A convocação para a entrevista no Roda Viva da TV Cultura, transmitido na segunda-feira (30) à noite, já estava nas redes sociais do candidato Jair Bolsonaro e seus aliados desde a semana passada. O objetivo declarado: bater as maiores marcas de audiência. O programa terminou sua transmissão no canal da emissora no YouTube no pico das visualizações com 228 mil pessoas acompanhando a entrevista. Um recorde na história do Roda Viva, como definiu seu apresentador, Ricardo Lessa.
Na tevê, o candidato também teve a maior audiência entre todos os candidatos a presidente entrevistados, segundo dados prévios do Ibope obtidos pelo site Teleguiado – que antecipou com precisão os dados preliminares de audiência do programa com os demais entrevistados.
O fenômeno estendeu-se ao Twitter e ao Facebook que foram tomados por posts de apoio, e também de críticas, a Bolsonaro. Nos trending topics mundiais estavam em primeiro lugar as hashtags #BolsonaroNoRodaViva e #RodaViva. No Brasil, os temas discutidos no programa ainda ganharam a lista dos mais citados no Twitter como “Jesus Cristo”, em referência a uma indagação feita quase no final do programa pelo colunista do jornal O Globo Bernardo Mello Franco. Citando a defesa de Bolsonaro de regras mais duras para a concessão de refúgio a estrangeiros, o jornalista perguntou ao candidato se ele sabia que Jesus era um refugiado.
No Facebook, enquanto o programa era transmitido ao vivo, o número de visualizações chegou a 1,5 milhão. Na madrugada, já chegava a 1,8 milhão, quase o dobro do vídeo com a entrevista de Ciro Gomes, que tinha a maior audiência até ontem: 1 milhão de visualizações. No Ibope, a entrevista com Ciro, em 28 de maio, tinha alcançado 1,1 ponto, o que corresponde a cerca de 220 mil pessoas. Pelas prévias do Teleguiado, a entrevista de Bolsonaro terá mais do que o dobro de audiência: 2,4 pontos de média, com picos de 3 pontos. O resultado é ainda seis vezes superior ao obtido por Geraldo Alckmin, que chegou a 0,4 ponto de média.
No YouTube, Bolsonaro ultrapassou em quase 100 mil visualizações simultâneas a marca de Sergio Moro, que até então era o recorde do programa no canal da internet, com 130 mil visualizações, simultâneas da entrevista do juiz para trás, com 211 mil visualizações. A votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, transmitida ao vivo pelo YouTube no canal do Senado, foi o único evento político a alcançar o mesmo pico de 228 mil visualizações da entrevista com Bolsonaro.
Além do apresentador Lessa e Mello Franco, estavam na bancada de entrevistadores os jornalistas Daniela Lima, da Folha de S.Paulo; Thaís Oyama, redatora-chefe da revista Veja; Maria Cristina Fernandes, colunista do jornal Valor Econômico; Leonencio Nossa, repórter especial do jornal O Estado de S. Paulo.
Bolsonaro esquivou-se de uma pergunta feita por Nossa sobre sua disposição, em caso de vitória, de abrir os arquivos da ditadura. “Esquece isso daí. Os papéis com certeza sumiram”, disse o candidato. Pouco depois, o perfil do jornalista no Facebook passou a ser alvo de simpatizantes de Bolsonaro. Nossa escreve uma biografia de Roberto Marinho e a capa de seu perfil no Facebook estampa uma foto do empresário e jornalista morto em 2003 com Fidel Castro. “Vejam o perfil deste cara de pau comunista”, dizia uma das mensagens. Posts hostis também inundaram a página de Mello Franco na rede social.
Se, de um lado os partidários do candidatos atacavam os jornalistas nas redes, de outro os críticos de Bolsonaro também se manifestavam. Marcelo Rubens Paiva, escritor, jornalista e filho do deputado Rubens Paiva, que foi torturado e desapareceu durante a ditadura, escreveu no Twitter: “Cheguei à conclusão que Bolsonaro não é de extrema-direita, mas de extrema-burrice.”
Em meio ao discurso de apoio aos militares e de que não houve golpe em 1964, Bolsonaro reforçou conhecidas posições. Mais uma vez demonstrou sua admiração ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, declarado torturador pela Justiça mas que, segundo Bolsonaro, não foi ainda condenado em última instância. E atribuiu a problemas de burocracia e lentidão do Congresso a limitação de sua produção legislativa ao longo dos 29 anos de vida pública, queixando-se, por exemplo da falta de apoio ao seu projeto de submeter estupradores à castração química. Disse que reduziria cotas para negros. Sobre política econômica, afirmou que delegaria as atribuições ao economista Paulo Guedes. Sobre educação e saúde foi pouco questionado.
A estratégia de usar as redes sociais tem sido reforçada por Bolsonaro em razão do pouco tempo de televisão que terá durante a propaganda eleitoral. Seu filho, Flávio Bolsonaro, disse à piauí que os grupos de WhatsApp são um grande ativo da equipe Bolsonaro. Ele, candidato a senador pelo Rio de Janeiro, faz parte de 2 500 grupos em seu telefone pessoal. Seu pai, segundo ele, faz parte de 4 500 grupos.
Com esse objetivo, a campanha de Bolsonaro contratou um especialista, o marqueteiro digital Marcos Carvalho, que acompanhou o programa na TV Cultura. Carvalho afirmou que uma das estratégias que usará nos 8 segundos de tempo de televisão será a de convocar as pessoas a assistirem à propaganda do candidato pelo Facebook.
Outra estratégia que está sendo usada na campanha é a de pedir para que as pessoas assistam às transmissões ao vivo de Bolsonaro por meio de um aplicativo chamado Mano. Depois da decisão do Facebook de retirar do ar páginas ligada a movimentos de direita e do MBL na semana passada, a campanha tem receio de ficar refém das redes privadas.
Bolsonaro queria indicar dois jornalistas para a bancada do Roda Viva. Nenhum outro candidato tinha encaminhado pedido parecido e a direção do programa não aceitou a demanda. Seguiu-se a decisão prévia da produção de convidar apenas jornalistas de veículos de grande circulação. Logo na abertura, o apresentador pulou a frase “nosso convidado de hoje não fez qualquer restrição ou exigência com a bancada de entrevistadores” e disse apenas que “os entrevistados foram escolhidos livremente”.
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Correções
A informação do blog Telepadi, transcrita na versão original deste texto e segundo a qual Bolsonaro teria vetado a participação do jornalista Marcelo Tas na bancada de entrevistadores, foi suprimida às 11 horas, em razão de não ter sido confirmada pela direção do programa Roda Viva.
O texto original informava que o jornalista Leonencio Nossa tinha escrito uma biografia sobre Roberto Marinho. Na verdade, a obra ainda não está finalizada.