Cédric Villani nunca passa despercebido: com cabelos compridos na altura do queixo e barba curta, o matemático francês se veste como um dândi do século XIX, com terno bem cortado, lenço de seda no lugar da gravata e relógio de bolso. Na lapela, vai invariavelmente um grande broche de aranha e, nos pulsos, abotoaduras de sua vasta coleção. Nos corredores do ICM, o Congresso Internacional de Matemáticos, realizado este ano no Rio de Janeiro, não foi diferente. Sentado na praça de alimentação no último sábado, Villani não conseguia encadear duas frases sem que fosse interrompido por um participante em busca de um autógrafo ou de uma selfie com o mais pop dos matemáticos.
Especialista em equações diferenciais parciais, Villani ganhou em 2010 a medalha Fields, o prêmio mais prestigioso da matemática, considerado o equivalente ao Nobel da disciplina. Este ano, ele comemorou a Fields recebida por um aluno, o italiano Alessio Figalli (sua tese de doutorado foi orientada por Villani e pelo italiano Luigi Ambrosio). “Estou muito orgulhoso de Alessio, foi um grande dia para ele e também para mim”, disse o francês numa entrevista à piauí durante o congresso. “Enviei uma mensagem a meus colegas deputados, tanto os da situação quanto os da oposição, dizendo que, para comemorar a notícia, oferecerei uma rodada por minha conta no bar da Assembleia Nacional assim que houver a ocasião.”
O matemático tornou-se deputado no ano passado, quando disputou a eleição legislativa pelo partido En Marche, de Emmanuel Macron, eleito presidente um mês antes. Villani já era uma personalidade conhecida na França quando decidiu se candidatar e atribui seu sucesso eleitoral à fama conquistada com a matemática. “Eu não teria me lançado na política se não fosse pela medalha Fields e pela visibilidade que ela me deu”, disse o pesquisador, num francês rebuscado coerente com sua indumentária.
Defensor da adesão da França à União Europeia, Villani se interessa pela política há alguns anos e, antes de aderir ao En Marche, foi filiado ao partido centrista MoDem. No ano passado, decidiu concorrer à Assembleia por julgar que era preciso aumentar a participação dos especialistas na vida pública. Sua motivação é similar à que levou alguns cientistas brasileiros a concorrerem a cargos do Legislativo este ano – caso do bioantropólogo Walter Neves, professor aposentado da USP que é candidato a deputado federal pelo PPL paulista, ou da matemática Tatiana Roque, pesquisadora da UFRJ que postula um lugar na Câmara pelo PSOL fluminense.
No caso brasileiro, o pano de fundo dessas candidaturas é a crise de financiamento da ciência e tecnologia – o orçamento federal para a área vem caindo ano após ano, e a perspectiva para o futuro não é das mais animadoras, diante da emenda constitucional que limitou o aumento dos gastos públicos nos próximos vinte anos à desvalorização pela inflação. No começo do mês, a Capes, agência federal de fomento à ciência, alertou para o risco de não ter dinheiro para pagar seus cerca de 200 mil bolsistas no ano que vem; diante da reação acalorada da comunidade científica, o Ministério da Educação soltou uma nota na qual afirma que não haverá cortes nas bolsas.
Quando pedi a Villani que comentasse a crise da ciência nacional, ele se apressou em afirmar que não tem qualquer lição a dar ao governo brasileiro. “Mas é preciso tomar cuidado”, continuou. “Um país que pretende ter influência internacional em longo prazo deve desenvolver a infraestrutura científica e os elos entre a pesquisa, a indústria e a economia de forma mais ampla”, disse o matemático. “E deve também se colocar como ator – em vez de simples usuário – dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos, caso contrário será sempre dependente de outros países.”
O envolvimento dos cientistas na vida pública é essencial na avaliação de Villani. “Alguns dos problemas políticos mais notáveis da atualidade têm um componente científico importante”, disse o matemático. “É o caso do combate ao aquecimento global ou das regulações para a preservação do meio ambiente”, continuou, notando que essas são questões fundamentais para o Brasil. O francês ponderou, no entanto, que decidiu se candidatar para colocar a ciência a serviço da política, e não o contrário.
Quando lhe pedi que esclarecesse o que queria dizer com aquilo, Villani disse que explicaria com exemplos de sua atuação parlamentar. Uma das principais tarefas que lhe foi confiada foi a preparação de um relatório que aponta diretrizes para reformar o ensino de matemática nas escolas públicas francesas. Encarregou-se também da elaboração de um documento que servirá de base para a estratégia nacional francesa para o campo da inteligência artificial. “Estes são exemplos claros de casos em que havia a necessidade de colocar a ciência a serviço da política”, disse Villani.
A transição da academia para o parlamento não foi livre de percalços. “O mundo da política nacional é violento”, avaliou o matemático. “Seja qual for sua popularidade, todo dia alguém vem insultá-lo, sobretudo nas redes sociais. É também um mundo no qual você desconfia de tudo e onde nunca se sabe se os atores de fato pensam aquilo que estão dizendo.” Mas Villani aprendeu logo a lidar com os novos colegas. “É como a volta às aulas, só que numa turma com 577 alunos”, comparou. “É preciso se acostumar com a ginástica complexa dos horários, reuniões, comissões e emendas.” A necessidade de dominar a retórica foi o aspecto da nova profissão que mais chamou sua atenção. “A política é uma função na qual você passa praticamente o tempo todo falando.”
O deputado disse não ter propriamente uma rotina – divide seu tempo entre as sessões da Assembleia, a atuação junto à sua base eleitoral na região da Essonne e outras viagens a trabalho (só este ano ele já visitou vinte países, cinco deles na comitiva do presidente Macron). Ele abriu em seguida a agenda de seu celular para mostrar uma semana típica sua: estava tomada de retângulos coloridos, em que cada cor correspondia a compromissos de natureza diferente.
A conturbada agenda parlamentar tirou-lhe o tempo para a pesquisa matemática. Villani ainda encontra brechas para dar palestras e participar de eventos como o ICM, mas interrompeu sua produção científica e não pretende retomá-la de imediato. Questionado sobre como ele se enxergava no futuro próximo, o matemático disse que é preciso mais que cinco anos – duração do mandato dos deputados na França – para deixar um impacto na vida política. Sinal de que deve se candidatar à reeleição em 2022? “Ainda é cedo demais para dizer”, afirmou. “Pretendo me manter politicamente engajado, mas não necessariamente como deputado.”