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    FOTO: MARCELO JUSTO/UOL

anais da tragédia

Se pratica extorsão é oportunista, diz Boulos sobre grupo da ocupação

Sob pressão de adversários, presidenciável do PSOL diz que nunca tinha ouvido falar do movimento que ocupava o prédio que ruiu em São Paulo até a tragédia

Fabio Victor | 04 maio 2018_17h53
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“Eu não conheço o movimento, nunca tinha ouvido falar até essa tragédia. Agora, se de fato pratica extorsão, é oportunista”, disse Guilherme Boulos, pré-candidato do PSOL à Presidência da República. A declaração foi dada à piauí na noite de sexta-feira, sobre o MLSM, Movimento de Luta Social por Moradia, que ocupava o edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, Centro de São Paulo, que desabou na madrugada de 1º de maio. Até aqui, Boulos não havia se pronunciado especificamente sobre o grupo.

Não havia completado 24 horas do desabamento do prédio, quando o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidenciável Jair Bolsonaro, ambos do PSL, foi às redes sociais dizer que o prédio era ocupado pelo MTST, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, cujo líder mais conhecido é Boulos. Ele e o MTST correram para desmentir a informação – que de fato era falsa.

À frente da ocupação estava o MLSM, um grupo que começou a atuar há poucos anos e não tem conexões com os mais conhecidos movimentos do setor. Sobreviventes relatam que o MLSM cobrava uma taxa mensal para a manutenção da ocupação. A estrutura, conforme um laudo da prefeitura de janeiro de 2017 e fotografias do lugar, era precária, sujeita a risco de acidentes.

No jogo de empurra por responsáveis – e a cinco meses das eleições –, os políticos culparam os movimentos de moradia, que por sua vez responsabilizaram os políticos – ou a ausência do Estado – pela crise da habitação no país.

Como se o poder público nada tivesse a ver com a tragédia, João Doria, do PSDB, ex-prefeito de São Paulo que deixou o cargo há um mês sem cumprir nem metade do mandato para concorrer ao governo do estado, e Márcio França, do PSB, o atual governador, responsabilizaram os ocupantes do edifício. Doria disse que o imóvel era ocupado por uma “facção criminosa”.​

No centro do tiroteio está Boulos – perfilado na edição de maio da revista disponível nas bancas e para assinantes – hoje com um pé em cada um dos dois mundos. Desde o desabamento, o coordenador nacional do MTST e pré-candidato pelo PSOL tem se equilibrado entre duas atitudes díspares: se desvincular do grupo que ocupava o edifício, mostrando que o MTST tem objetivos e métodos diferentes; e evitar criticar o MLSM, para não correr riscos de criminalizar o movimento de luta por moradia como um todo, o que poderia reforçar o discurso de seus adversários políticos. Nas redes sociais, publicou vídeos gravados no local da tragédia, em que se solidariza com as famílias de sobreviventes e critica a omissão do poder público. “Quem ocupa não tem culpa”, tornada hashtag, vem sendo o mote das manifestações de Boulos.

Até a declaração concedida à piauí na noite desta sexta-feira, Boulos havia falado apenas de forma genérica sobre o grupo que ocupava o prédio que desabou. Numa entrevista à rádio CBN, instado a dar sua opinião sobre o MLSM e a prática de cobrar taxa de manutenção dos moradores, Boulos se disse contrário à cobrança. Não enfrentou diretamente, porém, a questão sobre o MLSM: disse que há “oportunistas e aproveitadores” em todos os lugares, mas não mencionou uma só vez o nome do movimento que coordenava a ocupação no Largo do Paissandu.

“O MTST não faz qualquer cobrança em suas ocupações. Aquela não era uma ocupação organizada pelo MTST. Não tínhamos nenhuma relação com aquele movimento, o que obviamente não nos impede de ter solidariedade às vítimas, como tivemos e vamos continuar tendo, exigindo do poder público. Oportunistas e aproveitadores têm em todos os lugares. Aliás, tenho segurança em dizer que tem mais oportunista por metro quadrado no Congresso Nacional, em Brasília, do que nos movimentos de moradia”, declarou Boulos.

O pré-candidato prosseguiu: “Agora, temos que saber separar o joio do trigo. Não podemos generalizar e porque há casos de oportunismo, e se há tem de ser investigado e fazer o que tem de ser feito (…). O MTST não faz cobrança de taxa porque acha que quem já está penalizado por situação precária de moradia tem que pagar coisa alguma, tem que lutar por seu direito.”

Declarações de Boulos à CBN sobre “separar o joio do trigo” e haver “mais oportunistas em Brasília” do que entre os movimentos de moradia foram ditas também, em tom praticamente idêntico, em artigo publicado nesta sexta-feira na Folha de S.Paulo. Questionado pela piauí desde quinta-feira sobre quem seriam os oportunistas, Boulos só respondeu no começo da noite desta sexta à pergunta “Você diz que há oportunistas e aproveitadores em todos os lugares, mas não fica claro se está se referindo ao MLSM. Você acha que o MLSM é um movimento oportunista ou que há, no MLSM, oportunistas e aproveitadores?”

Em resposta, ele disse desconhecer o movimento e que, “se de fato pratica extorsão, é oportunista”.

