Brasília em contagem regressiva

No final da tarde de quinta-feira, dois assessores da presidência conversavam no Palácio do Planalto. “Para que são essas cadeiras?”, perguntou um deles, referindo-se a um auditório montado no Salão Nobre do segundo andar. “Deve ser para a posse do Temer”, respondeu o outro, irônico, aboletado numa poltrona e abatido pela semana de revezes. O impeachment de Dilma Rousseff começaria a ser discutido no plenário da Câmara dali a 15 horas e o governo não conseguia conter o desembarque paulatino dos aliados.

Nas últimas semanas, houve dias em que as conversas nos corredores de Brasília eram em tom de “agora, acabou”.  Mas houve igualmente momentos de respiro, em que o vento parecia virar a favor do governo e até oposicionistas admitiam que o jogo ainda podia mudar.

Também na quinta-feira, no quarto andar do Planalto, onde se localizam os gabinetes de Jaques Wagner e Ricardo Berzoini, ministros responsáveis pela articulação contra o impeachment da presidente, alguns deputados aguardavam ser chamados para o tête-à-tête.  Na sala de espera, o ex-parlamentar Chiquinho Escórcio conversava aos brados com um assessor: “Eles nunca deram valor para o baixo clero!” O clima era melancólico.

Dentro dos gabinetes do palácio, um ministro e seus auxiliares trabalhavam com um placar apertado: entre 170 e 180 votos a favor de Dilma. Para evitar que o processo de impeachment chegue ao Senado, é necessário que pelo menos 171 dos 513 deputados apoiem o governo ou faltem à sessão.

Do outro lado da rua, na Câmara, cada bancada também fazia seus cálculos – e um não batia com o outro. Um assessor brincou: “Se juntarmos todas as listas, teremos uns 700 deputados”. Desde cedo, somente parlamentares, jornalistas e os técnicos que montavam um telão estavam autorizados a andar pelo salão verde da Casa. Sem comissões funcionando, nem reuniões acontecendo, o plenário ficou esvaziado quase todo o dia.

À noite, Lula ainda recebia políticos no hotel Royal Tulip, a poucos metros do Palácio da Alvorada, residência oficial de Dilma. Os convidados chegavam pela estrada que dá acesso às docas e entravam por um elevador privativo que desemboca na porta do quarto do ex-presidente, o 3051. É um recinto confortável, ainda que nada semelhante a uma suíte presidencial. Lula recebia deputados, senadores e governadores numa antessala com sofá e poltronas, separada do espaço da cama por uma porta de correr. Funcionários do hotel garantem que os quartos ao lado também foram reservados para garantir a privacidade das conversas. Dentro do 3051, Lula discorria sobre a ameaça de golpe, pedia apoio e destrinchava como seria a nova agenda do governo caso Dilma preserve seu mandato.

Seguranças se revezavam no corredor do terceiro andar, enquanto outros três, descaracterizados, permaneciam sentados no lobby do hotel. Ricardo Amaral, um dos assessores de imprensa do ex-presidente, saía para fumar vez ou outra. Ricardo Stuckert, fotógrafo do Instituto Lula, também dava expediente no Royal Tulip.

Perto do hotel, está o Palácio do Jaburu, onde mora o vice-presidente, Michel Temer. A movimentação de carros na frente do palácio foi intensa durante toda a semana. Só arrefeceu ontem à noite, quando Temer saiu para um jantar em sua homenagem na casa do deputado Heráclito Fortes.

Carol Pires

É jornalista, roteirista, colaboradora do New York Times e colunista da Época online. Foi repórter da piauí de 2012 a 2016