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    Bolsonaro, ao lado do príncipe saudita Mohammed Bin Salman, em 2019 Foto: Alan Santos/PR

anais da diplomacia

Com Bolsonaro, países árabes bateram recorde de exportação ao Brasil

Enquanto ex-presidente acumulava joias, Arábia Saudita, Emirados Árabes e Bahrein quase triplicaram o faturamento com petróleo e outros produtos

André Borges | 31 ago 2023_12h13
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Quando viajou à Arábia Saudita, em outubro de 2019, o então presidente Jair Bolsonaro disse se sentir “quase um irmão” do príncipe Mohammed bin Salman. A declaração, que na época causou espécie por se tratar de um ditador acusado de crimes contra os direitos humanos, foi resgatada nos últimos meses, à luz do escândalo das joias. Bolsonaro e a então primeira-dama Michelle receberam de Bin Salman presentes de luxo que fariam inveja até mesmo a Donald Trump – o ex-presidente americano, apesar da proximidade diplomática com os árabes, recebeu deles souvenirs que somam apenas 48 mil dólares (ou 235 mil reais). Esse dinheiro não compra sequer um dos relógios presenteados a Bolsonaro, que dirá o jogo com colar de diamantes que seria entregue a Michelle e acabou preso na alfândega de Guarulhos, avaliado pela Polícia Federal em 5,1 milhões de reais.

Mas, por outro ângulo, talvez seja Bin Salman quem se considera “quase um irmão” de Bolsonaro. Enquanto o ex-presidente esteve no cargo, a Arábia Saudita viu seus negócios com o Brasil crescerem substancialmente. Os sauditas fecharam o ano de 2022 tendo exportado 4,501 bilhões de litros de petróleo para o mercado brasileiro, um aumento de mais de 40% em relação a 2018, quando esse volume chegou a 3,205 bilhões de litros. Como o preço do petróleo subiu nesse período, o faturamento cresceu numa proporção maior: de 1,6 bilhão de dólares, saltou para 3,2 bilhões.

O petróleo é a principal exportação da Arábia Saudita para o Brasil. Somando-se as outras exportações, como alumínio e querosene, os sauditas faturaram 5,3 bilhões de dólares vendendo para o mercado brasileiro no ano passado. Foi a maior cifra registrada na relação entre os dois países desde o início da série histórica, em 1997. Das importações brasileiras de petróleo em 2018, 33% eram sauditas; passaram a ser 37% em 2022, segundo os dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

Bolsonaro se encontrou com o príncipe Bin Salman em junho de 2019, durante a Cúpula do G20, em Osaka, no Japão. Depois, em outubro, viajou a Riade, capital da Arábia Saudita, onde, além de fazer a célebre declaração, fez negócios. A comitiva brasileira discutiu com os sauditas uma série de acordos comerciais e a compra de derivados de petróleo. Ao término das conversas, Bolsonaro anunciou que a Arábia Saudita iria investir 10 bilhões de dólares no Brasil, uma fortuna considerando o parco intercâmbio econômico entre os dois países até então. A notícia foi comemorada na tribuna da Câmara pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).

O Brasil não viu a cara dos 10 bilhões de dólares, prometidos na forma de investimentos em Defesa e tecnologia que nunca se concretizaram. Mas os árabes se animaram com a ideia de investir em refinarias e concessões na área de infraestrutura. Dois anos mais tarde, no dia em que o ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque e sua comitiva recebiam pacotes de joias de diamantes em Riade, Bolsonaro estava na Embaixada da Arábia Saudita em Brasília. Acompanhado de seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), e do então ministro das Relações Exteriores, Carlos França, almoçou com diplomatas de países do Oriente Médio, na residência de Ali Abdullah Bahittam, localizada num bairro nobre de Brasília. Enquanto Bento Albuquerque se preparava para driblar a alfândega, Bolsonaro recebia placas oficiais feitas pelos sauditas em sua homenagem.

 

No encontro, em outubro de 2021, não estavam apenas representantes da Arábia Saudita. A reunião incluía diplomatas de países que participam do Conselho de Cooperação do Golfo, entre eles os Emirados Árabes. Um dos assuntos conversados na ocasião foi a venda da refinaria Landulpho Alves, a mais antiga do Brasil, localizada na Bahia. Na época, a Petrobras estava concluindo a venda para um fundo dos Emirados Árabes chamado Mubadala Capital. O processo de privatização fora iniciado dois anos antes, em junho de 2019, no momento em que Bolsonaro começava a estreitar relações com os árabes.

A venda da refinaria foi concluída com o pagamento de 1,8 bilhão de dólares para a Petrobras. Na época, o Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) analisou a transação e concluiu que o preço negociado pela Petrobras era “cerca de 50% inferior ao seu valor em comparação com os cálculos estimados” por um estudo do instituto. “De acordo com os parâmetros utilizados, a refinaria localizada na Bahia seria avaliada, ao câmbio atual, entre US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões”.

