Ilustração de Carvall
Celebridade versus Mito
Trupe de artistas e influencers contra Bolsonaro cresce nas redes, faz barulho e amplia a base de oposição
No último sábado (19/6), ao mesmo tempo em que o país atingia a marca de 500 mil pessoas mortas em decorrência da Covid-19, novas manifestações contra Bolsonaro aconteciam em cerca de quatrocentas cidades, somando mais de 750 mil pessoas. Dados dos organizadores apontariam um aumento de 25% no número de participantes desse ato em relação ao anterior.
Ao contrário da manifestação de 29 de maio, que também contou com um número significativo de pessoas, mas cujas imagens não apareceram nas primeiras páginas de alguns jornais de circulação nacional, as capas dos grandes jornais brasileiros no dia 20 de junho estamparam, junto com a marca de 500 mil mortos, fotos dos protestos na Avenida Paulista. Novamente, a organização dos atos estimou a participação de 100 mil pessoas em São Paulo, ultrapassando 8 quarteirões ocupados. A PM não divulgou estimativa de público.
Mas o pior para o governo não viria das significativas manifestações de sábado. Após os atos, uma reação importante partiu de influenciadores digitais e artistas nas redes. Por conta da marca simbólica e expressiva de meio milhão de vidas e da inação do governo, mais evidente a cada depoimento na CPI da Pandemia, houve cobrança de posicionamento aos chamados “isentões” desse agrupamento. E o alcance dessas postagens com viés de cobrança foi avassalador.
Tanto que a cantora Ivete Sangalo teve que “descer do muro”, na linguagem espalhada nas redes, e declarar seu repúdio – finalmente – à condução da pandemia pelo presidente da República. No domingo (20/06, às 10 horas da noite), a cantora baiana havia publicado (tardiamente para muitos) algo sobre a marca das 500 mil mortes. Dizia não ser “sobre partidos”, e sim “sobre humanidade” (mais de 373 mil curtidas no Instagram). Ivete foi duramente criticada por essa postagem, como já havia acontecido com a atriz Juliana Paes semanas antes, por não se manifestar de forma expressa contra Bolsonaro.
No dia seguinte (21/06), postagem de Anitta refutando a cantora baiana de forma velada obteve um dos maiores alcances do dia no Twitter em língua portuguesa, com quase 240 mil interações até agora.
Após a publicação de Anitta, Ivete veio a público dissipar “dúvidas” sobre seu posicionamento: “Esse governo que aí está não me representa nem mesmo antes da ideia dele existir”, escreveu a cantora, obtendo mais de 559 mil curtidas até agora.
Mas o movimento de Anitta, depois seguido por Ivete, não foi exclusivo das cantoras nas redes. Outras personalidades também obtiveram muito alcance nesta segunda-feira e puxaram uma onda que, como já dissemos, foi pior para Bolsonaro nas redes do que no dia das próprias manifestações de rua, em que batemos 500 mil mortos.
Cabe frisar também que os ataques a uma jornalista de uma emissora afiliada da Rede Globo em visita do presidente a Guaratinguetá, também na segunda-feira (21), com vídeo amplamente divulgado pelo perfil do Metrópoles no Twitter (65 mil interações) e direito a longo bloco no Jornal Nacional, ampliaram essa sensação de necessidade de “posicionamento” imediato contra Bolsonaro nas redes.
À cantora Anitta se seguiram outras celebridades. A ex-participante e vencedora do BBB 21 – o mais “hitado” das redes na história – Juliette Freire obteve ainda mais interações no Twitter do que Anitta, no seu posicionamento feito logo após a cantora, também na segunda-feira (21), às 15h04. Foram quase 300 mil interações até agora. Mais tarde, a influenciadora gravou “stories” no Instagram para informar que seu pai e irmãos haviam contraído a Covid-19.
Juliette Freire é, sem dúvida, o maior fenômeno brasileiro nas redes sociais online em 2021. Em aproximadamente cinco meses, conseguiu somar quase 35 milhões de seguidores em seus perfis e é o segundo perfil com mais interações no Instagram no mundo neste ano, à frente de figuras como Cristiano Ronaldo, Neymar e da própria Anitta. Sua simpatia pela esquerda já era conhecida – fotos antigas haviam rodado as timelines durante o programa, mas ela não havia se posicionado tão incisivamente até então.
Outra celebridade que não deixou passar batida a marca de 500 mil mortes foi Gilberto Nogueira, o Gil do Vigor, quarto lugar no BBB vencido por Juliette. Economista com mestrado e recém-contratado da Rede Globo, Gil do Vigor é outro fenômeno do ano, com 1,9 milhão de seguidores no Twitter e 14,2 milhões no Instagram. Ele ganhou bolsa para fazer doutorado na Universidade da Califórnia e, nesta segunda (21/6), publicou no Twitter que o Brasil só voltará a crescer quando Bolsonaro sair do poder, registrando impressionantes 215 mil interações.
