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    General Gustavo Henrique Dutra de Menezes, que chefiava o Comando Militar do Planalto em 8 de janeiro e não consta no relatório final da CPI Foto: Exército Brasileiro

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Bolsonaro, bolsonaristas, militares: os poupados da CPI do Distrito Federal sobre o 8 de janeiro

Relatório final deixa de fora ex-presidente, governador, cadeia de comando da Segurança Pública, militares e PMs

Ana Clara Costa | 28 nov 2023_22h29
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A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Legislativa do Distrito Federal que investigou os atos antidemocráticos de 8 de Janeiro apresentou, nesta quarta-feira (29), um relatório inocentando a maior parte dos servidores públicos envolvidos nos atos golpistas. O documento, ao qual a piauí teve acesso, contrasta com as investigações da Polícia Federal, que levaram à prisão mais de vinte funcionários públicos acusados de condutas criminosas no 8 de janeiro e resultaram no afastamento do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha.

O relatório pede o indiciamento de Fernando de Sousa Oliveira, ex-secretário-executivo da Secretaria de Segurança Pública do DF; da coronel Cintia Queiroz, subsecretária da pasta; e do coronel Marcelo Casimiro, da Polícia Militar do DF. Originalmente, o texto também pedia o indiciamento do general Gonçalves Dias, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Lula, mas os deputados votaram um destaque retirando o nome do militar.

Outros tantos nomes passaram ao largo do relatório. O relator da CPI, o deputado distrital Hermeto (MDB), concluiu não haver provas suficientes para indiciar Ibaneis Rocha, nem seu ex-secretário de Segurança e ex-ministro de Jair Bolsonaro, Anderson Torres, nem militares do Exército, nem o ex-presidente da República. A cúpula que chefiava a PM no dia 8 tampouco consta no relatório final, que pediu o indiciamento de aproximadamente 130 pessoas, a maioria delas manifestantes bolsonaristas que não ocupavam cargos públicos.

A conclusão destoa não apenas das investigações da Polícia Federal, mas também do relatório final da CPI do 8 de janeiro instalada no Congresso Nacional. Em outubro, a comissão mista, liderada pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA), pediu o indiciamento de pelo menos quarenta funcionários ou ex-funcionários públicos, entre eles Bolsonaro e o general Braga Netto.

O relatório de Hermeto tem mais de quatrocentas páginas e foi lido na manhã desta quarta-feira. A oposição preparou um relatório paralelo pedindo o indiciamento das mesmas pessoas que compõem a lista de investigados estabelecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR), entre elas Bolsonaro. O texto, no entanto, não foi aprovado pela Câmara Legislativa.

Deputado distrital em segundo mandato e ex-policial militar, Hermeto tem interlocução constante com a PM, a ponto de influenciar nas nomeações para cargos de chefia da corporação. Foi ele quem emplacou o coronel Klepter Gonçalves no cargo de subcomandante da PM. Gonçalves foi promovido a comandante quando o então ocupante do cargo, Fábio Augusto Vieira, foi preso por omissão no 8 de janeiro. Mais tarde, Gonçalves acabou sendo preso pelo mesmo motivo. Hermeto, além disso, foi responsável por empregar no gabinete da liderança do governo, na Câmara Legislativa, a esposa de Anderson Torres, Flávia Sampaio Torres, exonerada depois dos ataques.

O relator da CPI decidiu inocentar a maior parte dos envolvidos no 8 de janeiro depois de se reunir com Ibaneis Rocha no Palácio do Buriti, sede do governo distrital, há poucos dias. Na conversa, Hermeto ouviu que as tropas locais estão desmotivadas porque a maior parte das lideranças da PM foi presa no inquérito da PF que investiga os atos golpistas. O coronel Klepter Gonçalves, que colocou as tropas de sobreaviso em casa na véspera dos atos golpistas, em vez de deixá-los de prontidão no quartel, foi preso em agosto. O coronel Fábio Augusto Vieira, que comandava a PM no dia dos ataques, ficou preso por pouco mais de um mês, no início do ano, e voltou à prisão em agosto por decisão de Alexandre de Moraes. O coronel Jorge Eduardo Naime Barreto está preso desde fevereiro. Sua atuação levantou suspeitas depois que sua ex-mulher registrou um boletim de ocorrência acusando-o de querer viajar às pressas depois dos ataques. Ainda estão na cadeia o coronel Paulo José Ferreira de Sousa Bezerra e o major Flávio Alencar. Dentre todos os PMs, Marcelo Casimiro é o único a ser alvo de pedido de indiciamento, por ter sido deliberadamente omisso na preparação das tropas e por ter compartilhado mensagens de cunho golpista com colegas, pedindo uma “intervenção federal com Bolsonaro no poder”.

Já a decisão de poupar Bolsonaro e seu entorno foi tomada por Hermeto depois de conversar com membros da CPI, que tem maioria alinhada ao ex-presidente. Embora o presidente da CPI, o deputado Chico Vigilante, seja petista, até a tarde de terça-feira (28) ele não havia conseguido acordo para poupar o general G.Dias, como ocorreu na CPI conduzida no Congresso. Vigilante também tentou, sem sucesso, incluir ao menos um militar na lista de indiciados, o general Gustavo Dutra Menezes, que chefiava o Comando Militar do Planalto em 8 de janeiro.

 

Em extensa reportagem publicada na edição de junho, a piauí relatou como agentes da PM e militares foram, no mínimo, permissivos com os atos golpistas. Outra reportagem, publicada pela revista em abril, revelou que a cadeia de comando da PM sabia das intenções golpistas dos invasores e mesmo assim designou um contingente pequeno para ficar na Esplanada dos Ministérios, contrariando ordens do então comandante-geral, Fábio Augusto, hoje preso. Apesar dessas evidências, a PM passou praticamente incólume ao relatório final da CPI da Câmara Legislativa.

Fernando de Sousa Oliveira, que assumiu a Secretaria de Segurança Pública do DF na véspera dos atos golpistas, depois que Anderson Torres partiu de férias para os Estados Unidos, foi incluído na lista de pedidos de indiciamento. Ele ainda estava em fase de integração ao novo cargo quando o 8 de janeiro eclodiu. Foi demitido com toda a cúpula da Secretaria. Ele e os outros três nomes que constam no relatório final da CPI são acusados de tentar a “abolição violenta do estado democrático de direito, golpe de Estado e dano qualificado contra o Patrimônio da União”.

Cintia de Queiroz, subsecretária de Segurança do Distrito Federal, tinha experiência no cargo que ocupava. Primeira mulher a ascender a um posto de comando na secretaria, ela elaborou dois dias antes da invasão um protocolo de ação para manifestações na Esplanada que não foi seguido pela PM. Por ter cumprido sua função, Queiroz foi mantida no cargo mesmo depois da intervenção federal na secretaria.

Também recém-empossado no cargo de ministro de GSI no 8 de janeiro, o general G.Dias recebeu diversos alertas da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) apontando para o potencial violento das manifestações na Esplanada, conforme revelou a edição de fevereiro da piauí, mas não tomou providências para proteger os prédios públicos. Os alertas também chegaram à cúpula das Forças Armadas, mas G.Dias foi o único militar que se cogitou indiciar na CPI. No final, ele também escapou do relatório.

A comissão, que tem maioria alinhada a Bolsonaro e Ibaneis, aprovou o relatório de Hermeto na noite desta quarta-feira (29).

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