A XP chegou a estimar entre 3 bilhões e 4 bilhões de dólares o valor da refinaria, mas depois baixou a estimativa para um valor próximo ao que foi acertado pela Petrobras. O BTG, por sua vez, calculou que o ativo valia 2,5 bilhões de dólares. Diante das críticas, a Petrobras alegou que o valor de venda teve de ser reduzido devido à desvalorização causada pela pandemia. A operação, hoje, está em pleno vapor. Há poucos meses, os novos gestores da refinaria anunciaram 12 bilhões de reais em investimentos na Bahia.

É um mercado em expansão para os Emirados Árabes. O país – na verdade uma confederação formada por diferentes monarquias, entre elas Abu Dhabi e Dubai – quadruplicou suas exportações de petróleo para o Brasil desde 2018. Naquele ano, vendeu 409 milhões de litros; em 2022, o volume subiu para 1,9 bilhão de litros. Com isso, o faturamento, que havia sido de 320 milhões de dólares em 2018, bateu 2,2 bilhões de dólares no ano passado. Um recorde na relação comercial entre os dois países.

Do que se sabe até agora, os Emirados Árabes deram presentes modestos a Bolsonaro, se comparados aos países vizinhos. O presidente brasileiro recebeu de Mohammed bin Zayed Al Nahyan, presidente do país, um fuzil e uma pistola. Nada comparado ao colar de diamantes Chopard e aos demais brilhantes presenteados pelo príncipe da Arábia Saudita. Ainda assim, depois que o escândalo das joias veio à tona, senadores defenderam que fosse aberta uma investigação sobre a venda da refinaria para o fundo dos Emirados.

Welber Barral, sócio da BMJ Consultoria, especializada em relações internacionais, lembra que os presentes costumam fazer parte da diplomacia muçulmana, mas não na quantidade vista em relação a Bolsonaro. “Os árabes são famosos por dar esses presentes, mas é um movimento estranho esse volume de joias. É preciso lembrar que eles têm interesses estratégicos no Brasil. Além da venda de petróleo, eles estão crescendo e a segurança alimentar é uma preocupação deles.” A aproximação com os brasileiros, explica Barral, pode refletir um interesse dos países árabes em garantir bons negócios na importação de alimentos. Os principais produtos brasileiros comprados pela Arábia Saudita, em 2022, foram carne, açúcar, milho e soja. O padrão se repete em relação aos Emirados Árabes.

 

Em novembro de 2021, Bolsonaro se encontrou com o rei do Bahrein, Hamad Bin Isa Al Khalifa. Depois de um almoço no Palácio Real em Manama, capital do país, o ex-presidente inaugurou a Embaixada do Brasil no Bahrein, ao lado dos ministros Walter Braga Netto (Defesa), Augusto Heleno (GSI), Gilson Machado (Turismo) e Carlos França (Relações Exteriores). Junto a eles, estava o ajudante de ordens e tenente-coronel Mauro Cid. “É uma satisfação muito grande participar deste evento que materializa o entendimento e a cooperação entre nossos povos”, disse Bolsonaro, na ocasião. “Quero dizer a vocês que isso marca também a minha vida. Brasil e Bahrein cada vez mais unidos e pensando no bem de seus povos.”

O rei Hamad Bin Isa Al Khalifa também não escondia a satisfação com o encontro. Tinha razões para comemorar. Até 2019, o Bahrein nunca tinha exportado óleo diesel para o Brasil. Depois de firmar acordos com o governo Bolsonaro, exportou 240 milhões de litros nos últimos três anos. O mesmo aconteceu com o alumínio, produto de peso na economia do Bahrein. O Brasil, que até 2018 não importava fios de alumínio de lá, passou a fazê-lo no primeiro ano de governo Bolsonaro, e, desde então, comprou 30 milhões de kg.

Bolsonaro se orgulha das pontes que construiu com o mundo árabe. Nenhum governo viajou tanto para o Oriente Médio. Em julho do ano passado, durante a campanha eleitoral, o ex-presidente gravou um vídeo para o Fórum Econômico Brasil & Países Árabes dizendo que trabalhava para que o Brasil recebesse a visita do rei do Bahrein, do príncipe da Arábia Saudita, do presidente dos Emirados Árabes e do emir do Catar. “Fui o primeiro presidente brasileiro a visitar duas vezes no mesmo mandato a região do Golfo”, disse Bolsonaro, no vídeo. “Os fundos árabes tornaram-se uma das principais fontes de capitais para o nosso país.”

Um desses capitais, conforme se descobriu mais tarde, era um luxuoso relógio da marca Patek Philippe. O presente foi dado a Bolsonaro pelo rei do Bahrein, Hamad Bin Isa Al Khalifa. A peça, avaliada em 51,7 mil dólares, ou 257 mil reais, nunca foi registrada como presente oficial e acabou vendida de forma clandestina nos Estados Unidos. Nesta quinta-feira (31), Bolsonaro, Michelle e Mauro Cid, além de outras figuras próximas ao ex-presidente, depõem à Polícia Federal na investigação sobre o sumiço das joias.

Antes de Bolsonaro ser eleito, Arábia Saudita, Emirados Árabes e Bahrein, somados, faturaram 2,9 bilhões de dólares com exportações para o Brasil. No ano passado, embolsaram 8 bilhões de dólares. Para os árabes, as joias milionárias saíram barato. Para Bolsonaro, nem tanto.

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