma organização criada nos anos 1980 por familiares de vítimas da ditadura.

Além das pesquisas que faz por conta própria, Palmar é requisitado com alguma frequência a falar e escrever sobre a resistência contra a ditadura. Os convites, em geral, vêm de universidades. Nessas ocasiões, costuma viajar sozinho. Isso porque os anos de luta política deixaram traumas na família, principalmente na mulher e na primogênita. “Foi pesado para eles. Carrego essa culpa de não ter dado um pouco do meu tempo para a família”, lamenta o ex-guerrilheiro.

Mas diz não se arrepender. “Às vezes, gosto de ouvir a música Epitáfio, do Titãs. Fico pensando que deveria ter feito mais. Me arrependo de não ter feito mais, talvez”, pondera, parafraseando a canção. “Devia ter militado mais…”

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