A ciência feita hoje, para depois de depois de amanhã, discutida em um só dia. Este foi o mote da Maratona Piauí Serrapilheira, que aconteceu no Rio de Janeiro no último sábado. Cinco grandes cientistas conversaram com jornalistas para tentar responder perguntas sobre o futuro próximo da ciência brasileira.
Quem abriu o evento foi o astrobiólogo Douglas Galante, pesquisador do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron. Ele é o líder da missão brasileira Garatéa, que pretende lançar um pequeno satélite à órbita da Lua em 2021.
Galante parte do ponto de que vida é tudo aquilo que é feito de célula ou que depende de uma célula para viver. “Quando falamos em procurar vida em outros planetas caímos numa questão essencial: o que procurar? O que vamos considerar como vida? Proteína, célula, DNA?”, questionou o cientista no papo conduzido pelos jornalistas Ana Lucia Azevedo (O Globo) e Roberto Kaz (piauí).
Perguntado se a vida em outros planetas é parecida com a da Terra, Galante brincou: “a resposta fácil para isso é: não tenho a menor ideia.”
“Acho que tiveram vários cenários para a origem da vida, e um deles foi bem-sucedido. A base da vida tem várias origens. Talvez até hoje estejam acontecendo fenômenos de origem da vida, mas eles estão sendo sobrepujados por outras formas de vida. O grande problema: ainda não temos como provar isso cientificamente.”
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Professora do Instituto de Geociências da USP nas áreas de mineralogia e petrologia, Adriana Alves foi a segunda convidada do dia. Ao lado dos jornalistas Rafael Cariello (TV Globo) e Alicia Ivanissevich (ex-Ciência Hoje), ela contou sua trajetória na geologia, que começou por acaso. “Comecei a jogar um RPG e, por coincidência, fiquei com o papel do geólogo e me interessei. Com poucas coisas, ele tirava conclusões enormes”, contou.
Fazer geologia no Brasil é um desafio, segundo Alves. Isso porque o intemperismo – a degradação de rochas – é muito forte aqui, o que dificulta estudos de longo prazo, uma situação diferente da verificada nos Estados Unidos ou em regiões desérticas, por exemplo. Ela explicou como funciona o trabalho de revelar, a partir de rochas e sedimentos, os fenômenos que determinaram a história física do planeta. “Granitos são vulcões falhos. São corpos de magma que nunca chegaram à superfície. Olhando para eles a gente entende o processo que acontece na raiz do vulcão.”
Questionada sobre a possibilidade de existir outra extinção em massa e se é possível calcular a probabilidade de um evento dessa dimensão, Alves respondeu: “A maior frustração de ser geóloga é que não conseguimos prever desastres naturais. Geólogo e geofísico vão ser sempre evasivos nessa resposta. São muitas variáveis a serem analisadas.”
Mulher negra, nascida na periferia de São Paulo, ela falou também das dificuldades que enfrentou no mundo acadêmico e da importância de não dissociar a pesquisa científica do cenário social em que está inserida.
“Cientistas naturais às vezes acham que estão fazendo pesquisa livre de contexto social, mas a nossa ciência é bordada num tecido machista, racista e preconceituoso.” Adriana Alves na maratona #piauiserrapilheira pic.twitter.com/IkFzvl0kF8
— Bernardo Esteves (@besteves) 12 de maio de 2018
Diferentemente dos outros convidados, Tasso Azevedo atua no terceiro setor. Ele é coordenador do MapBiomas, um projeto que monitora de forma independente o desmatamento em todos os biomas do Brasil.
O principal tema da mesa, liderada pelos jornalistas Bernardo Esteves (piauí) e Giovana Girardi (O Estado de S.Paulo), foi o papel do Brasil no aquecimento global. “É bizarro a gente ter uma meta de acabar com algo ilegal daqui a 30 anos”, disse Azevedo, referindo-se ao compromisso do país no Acordo de Paris de reduzir o desmatamento ilegal a nível zero até 2030. “Essa deveria ser uma prioridade para já”, resume ele.
“As pessoas criaram uma certa indiferença pelo desmatamento. Infelizmente só conseguimos falar sobre isso quando acontece um evento extremo, porque fazemos essa relação com o problema.” Para Tasso, existe hoje um “consenso oco” em torno do desmatamento. “A sustentabilidade, hoje, é um tema totalmente relativizado. E deveria ser uma categoria de princípio, como democracia, liberdade de imprensa e livre iniciativa.”
.@tassoazevedo: “Como poder multar remotamente casos de desmatamento? Estamos num momento em que é necessário começar a pensar formas de monitoramento tão eficientes quanto os radares de velocidade do trânsito, por exemplo.” #piauiserrapilheira
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A física Marcia Barbosa, integrante da Academia Brasileira de Ciências e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, foi a quarta convidada do dia. Pesquisadora das propriedades da molécula da água, ela falou sobre o desenvolvimento do método de “superfluxo”, no qual a substância é submetida a nanotubos.
Por conta de uma propriedade particular da água, o fluxo sai muito mais forte – o contrário do que seria esperado nessa situação. “A água tem mais de 70 anomalias. Ela se comporta de maneira diferente da maioria das outras substâncias”, explicou a cientista no palco da Maratona, ao lado dos mediadores Branca Vianna (Serrapilheira) e Mauricio Tuffani (Direto da Ciência). Essa técnica pode vir a se tornar uma alternativa viável para os processos de dessalinização, segundo Barbosa.
Outro tema caro à atuação da física na academia é igualdade de gênero. Ela comentou o mito de que a ciência é “neutra”, o que isentaria essa área de conhecimento das questões sociais. “A ciência até pode ser neutra, mas quem faz a ciência são as pessoas. Elas que escolhem o que estudar e como estudar”, provocou Barbosa.
A água tem mais de 70 anomalias. Ela se comporta de maneira diferente da maioria das outras substâncias, explica a cientista. A conversa é conduzida por @brancavianna, do @iserrapilheira, e @tuffani, do site @diretodaciencia pic.twitter.com/5NwZBf4Ebm
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Fechando o ciclo de debates, o médico imunologista Antonio Coutinho, um dos mais destacados cientistas portugueses, falou sobre o estímulo a pesquisas de excelência em países com pouca tradição científica. Segundo ele, um dos maiores entraves à inovação no Brasil é o sistema burocrático e técnico que domina as universidades públicas.
“Privar-nos do conhecimento dos mais jovens é a pior coisa que a ciência faz”, lamentou Coutinho durante o painel conduzido por Cristina Caldas (Serrapilheira) e Marcelo Leite (Folha de S.Paulo). “A minha preocupação maior é que estamos perdendo a criatividade dos jovens.” Ele ressaltou que, como as lideranças desse setor são as mesmas responsáveis pela falência da educação pública, há poucas alternativas no atual cenário.
Questionado se a candidatura de cientistas brasileiros a cargos políticos poderia melhorar o cenário da ciência no país, Coutinho disse que soluções reais não vêm em curto prazo. “É preciso mudar a sociedade de tal maneira que a sociedade eleja quem gosta de ciência.”
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