 

Até a tarde desta sexta-feira, 4 de maio, as equipes de resgate contabilizavam seis vítimas desaparecidas no desastre ocorrido na madrugada do dia 1º de maio: Ricardo Pinheiro, que estava para ser resgatado quando o edifício ruiu, Selma Almeida da Silva e seus dois filhos gêmeos de 9 anos, Wendel e Werner, Eva Barbosa Lima e Walmir Sousa Santos. Apenas um corpo, ainda não identificado, havia sido resgatado. Moravam 455 pessoas no Wilton Paes de Almeida, edifício inaugurado em 1966 e que tinha 24 andares. O fogo começou no quinto andar – por causa de um curto-circuito, segundo a secretaria estadual de Segurança Pública de São Paulo. O imóvel pertencia à União.

Apontado por moradores e integrantes de outros movimentos como coordenador do MLSM, Ananias Pereira não se manifestou nem se tem notícia de que tenha ido ao local da tragédia. A reportagem conseguiu contato com Pereira por mensagem de celular. Ele disse que estava numa reunião e que ligaria em seguida – não ligou nem respondeu mais.

Até quarta-feira à noite, era possível ver no Facebook o perfil Ananias MLSM, no qual publicava fotos de ocupações do movimento. Em 16 de abril de 2014, ele postou que o grupo tinha então sete prédios ocupados no Centro e deu os respectivos endereços. “Temos: Ocupação São João, 354; Ocupação Duque de Caxias, 401; Av. Rio Branco, 10; Santa Ifigênia, 75; Conselheiro Crispiniano, 379; rua Floriano Peixoto, 5; Av. Ipiranga, 908… vamos em frente.” Na quinta, não era mais possível acessar o perfil.

Líderes de outros movimentos por moradia adotaram a mesma postura de Boulos. Coordenador da União de Movimentos de Moradia de São Paulo, a UMM, fundada em 1987 e que congrega vários grupos, Donizete Fernandes de Oliveira é militante do setor desde essa época. Sobre o MLSM, afirmou: “Não conheço, nunca nos procuraram para discutir moradia, nunca participaram das lutas de esquerda por habitação.” Disse que o MTST tampouco tinha conexões com o MLSM. Para Oliveira, cobrar mensalidades dos ocupantes é cabível (“as ocupações na região central têm que ter segurança e manutenção do prédio, água, luz”) e o MLSM não deve ser responsabilizado. “A crise gerou um desespero em quem não tem onde morar. Defendemos ocupação como direito, principalmente, se não a propriedade não cumpre sua função social, como manda a Constituição. Não adianta criminalizar o movimento, a responsabilidade é do governo que nunca apresentou um plano para aquele prédio. Por que não foi feita uma reforma do prédio?” Militantes da UMM, entre eles o advogado Benedito Roberto Barbosa, foram ao local da tragédia dar assistência aos sobreviventes.

Sidnei Pita, coordenador do grupo Unificação das Lutas de Cortiços, movimento que atua no Centro de São Paulo, também disse que não tinha contato com o MLSM. A proliferação de grupos desse tipo, Pita afirmou, é inevitável. “São movimentos que vão surgindo na cidade, não tem jeito. A necessidade de morar é urgente, o desemprego é grande, o aluguel é caro. Aí surge um monte de movimento avulso.”

Em 2015, a Folha de S.Paulo visitou quinze ocupações de seis movimentos diferentes na capital paulista. Segundo a reportagem, entre todas, só as horizontais – barracos erguidos em terrenos – e de dois movimentos – MTST e MIVM (Movimento Independente de Luta por Habitação da Vila Maria) – não cobravam taxas dos ocupantes.

Sobreviventes da tragédia do Largo do Paissandu contaram à piauí que pagavam uma taxa mensal para manter seus barracos dentro do prédio. Carpinteiro e montador de andaimes desempregado, Aliandro Alfredo Oliveira, morava num barraco no segundo andar do Wilton Paes de Almeida com três amigos. Relatou que pagava 250 reais por mês aos coordenadores da ocupação. “Eles queriam 300, 350, mas eu dizia que só podia aumentar quando arrumasse emprego.”

Auxiliar de serviços gerais também desempregado, José Antônio Belo da Silva, 48 anos, vivia no sexto andar com a mulher, três filhos e a cunhada. Segundo ele, mais seis famílias moravam em outros barracos no mesmo pavimento. Silva disse que pagava 210 reais mensais ao MLSM, mas não quis dar mais detalhes. Quando ele conversava com a reportagem – numa tenda ao lado da igreja de Nossa Senhora do Rosário, no próprio Largo do Paissandu – um homem surgiu e gritou para que ele não desse entrevista e o repórter deixasse o local.

Até a sexta, uma parcela considerável dos sobreviventes permanecia no Largo, pernoitando ao relento ou em barracas, sem querer aceitar a sugestão da prefeitura de ir para abrigos provisórios. “Um albergue não é lugar de morar. Queremos ter um cantinho nosso”, disse Oliveira. “Se vamos para abrigo, seremos abandonados. Eles jogam as famílias lá e não tomam providência nenhuma”, afirmou Silva.

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