O posicionamento dos dois últimos ex-BBBs é extremamente significativo e não deixa de ser milimetricamente calculado. Os novos famosos estão tentando construir fora do programa uma carreira que ainda está em consolidação, apesar de já terem conseguido bons contratos. O posicionamento deles – e a consequente empatia do público ao engajar suas postagens – também é um termômetro para o mercado. Empresas cada vez mais se preocupam com a imagem que passam nas redes sociais online. Um ataque sofrido na rede por um erro ou demora em um posicionamento pode destruir em questão de dias a construção de uma reputação, que leva anos.
Há poucas semanas, a Farm, marca carioca de roupas femininas, se viu numa situação complicada. Ex-funcionárias denunciavam as práticas da empresa enquanto empregadora, sugerindo até mesmo racismo no dia a dia. Mas a crise maior veio quando, na mesma semana, a empresa fez um post em seu perfil no Instagram se solidarizando com o caso da jovem grávida Kathlen, ex-funcionária da marca que foi morta durante operação policial no Rio de Janeiro, e propondo uma campanha em que toda a venda com o código de Kathlen teria a comissão revertida para a família dela. Foi um desastre, pois diversos perfis afirmaram que a empresa estaria se aproveitando da tragédia. O post seguinte foi um simples “erramos” em branco no fundo preto, que virou meme negativo instantaneamente.
Se há risco ao se posicionar nas redes sociais, também é possível encontrar resultados positivos para as empresas. A campanha de Dia dos Pais da Natura em 2020, estrelada pelo ator Tammy Miranda, um homem trans, teve início morno no Instagram. Quando chegou ao Twitter, chamou a atenção dos bolsonaristas, que partiram para o ataque. No fim, a repercussão foi um baita holofote para a campanha, que registrou um saldo amplamente favorável (mais de 70% das publicações positivas). E, para além dos números, a empresa conseguiu ser apoiada nas redes, pelo seu posicionamento e coragem de mencionar um homem trans no Dia dos Pais. A defesa em massa, vale ressaltar, veio após ataques de sites conservadores e de uma verdadeira “campanha” contra a empresa. O jogo virou em 48 horas. Um único link – Pleno News: Natura é boicotada por ação de Dia dos Pais com Thammy – chegou a 343 mil interações no Facebook.
Até mesmo o resultado da ação da Natura na bolsa de valores após o caso foi motivo de comemoração dos seus novos apoiadores. Mais do que clientes, o episódio trouxe para a marca novos fãs, provenientes de diversas comunidades em torno dela.
Outro exemplo na mesma linha foi o programa de trainee exclusivo para negros do Magazine Luiza. O resultado foi o maior pico de menções nas mídias sociais sobre a empresa nos últimos doze meses, registrando mais de 100 mil publicações no dia 19 de setembro de 2020. E novamente a situação se repetiu, com a empresa sendo amplamente defendida dos ataques bolsonaristas e conseguindo, inclusive, a mobilização da chamada Blacktwit, grupo de perfis de lideranças negras, que é bastante organizado e influente.
Voltando à questão Bolsonaro: para artistas e influenciadores digitais, talvez o sinal mais significativo de que posicionamento é cada vez mais necessário tenha vindo do “recado” das grandes empresas que patrocinariam a controversa Copa América no Brasil. Após dias de rechaço de mais de 80% dos internautas à competição – nos monitoramentos da Arquimedes – as gigantes Mastercard, Ambev e Diageo preferiram, já que não podiam àquela altura rescindir contratos, esconder suas marcas e não se associar à Copa que, sabemos, ganhou fortes contornos políticos não só aqui, mas em todo o continente.
Não foi à toa que houve essa mudança de postura. Podemos afirmar que dialogar acenando positivamente para o bolsonarismo é extremamente polarizador e cada vez mais arriscado nas redes. As empresas e influenciadores até conseguem um engajamento significativo num primeiro momento, posto que o agrupamento pró-presidente ainda é grande e coeso – todavia ele é também isolado. Dialogar com esse cluster significa, hoje, abrir mão de interagir com todos os demais agrupamentos, da esquerda ao “centro democrático” ou aos chamados “nem-nem” (aqueles que não apoiam nem Bolsonaro e nem Lula, aguardando uma terceira via). As medições e estudos que comprovam esse isolamento são mais e mais evidentes. Fato é que o bolsonarismo parece custar cada vez mais caro a quem o apoia.
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Este artigo reflete a opinião de seus autores, não necessariamente a da piauí.
Sócio da Arquimedes, consultoria de análise de mídias sociais. É mestre e graduado em administração pela Fundação Getulio Vargas.
Advogado, mestre em Ciências Sociais pela UnB e pesquisador associado do Cepesp/FGV
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